Discoteca Básica Bizz #186: Tom Verlaine - Dreamtime (1981)



Quem diria que um dos patronos da punk rock nova-iorquino pudesse ser um cara extremamente culto, admirador de literatura e poesia, além de fã de mestres do jazz como John Coltrane e Miles Davis? E ainda por cima tocasse guitarra com habilidade e criatividade incomuns? Pois este é o cartão de apresentação de Thomas Miller, mais conhecido como Tom Verlaine.

O sobrenome - emprestado do poeta simbolista francês do século XIX, chegado de Rimbaud - já denunciava suas intenções musicais: queria mexer com rock mas elevá-lo a um status artístico diferenciado da mesmice que caracterizava grande parte da produção da gênero, a exemplo do que outro ilustre representante de Nova York (Velvet Underground) havia feito nos anos 1960.

Guiado por essas premissas, ele fundou o Television em 1973, com Richard Lloyd (guitarra), Richard Hell (baixo, que logo saiu para formar os Heartbreakers e os Voidoids, sendo substituído por Fred Smith) e Billy Ficca (bateria). O quarteto, ao lado do grupo de Patti Smith, foi o responsável por transformar um boteco dedicado a blues e country chamado CBGB na plataforma de lançamento do movimento, que depois abarcou Ramones, Talking Heads, Blondie e outros.

Mas, ao contrário de desenvolver carreiras perenes como a de seus contemporâneos, o Television acabou em 1978 após dois álbuns fantásticos - Marquee Moon e Adventure. Com o fim da banda, a dupla de guitarristas (e principais compositores) saiu em carreiras solo. Lloyd não foi muito produtivo na sua, apesar da inegável qualidade dos três álbuns individuais que gravou, em parte pelo envolvimento pesado com heroína.


Com Verlaine a coisa foi diferente: começou em 1979 com um álbum homônimo, ainda na cola do antigo grupo, mas que revelava achados como "Breakin' My Heart" e "The Grip of Love". A principal mudança se daria dois anos depois, quando ele lançou Dreamtime, um disco que iria redefinir os caminhos que sua trajetória solo iria tomar.

No álbum, o guitarrista afiava seus riffs, tornando-os mais densos e marcantes, com uma sonoridade mais pessoal, até pelo fato de duelar consigo mesmo em diversas faixas. As letras e os vocais ficaram mais intimistas, confessionais, quando não trespassadas por fina ironia e conotações passionais. Desde a abertura com "There's a Reason" ("Caminhando lentamente para o romance / Leões rugindo na entrada") até "Without a Word"("Tenho dado uma fortuna / Uma fortuna de mentiras / Como falava com Laura / Enquanto ele fechava os olhos"), passando pela explícita "Penetration", o clima de paixão poderia ser resumido pelo refrão de uma das melhores faixas do disco, "Always" ("Ooooooo, querida /Os mistérios vêm e vão / Mas o amor permanece o segredo mais bem guardado da cidade").

Outros experimentos eram marcantes em "Down in the Farm", "A Future in Noise" (ambas com riffs poderosos de guitarra) e "The Blue Robe", na qual a textura musical delicada, sustentada por ótimos solos, comportava apenas o verso "Hi-fi".

Embora nunca tenham tido um hit massivo, o Television e Tom Verlaine solo sempre foram idolatrados pela crítica e até por outros músicos, não sem razão. Basta ver que The Edge, do U2, cita bastante Verlaine como uma de suas principais influências, além do Sonic Youth (que tem uma canção chamada "Tom V", dedicada a ele). Sem contar os artistas que fizeram covers de suas canções, que vão de David Bowie ("Kingdom Come", no álbum Scary Monsters) a Herbert Vianna ("The Scientist Writes a Letter", em seu primeiro disco-solo).

Texto escrito por Celso Pucci e publicado na Bizz #186, de janeiro de 2001

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