Quem diria que um dos patronos da punk rock nova-iorquino
pudesse ser um cara extremamente culto, admirador de literatura e poesia, além
de fã de mestres do jazz como John Coltrane e Miles Davis? E ainda por cima
tocasse guitarra com habilidade e criatividade incomuns? Pois este é o cartão
de apresentação de Thomas Miller, mais conhecido como Tom Verlaine.
O sobrenome - emprestado do poeta simbolista francês do
século XIX, chegado de Rimbaud - já denunciava suas intenções musicais: queria
mexer com rock mas elevá-lo a um status artístico diferenciado da mesmice que
caracterizava grande parte da produção da gênero, a exemplo do que outro
ilustre representante de Nova York (Velvet Underground) havia feito nos anos 1960.
Guiado por essas premissas, ele fundou o Television em
1973, com Richard Lloyd (guitarra), Richard Hell (baixo, que logo saiu para
formar os Heartbreakers e os Voidoids, sendo substituído por Fred Smith) e
Billy Ficca (bateria). O quarteto, ao lado do grupo de Patti Smith, foi o
responsável por transformar um boteco dedicado a blues e country chamado CBGB na
plataforma de lançamento do movimento, que depois abarcou Ramones, Talking
Heads, Blondie e outros.
Mas, ao contrário de desenvolver carreiras perenes como a
de seus contemporâneos, o Television acabou em 1978 após dois álbuns
fantásticos - Marquee Moon e Adventure. Com o fim da banda, a
dupla de guitarristas (e principais compositores) saiu em carreiras solo. Lloyd
não foi muito produtivo na sua, apesar da inegável qualidade dos três álbuns
individuais que gravou, em parte pelo envolvimento pesado com heroína.
No álbum, o guitarrista afiava seus riffs, tornando-os
mais densos e marcantes, com uma sonoridade mais pessoal, até pelo fato de
duelar consigo mesmo em diversas faixas. As letras e os vocais ficaram mais
intimistas, confessionais, quando não trespassadas por fina ironia e conotações
passionais. Desde a abertura com "There's a Reason" ("Caminhando
lentamente para o romance / Leões rugindo na entrada") até "Without a
Word"("Tenho dado uma fortuna / Uma fortuna de mentiras / Como falava
com Laura / Enquanto ele fechava os olhos"), passando pela explícita
"Penetration", o clima de paixão poderia ser resumido pelo refrão de
uma das melhores faixas do disco, "Always" ("Ooooooo, querida /Os
mistérios vêm e vão / Mas o amor permanece o segredo mais bem guardado da
cidade").
Outros experimentos eram marcantes em "Down in the
Farm", "A Future in Noise" (ambas com riffs poderosos de
guitarra) e "The Blue Robe", na qual a textura musical delicada,
sustentada por ótimos solos, comportava apenas o verso "Hi-fi".
Embora nunca tenham tido um hit massivo, o Television e
Tom Verlaine solo sempre foram idolatrados pela crítica e até por outros
músicos, não sem razão. Basta ver que The Edge, do U2, cita bastante Verlaine
como uma de suas principais influências, além do Sonic Youth (que tem uma
canção chamada "Tom V", dedicada a ele). Sem contar os artistas que
fizeram covers de suas canções, que vão de David Bowie ("Kingdom
Come", no álbum Scary Monsters) a Herbert Vianna ("The Scientist
Writes a Letter", em seu primeiro disco-solo).
Texto escrito por Celso Pucci e publicado na Bizz #186,
de janeiro de 2001
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