Discoteca Básica Bizz #110: Stevie Wonder - Talking Book (1972)


Há uma piada dos irmãos Marx que define bem a situação de Stevie Wonder na gravadora Motown. Em Uma Noite em Casablanca, Groucho Marx encarna um diretor de hotel que decide trocar os números dos quartos dos hóspedes. Quando um deles reclama que aquilo seria uma loucura, Groucho replica: "Mas também seria uma diversão dos diabos!".

A maior "loucura" de Stevie Wonder chamou-se Talking Book e cristalizou a independência do cantor em relação aos padrões rígidos da Motown. Até então, na gravadora americana as músicas deveriam ter três minutos – no máximo - e abordar nas letras temas como o amor e futilidades.

Wonder queria ter controle total de suas produções e ainda a liberdade para fazer as músicas que quisesse, com a duração que bem entendesse. Com o passar dos anos, essa exigência ficou cada vez mais cara para os cofres da gravadora e ainda menos rentável, com a perda de prestígio de Wonder. Mas pelo menos ele conseguiu emplacar diversas obras-primas. Talking Book veio mostrar um artista maduro aos 22 anos, brincando com uma invenção dos anos 1970, o sintetizador – que foi descoberto em Music of My Mind, seu disco anterior, também de 1972.

Os instrumentos em que Wonder não meteu a mão foram tocados por gente da categoria de Jeff Beck (o solo de guitarra em "Lookin' For Another Pure Love") e do saxofonista David Sanborn ("Tuesday Heartbreak"). As letras, em sua maioria, falavam da separação de Wonder e Syreeta Wright, da descoberta de um novo amor pelo compositor, de política e misticismo.


"Superstition" foi o maior hit do disco e quase virou um sucesso com Jeff Beck. Wonder havia cedido a música para o guitarrista e se recusava a lançá-la em single. "Você está louco? Esta canção tem de promover o álbum", rebateu o pessoal da Motown. Não é preciso ser nenhum gênio para apostar no sucesso da música, basta ouvir a introdução, com a marcação forte da bateria e o sintetizador de Wonder. O resultado foi um estremecimento da amizade entre o temperamental Beck e o cantor/compositor.

A relação entre Wonder e Syreeta foi destrinchada em "Maybe Your Baby", "Tuesday Heartbreak", "You've Got It Bad Girl" e "Blame It on the Sun". Na primeira, Wonder colocava para fora os fantasmas do ciúme e da solidão, com timbres estranhos de sintetizador e os wah-wahs da guitarra de Ray Parker, Jr. (que depois fez um pífio trabalho solo). "Tuesday Heartbreak" é uma visão irônica sobre o fim de uma relação, e na letra de "Blame It on the Sun", co-escrita com Syreeta, ele busca uma resposta para o fim do amor entre os dois.

Mas ele colocava uma certa esperança no disco. "You Are the Sunshine of My Life" nasceu de seu namoro com a vocalista Gloria Barley, que dividiu os vocais com ele na música. E para quem duvidava de sua capacidade em temas políticos, Wonder rebateu com "Big Brother" - paralelo entre o Grande Irmão de 1984, livro de George Orwell, e o pouco caso do governo americano em relação aos negros.

Quem acha que ele é só baladeiro, tem aqui a prova de seu gênio.

Texto escrito por Sérgio Martins e publicado na Bizz #110, de setembro de 1994

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