Review: Black Alien – Abaixo de Zero: Hello Hell (2019)



É comum artistas abordarem através de músicas, ou até mesmo álbuns completos, seus vícios. Amy Winehouse passou a curta carreira falando explicitamente sobre seu vício em drogas, enquanto o Dream Theater em Six Degrees of Inner Turbulence (2002) fez quase todo o álbum abordando a trajetória de Mike Portnoy nos Alcoólicos Anônimo. Já Black Alien, rapper carioca que há muito anos deixou para trás o estigma de apenas ser um ex-integrante do Planet Hemp, quatro anos após seu último disco – Babylon by Gus Vol. II: No Princípio Era o Verbo (2015) - e quinze depois do já clássico Babylon By Gus Vol 1: O Ano do Macaco (2004), expõe de forma sublime seu turbilhão de ideias com citações sinceras sobre a sua própria batalha contra o vício em cocaína.

Sob a produção de Papatinho do contestado ConeCrewDiretoria, Black Alien inicia com a faixa “Área 51”, contendo uma batida tão descontraída quanto a sua letra, que lembra seus grandes momentos do primeiro disco. "Vital pra mim que nem a moto pra Vital / Paralama do meu sucesso, de fábrica, original / É minha coragem" é somente uma das suas características sacadas líricas que já estão presentes na primeira - e ótima – música do álbum.

Em “Carta para Amy”, ouvimos uma batida mais calma e uma letra bem reflexiva sobre as mudanças em suas vidas, que emenda em “Vai Baby”, canção que ganhou videoclipe. Nessa faixa, que possui potencial para compor qualquer festa de rap daqui em diante, temos talvez a música mais leve do trabalho, tanto pelo conteúdo da letra quanto pelo beat, que é um dos melhores do disco inteiro, remetendo ao hip hop da costa leste norte-americana dos anos 1990.

Em seguida vem o primeiro single, "Que Nem o Meu Cachorro", excelente escolha de divulgação, pois além da faixa manter o nível elevado no que tange à batida, produção e abordagem lírica, temos um dos refrãos mais marcantes do disco. No verso final - "Se vem baseado no passado / Só há um resultado / Cê vai se foder / Porque eu sou o agora / Eu sou o agora" - vemos uma possível resposta aos críticos e pessoas que o viram como derrotado e elemento fora da cena, durante o auge da sua dependência química.

“Taken Ten” apresenta uma das letras mais fortes em relação à abordagem de seu antigo vício, porém, em contraste com uma batida e produção mais animadas, que faz com a que a faixa se torne ao mesmo tempo reflexiva e muito leve e agradável aos ouvidos. Cheia dos seus característicos jogos de palavras mescladas entre inglês e português, é uma das melhores do disco. “Au Revoir” é a love song do álbum, remetendo a "Como Eu Te Quero" do disco de estreia, onde mais uma vez toda a versatilidade lírica de Black Alien cria outra canção que também mantém uma sonoridade leve e que ao mesmo tempo hipnotiza pelo jogo de palavras.

Em “Aniversário de Sobriedade” temos a faixa que fala de forma mais direta sobre o vício em cocaína, mais uma vez contrastada por uma excelente batida (com espaço até para um surpreendente solo de saxofone), flow e abordagem descontraída. Se na canção anterior Black Alien fala sobre o pior momento de sua vida, em "Jamais Serão" apresenta uma letra onde cita o que tem de melhor, contando momentos da sua história e características pessoais e de sua musicalidade, cujo o beat continua na última composição do álbum, a curta "Capítulo Zero", a despedida dessa jornada pessoal e de excelente musicalidade que é Abaixo de Zero: Hello Hell.

Indispensável não só para quem gosta de rap, mas para todos os amantes da boa música e que apreciam um conteúdo lírico relevante, temos aqui com certeza um dos melhores discos do ano e que eleva ainda mais o status de Black Alien como um dos grandes rappers do Brasil.

Por Lucas Velame


Comentários

  1. o grande disco nacional de 2019 até aqui. Como é bom ver a CR a todo vapor novamente!

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