Quadrinhos: Imaginário Coletivo, de Wesley Rodrigues


O realismo mágico - ou realismo fantástico, como alguns preferem - é uma escola literária que surgiu na América do Sul no início do século XX. A sua principal característica é fundir o universo mágico à realidade, mostrando elementos irreais e estranhos como algo natural e corriqueiro. E esses elementos são apresentados de forma intuitiva, sem a necessidade de explicações. Eles são porque são, e ponto final. O realismo fantástico surgiu como uma reação aos regimes ditatoriais latino-americanos, utilizando o elemento mágico como reforço das palavras contrárias aos regimes totalitários.


O maior clássico do estilo é o fenomenal Cem Anos de Solidão, livro do escritor colombiano Gabriel García Márquez publicado em 1967 e uma das maiores obras da literatura mundial. Na obra de García Márquez, alguns personagens ficam surpresos ao se depararem com elementos fantásticos, mas os aceitam sem maiores questionamentos e agem como se aquilo pudesse acontecer naturalmente. Ao adentrar no texto de García Marquez somos apresentados a fatos como a peste da insônia, a morte e o retorno à vida, uma mulher que sobe aos céus e outros fatos.


Imaginário Coletivo, HQ escrita e desenhada pelo brasileiro Wesley Rodrigues, bebe no realismo fantástico para entregar uma história de quadrinhos que é uma grande e arrebatadora fábula sobre a busca pela liberdade. Em suas quase 500 páginas somos apresentados a uma vaca que quer ser uma pássaro, e faz tudo para realizar o seu sonho. Wesley faz uso também de outros dois elementos marcantes da literatura para contar a sua história. O primeiro é a referência ao igualmente clássico A Revolução dos Bichos, livro escrito pelo inglês George Orwell e publicado em agosto de 1945, que conta a revolta dos animais contra a corrupção humana. E o outro é o antropomorfismo (também utilizado por Orwell), que é a atribuição de características humanas ao seres não humanos. Só que Rodrigues faz o uso inverso: ele atribui características de animais aos humanos, em uma metáfora que reduz cada personagem à sua essência mais oura. É o caso da vaca citada anteriormente: que outro animal um indivíduo sonhador poderia ser que não um pássaro?

A arte de Wesley Rodrigues é explosiva e expressiva, e beira o cartum em alguns momentos. As páginas exibem movimento e vida, e pulsam como se tivessem vontade própria. O texto, afiado e certeiro, é quase um elemento secundário na narrativa, que é toda focada na ilustração e utiliza as palavras apenas como complemento na maior parte do tempo.

O que temos, em sua essência, é a vaca sonhadora tendo o papel de catalisadora dos sonhos de toda uma comunidade. Ela é a combustível, a faísca que faz com que os moradores de um pequeno povoado, que são explorados por um rei sanguinário e que não se importa com eles, corram atrás dos seus sonhos. Utilizando outra referência, lembramos do saudoso Raul Seixas - “Sonho que se sonha só / É só um sonho que se sonho só / Mas sonho que se sonha junto / É realidade” - e assistimos aos personagens literalmente transformarem o mundo.


A edição da Darkside Books é belíssima, em um livro de capa dura com verniz na capa e 472 páginas de belíssima impressão, onde a arte incrível de Wesley Rodrigues ganha vida e transmite toda a sua força.

Mais que uma excelente HQ, Imaginário Coletivo é uma leitura extremamente indicada para o momento em que vivemos, onde a polarização política está levando o Brasil para caminhos desconhecidos e, infelizmente, cada vez mais extremos. Seria ótimo se o realismo fantástico ficasse apenas nas páginas de Wesley e García Marquez, mas, ao que tudo indica, ele será cada vez mais necessário para encararmos a realidade nada promissora dos anos que virão.

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