Discoteca Básica Bizz #154: AC/DC - Highway to Hell (1979)


A introdução deste texto é destinada a quem ainda não era nascido em 1979. Naquele ano, ser fã de rock era missão para gente perseverante. Afinal, o furacão punk (que nem foi tão furacão assim) já definhava, restando apenas o Clash e sua peregrinação rítmica por jazz, ska, rockabilly e  musicais da Broadway, que resultaria nos ótimos London Calling (1979) e Sandinista! (1980).

O som dominante, porém, ainda era a disco. ABBA, Boney M. e Bee Gees brigavam pelo topo das paradas. De rock mesmo só Queen, Van Halen e AC/DC. O Queen havia passado por sua fase mais criativa e o Van Halen era uma ótima banda, mas sem um ótimo álbum. Sobrou ao AC/DC a incumbência de fazer o melhor disco de rock da temporada. E Highway to Hell tem muitos predicados para merecer todas as honras.

O grupo dos irmãos Young vinha de uma série de turnês consagradoras, bem registradas no filme Let There Be Rock e no CD ao vivo If You Want Blood You’ve Got It (1978). A formação era a melhor que a banda já teve: Bon Scott nos vocais, Angus e Malcolm Young nas guitarras, Phil Rudd na bateria e Cliff Williams no baixo. Só que os álbuns anteriores tinham grandes clássicos ("Whole Lotta Rosie", "Problem Child") mas estavam longe de ser uma obra completa. Até chegar a Highway to Hell.


O quinteto trabalhou novamente com John "Mutt" Lange na produção. Apoiado na popularidade do AC/DC, Lange ousou. No lugar da massa sonora habitual do rock pesado, preferiu gravar pistas de guitarra limpas, sobrepostas com sutileza suficiente para ressaltar o lado blues da banda. O produtor burilou o agudo do vocal de Bon Scott e usou todos os membros do grupo no coro de apoio. O resultado é mais peso e menos barulho, passando muito longe do padrão tosco das bandas da época.

O grupo inovou o gênero sem abrir mão de seus preceitos básicos: as letras machistas e fanfarronas, enclausuradas no binômio mulheres/bebida; a busca de uma melodia básica ao extremo, com uma batida quase marcial; e os solos alucinantes de Angus Young, o guitarrista das calças curtas que toca como se estivesse ligado à corrente que passa no fio do instrumento.

O álbum inteiro soa como um greatest hits, embora "Walk Over You" e "Shot Down in Flames" se destaquem como as peças mais elaboradas. A pegada mais blueseira de "Beating Around the Bush" e "Love Hungry Man" ajudou a banda a ganhar um público mais adulto. E se todas essas qualidades não bastassem para garantir a Highway to Hell um lugar em qualquer boa discoteca de rock, há ainda o fato de ser o último registro de Bon Scott, morto meses depois sufocado pelo próprio vômito.

Highway to Hell é o flagrante da melhor fase de uma banda única, um guitarrista infernal e um vocalista que é uma lenda.

Texto escrito por Tales de Menezes e publicado na Bizz #154, de maio de 1998

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