Discoteca Básica Bizz #144: Hüsker Dü - Warehouse: Songs and Stories (1987)


Uma grande banda que acaba antes da decadência e ainda faz uma obra-prima no último disco. Sonho de roqueiro obsessivo? Não, existiu o Hüsker Dü. Warehouse: Songs and Stories saiu em 1987. O Dü foi para turnê, o empresário (David Savoy, um daqueles caras que colocam a tranqueira no furgão) se matou, o trio de Saint Paul (Estados Unidos) descobriu que não se topava mais e o óbito chegou. Mas em Warehouse, eles mandam bala naquilo que os Pixies souberam trabalhar depois - e que o Nirvana incorporou para se tornar a maior banda do mundo (em 1991, Bob Mould recusou o convite do então verdinho Kurt Cobain para produzir Nevermind. Sobrou para Butch Vig).

Desde 1979 o Dü capitaneava a legião “vamos-lá-na-raça" do rock independente. Os primeiros discos do trio formado por Bob Mould (guitarra, vocais), Grant Hart (bateria, vocais) e Greg Norton (baixo) não passavam de coices hardcore - em Land Speed Record (1982), seu álbum de estreia, eles executam dezessete canções em meros 26 minutos. Um dia o trio estalou que podia juntar barulho com uma sacada pop, coisa que outros nem sabiam (por preconceito, rebeldia ou falta de talento) que era possível, e acabou por entrar definitivamente na história do punk rock americano.

O Hüsker Dü foi uma das primeiras bandas pós-punk americanas dos anos 1980 a assinar com uma grande gravadora - o império Warner o capturou em 1986. Depois de soltarem o belo (e surpreendentemente otimista) Candy Apple Grey, Mould e Hart abriram o registro para jorrar Warehouse.


O som do LP, segundo álbum duplo da carreira do Hüsker Dü (o primeiro foi a obra-prima de barulheira conceitual Zen Arcade, de 1984), é de chorar. Paredes de guitarra mouldianas como reboco da cozinha firme de Norton e Hart, vocais humanos (de urros a sussurros) com harmonias bastardas dos Beatles. E coloridos de ritmo em que convivem valsa-punk ("She Floated Away"), 1-2-3-4 ramonesístico (a suprema "Could You Be the One") e rockabilly desnorteado ("Actual Condiction").

As letras seguram ainda mais. O Dü montou um mosaico da vida corriqueira: ansiedades, paixões em desenvolvimento e/ou mal resolvidas ("Could You Be the One", "Standing in the Rain", "Ice Cold Ice"), responsabilidades assumidas ("Charity, Chastity, Prudence and Hope"), desmoronamentos emocionais ("She Floated Away") e pequenas alegrias ("These Important Years").

Mould, homossexual discreto que se recusa a levantar bandeiras, tem sensibilidade para escrever feridas abertas que se aplicam a heteros, homos e pessoas que assistem a comerciais das facas Ginsu de madrugada. Basta prestar atenção no cenário descrito em "Standing in the Rain", que narra o fora levado por Mould num encontro - quem não passou por uma situação dessas? Hart não fica atrás. Com compositores desses, como a banda acabou?

Como? Não sei. Acabou. Mould formou e separou o Sugar no meio de sua carreira solo. Hart montou uma banda, Nova Mob, que entrou em parafuso e está só também. O bigodudo Greg Norton hoje é um mero chefe de cozinha depois que o Hüsker Dü passou a ter começo, meio e fim.

Texto escrito por Marcelo Orozco e publicado na Bizz #144, de julho de 1997

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