Ruptura é o debut do Cordillera. A banda de Campinas apresenta oito faixas autorais embaladas num rock progressivo marcado pelo contraste entre o refinamento de ambientações atmosféricas e a intensidade do rock e do metal, presente na forte carga dramática das canções. O registro ainda tem momentos viscerais de peso e crueza, cuja estética passa pelo abstrato e pelo enigmático. Nesta entrevista exclusiva para a Collectors, Room, o vocalista Victor Oliveira e o baixista Pedro Ghoneim dão detalhes sobre o debut, falam da escolha do nome e do passado, presente e futuro da música progressiva. Confira e guarde bem esse nome: Cordillera.
A banda acaba de lançar o primeiro álbum, Ruptura. Conte-nos sobre o conceito do disco, que apesar de ter um nome em português, vem com letras em inglês.
Pedro Ghoneim - O álbum Ruptura surgiu a partir da reunião entre os fundadores do Cordillera, Raphael Moretti e Victor Oliveira, e os novos membros Matheus Vazquez, Tarcísio Barsalini e eu. Percebemos dois pontos que guiaram nosso processo: 1) existem muitas bandas de prog que são parecidas 2) praticamente todas as nossas referências são da Europa ou Estados Unidos. E daí surgiu o ensejo de romper com essas duas constatações que chegamos. Nunca quisemos fazer uma música ‘nacionalista’, mas sim internacional, universal. Não queremos necessariamente ser reconhecidos como uma “banda tupiniquim”, mas como um grupo que não veio da Europa ou dos EUA. O nome Cordillera anuncia isso, de certa maneira. A América Latina é majoritariamente falante da língua espanhola. Ao mesmo tempo, as pessoas no Brasil vão entender quando lerem ou ouvirem esse nome, pela proximidade dos dois idiomas. O título do álbum segue a mesma lógica. Ruptura é uma palavra compreensível, não somente para falantes do português, mas também para as pessoas dos países hispânicos e mesmo anglófonos (pela semelhança com “rupture”, em inglês). E dentro das músicas escolhemos o inglês pra que essa comunicação ocorresse com o maior público possível.
A Cordillera mostra-se preocupada com a identidade visual. Tanto a capa do disco de estreia como o vídeo de "Noumenon" são bem impactantes. Como a estética gráfica se relaciona com a música da banda?
Ghoneim - Bom, todos nós da banda estudamos e trabalhamos com música, somos artistas. Então, acho que antes de mais nada, isso vem do nosso gosto pelas outras artes, de valorizar nossos colegas que trabalham com audiovisual, artes plásticas, dança, teatro. Achamos que uma banda não faz só o seu som, mas também tem sua imagem. Então, desde o começo, pensamos muito em como construir nossa imagem, de maneira que traduzisse bem o que fazemos como músicos no Cordillera. Por isso, fazemos questão de trabalhar com profissionais de outras áreas, sejam fotógrafos, artistas plásticos, editores, dançarinos. Queremos que nosso material gráfico tenha tanto cuidado quanto o sonoro.
Sobre a sonoridade, é interessante notar influências progressivas de nomes contemporâneos, como Pain of Salvation e Porcupine Tree. Fale-nos mais sobre a costura musical proposta pela Cordillera.
Ghoneim - Quando entrei na banda, ela já existia há alguns anos, com outra proposta. Eu, Matheus e Tarcísio entramos praticamente juntos, e trouxemos outras referências pessoais de música, que acabaram se somando às do Victor e Moretti. Enquanto o Victor e o Moretti traziam coisas mais do rock 90, stoner, grunge, o Tarcísio falava do prog de 70, e eu e o Matheus mostrávamos bandas progressivas mais contemporâneas. Foi quando achamos nossas influências comuns, e também bandas que algum de nós não conhecia e passou a conhecer e gostar, e daí foi se formando um corpo de referências compartilhadas. Nessa lista estão as já mencionadas Pain of Salvation, Porcupine Tree, além do Opeth, Soundgarden, Alice in Chains, Steven Wilson. À parte disso, todos nós também trazemos as influências pessoais de maneira mais sutil. E isso sai do âmbito do rock e metal e chega ao jazz, música brasileira, música erudita, pop, etc.
Você acredita que estas bandas citadas da nova cena prog, do rock ou do metal, serão daqui há alguns anos também tidas como clássicas, como um King Crimson ou um Pink Floyd, guardadas as devidas proporções?
Ghoneim - Acho difícil prever isso. A história da música proporciona muitas improbabilidades. As primeiras bandas de rock progressivo estavam em um momento histórico muito específico, em que o mundo vivia uma tensão causada por uma guerra invisível, e ao mesmo tempo acontecia uma grande efervescência de movimentos artísticos e culturais em várias partes do planeta. Existem bandas atuais de progressivo com mais visibilidade, como o Dream Theater, mas que, na minha visão, não impactam mais na cena prog como faziam antes. Por outro lado, bandas como o Pain of Salvation e Opeth, que surgiram não muito depois do DT, empurram muito mais a cena pra frente, para mim. Mas, tratando-se de música, não dá pra dissociar de mercado, que significa dinheiro. Será que as bandas que serão veneradas são as que hoje possuem mais poder de fogo? Não sei. De qualquer maneira, pode ser que no futuro alguém importante desenterre bandas que nenhum de nós conhece e diga “se liga, esses caras eram geniais”, e aí passam a ser clássicos póstumos – e está cheio de exemplos de como isso pode acontecer.
Voltando ao álbum Ruptura, percebe-se um trabalho minucioso de composição e gravação. Tem dramaticidade, momentos crus e outros complexos. Houve, mesmo, um norte para romper padrões na hora de fazer o disco?
Victor Oliveira – Houve, sim. Nossa busca de identidade musical teve como norte um som contemporâneo, acima de tudo. E quando digo isso, me refiro a uma mistura nova, porque no limite, todos temos influências fortes de gêneros antigos, mas que, na mistura, produzem algo novo. Temos muito a ideia também de incorporar os recursos e usos do estúdio e da tecnologia musical como recurso criativo. Então, sempre levamos em conta a possibilidade de uso de ruído, sintetizador, violões, guitarras. No limite, é um disco de rock, mas propondo uma abordagem nova, fugindo das fórmulas antigas.
Gostaria que destacasse duas músicas do álbum e explicasse por quê podem ser cartões de vista da Cordillera.
Victor - Bom, na minha opinião, citaria "Noumenon", um dos nossos singles, e “Dialogue". "Noumenon" é uma música bastante representativa daquilo que propomos, porque existe ali uma estrutura de canção de rock, com verso, ponte e um refrão forte e presente, além de um riff marcante e momentos de muita energia. Nela existe um trabalho de textura bem forte, com camadas de instrumentos, timbres diferentes, ruídos, fala, dinâmicas, e ainda assim é uma música bem econômica, fácil de ouvir. Uma síntese do que se pode encontrar no Cordillera. "Dialogue" tem algumas aventuras mais ousadas, muito embora também é possível ver o trabalho textural e de dinâmica, com destaque para as linhas de baixo no começo e fim da música, e uma estrutura também de canção, com verso e refrão e uma parte final com bastante energia também. Contudo, o trabalho de vozes e guitarras é mais minucioso, como se cada frase tivesse uma personalidade distinta, um diálogo mesmo. No limite, é uma balada etérea com momentos de euforia.
Como estão rolando os shows? Estão se apresentando ao lado de outros nomes muito interessantes do novo rock brasileiro, como HammerHead Blues e Odradek.
Victor - A banda sempre tenta mostrar a que veio nos shows e o público tem respondido muito bem, mas a realidade da cena independente no Brasil é bem precária, com pouco público e poucos espaços. Contudo, existe, sim, um círculo forte de bandas e produtores trabalhando pra fazer acontecer com festivais que ganham mais público e propostas novas de dar visibilidade desse novo rock no Brasil, como o Locomotiva Festival e o Bananada, além de selos importantes que articulam essas bandas e compõem a rede de um país grande como o nosso, como a Abraxas, Sinewave, Bratislava. E é nesse sentido que nos sentimos, sim, felizes de estar ao lado de bandas que atingiram já um patamar de respeito nessa cena, propondo um som com identidade.
O que vem pela frente, ainda em 2018?
Victor - Nessa realidade de música digitalizada e rapidez de acesso, precisamos sempre lançar materiais novos para continuar fidelizando o público que nos curte nas redes. Então, estamos preparando já para 2018 um lançamento de single inédito, além de live sessions, para que o público à distância possa nos conhecer ao vivo. E, claro, desde agora até o fim do ano estamos organizando shows em cidades do interior de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, com destaque para o show com o Menores Atos, em Campinas, em agosto, no aquecimento do Locomotiva Festival.
Cordillera é
Victor Oliveira (vocal), Raphael Moretti (guitarra), Pedro Ghoneim (baixo), Tarcísio Barsalini (guitarra) e Matheus Vazquez (bateria).
Cordillera na internet
Ouça Ruptura nas plataformas de streaming
https://www.onerpm.com/al/1247854741
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