É comum artistas abordarem através de músicas, ou até
mesmo álbuns completos, seus vícios. Amy Winehouse passou a curta carreira
falando explicitamente sobre seu vício em drogas, enquanto o Dream Theater em Six
Degrees of Inner Turbulence (2002) fez quase todo o álbum abordando a
trajetória de Mike Portnoy nos Alcoólicos Anônimo. Já Black Alien, rapper
carioca que há muito anos deixou para trás o estigma de apenas ser um
ex-integrante do Planet Hemp, quatro anos após seu último disco – Babylon by
Gus Vol. II: No Princípio Era o Verbo (2015) - e quinze depois do já clássico Babylon By Gus Vol 1: O
Ano do Macaco (2004), expõe de forma sublime seu turbilhão de ideias com citações sinceras sobre a sua própria batalha contra o vício em cocaína.
Sob a produção de Papatinho do contestado ConeCrewDiretoria,
Black Alien inicia com a faixa “Área 51”, contendo uma batida tão descontraída
quanto a sua letra, que lembra seus grandes momentos do primeiro disco. "Vital
pra mim que nem a moto pra Vital / Paralama do meu sucesso, de fábrica,
original / É minha coragem" é somente uma das suas características sacadas
líricas que já estão presentes na primeira - e ótima – música do álbum.
Em “Carta para Amy”, ouvimos uma batida mais calma e uma
letra bem reflexiva sobre as mudanças em suas vidas, que emenda em “Vai Baby”,
canção que ganhou videoclipe. Nessa faixa, que possui potencial para compor
qualquer festa de rap daqui em diante, temos talvez a música mais leve do
trabalho, tanto pelo conteúdo da letra quanto pelo beat, que é um dos melhores
do disco inteiro, remetendo ao hip hop da costa leste norte-americana dos anos 1990.
Em seguida vem o primeiro single, "Que Nem
o Meu Cachorro", excelente escolha de divulgação, pois além da faixa
manter o nível elevado no que tange à batida, produção e abordagem lírica,
temos um dos refrãos mais marcantes do disco. No verso final - "Se
vem baseado no passado / Só há um resultado / Cê vai se foder / Porque eu sou o
agora / Eu sou o agora" - vemos uma possível resposta aos críticos e
pessoas que o viram como derrotado e elemento fora da cena, durante o auge da
sua dependência química.
“Taken Ten” apresenta uma das letras mais fortes em
relação à abordagem de seu antigo vício, porém, em contraste com uma batida e
produção mais animadas, que faz com a que a faixa se torne ao mesmo tempo
reflexiva e muito leve e agradável aos ouvidos. Cheia dos seus característicos
jogos de palavras mescladas entre inglês e português, é uma das
melhores do disco. “Au Revoir” é a love song do álbum, remetendo a "Como Eu
Te Quero" do disco de estreia, onde mais uma vez toda a versatilidade
lírica de Black Alien cria outra canção que também mantém uma sonoridade leve e que ao mesmo tempo hipnotiza pelo jogo de palavras.
Em “Aniversário de Sobriedade” temos a faixa que fala de
forma mais direta sobre o vício em cocaína, mais uma vez contrastada por uma
excelente batida (com espaço até para um surpreendente solo de saxofone), flow
e abordagem descontraída. Se na canção anterior Black Alien fala sobre o pior
momento de sua vida, em "Jamais Serão" apresenta uma letra onde cita o
que tem de melhor, contando momentos da sua história e características pessoais
e de sua musicalidade, cujo o beat continua na última composição do álbum, a
curta "Capítulo Zero", a despedida dessa jornada pessoal e de excelente
musicalidade que é Abaixo de Zero: Hello Hell.
Indispensável não só para quem gosta de rap, mas para
todos os amantes da boa música e que apreciam um conteúdo lírico relevante,
temos aqui com certeza um dos melhores discos do ano e que eleva ainda mais o
status de Black Alien como um dos grandes rappers do Brasil.
Por Lucas Velame
o grande disco nacional de 2019 até aqui. Como é bom ver a CR a todo vapor novamente!
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