Discoteca Básica Bizz #180: Lobão - Cena de Cinema (1982)



Em 1981, Lobão era apenas um baterista. Fazia parte de um grupo, Blitz, e ganhava como músico profissional tocando com uma jovem cantora (Marina) e com a banda Gang 90, que tinha recém despontado para o Brasil num festival de ... MPB! Lembrando hoje, ele compara: "O rock brasileiro era uma viagem na maionese".

Lobão compunha sem grandes pretensões, nunca havia pisado num palco como artista solo e sequer imaginava como sua voz soaria gravada. Não tinha nem mesmo uma guitarra decente - precisou comprar uma Rickenbacker de Zé da Gaita para encarar a história.

Foi assim, na aventura, que ele entrou num estúdio carioca de oito canais para gravar, em sete dias, uma demo. Ação entre amigos: o parceiro Bernardo Vilhena, semi conhecido no Rio como poeta marginal, Lulu Santos e Ritchie - velhos colegas dos tempos de Vímana, o guitarrista Ricardo Barreto, o baixista Antonio Pedra e o tecladista William Forghieri, companheiros nas gigs com Marina, mais a própria Marina. Inácio Machado, outro camarada, pagou a conta.


Entre os solos e as partes de guitarra de Lulu ("Squizotérica") estão algumas das jóias do pop nacional dos anos 1980. Lobão levou a coisa a sério: na hora de gravar os vocais de apoio da música título, expulsou o inglês Jim Capaldi (ex-baterista do Traffic, casado com uma brasileira e figura fácil no Rio na época) aos gritos de "sai daqui, xô!". Motivo: o gringo queria entrar de bicão no coro duramente ensaiado.

Infelizmente, esse clássico só pôde ser ouvido mais de um ano depois, quando entrou na programação da rádio Fluminense FM. O trabalho na Blitz estava decolando, mas a banda não queria gravar as músicas de Lobão. O baterista, que havia sugerido a entrada de cantoras, pensando numa coisa "meio Frank Zappa", andava decepcionado com "as vocalistas esganiçadas" e com os "novos rumos iê-iê-iê". Levou a fita de Cena de Cinema e uma revista Isto É com a foto da Blitz na capa para uma reunião na RCA e pronto: não precisava gravar mais nada, aquela demo iria valer como disco.

A criatividade e espontaneidade presentes compensavam a precariedade técnica. A bateria, inusitadamente deixada para o final, foi gravada nos últimos 40 minutos do horário de estúdio. Marcelo Sussekind, que tocou baixo e trabalhou como técnico nas sessões, teve de registrar no esquema "o que foi, foi". Com verve malandra Zona Sul (gatas, baganas manchadas de batom), bom humor e jovialidade, o repertório que foi sucesso no Circo Voador em históricos shows em 1983 ainda é relevante, acima de nostalgias barrigudas pelo sabor wave dos sintetizadores.

Texto escrito por Pedro Só e publicado na Bizz #180, de julho de 2000

Comentários

  1. Gosto muito desse disco,me traz frescor com doses cavalares de vigor kkk

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  2. Pena que as gravadoras nunca mais lançaram os primeiros trabalhos dele em cd, uma falha grave das gravadoras que insiste em acusar o consumidor de consumir produtos piratas, um absurdo.

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    1. Na verdade lançaram, remasterizado. Acho que era aquela série do Charles Gavin, que recuperou excelentes obras nacionais. Mas hoje é difícil de achar também (não comprei e me arrependi).

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