Secret Garden marca o início da terceira fase da carreira
do Angra. Lançado no final de 2014 no Japão e no início de 2015 no Brasil e na
Europa, o oitavo álbum do quinteto marcou a estreia do vocalista italiano Fabio
Lione (Rhapsody of Fire, Vision Divine) e do baterista Bruno Valverde, substitutos de Edu Falaschi e Ricardo
Confessori, que haviam gravado o disco anterior, Aqua (2010). Secret Garden
também é a despedida de Kiko Loureiro, pois o guitarrista foi anunciado
como guitarrista do Megadeth em abril de 2015.
Marcando o início da parceria da banda com o produtor
sueco Jens Bogren (que assinou trabalhos de bandas como Opeth, Amon Amarth e
Soilwork e foi responsável pela produção do disco seguinte do grupo, Ømni, de 2018),
Secret Garden contou com Roy Z (Bruce Dickinson, Halford, Helloween) na
pré-produção. Ajudando no renascimento da banda após um dos períodos mais
turbulentos de sua trajetória, o Angra contou com diversas participações
especiais, com destaque para as presenças de Simone Simons, do
Epica, no vocal da faixa-título (composta pela pianista e tecladista finlandesa
Maria Ilmoniemi, esposa de Kiko Loureiro) e Doro Pesch, dividindo os vocais com
Rafael Bittencourt em “Crushing Room”.
Musicalmente, Secret Garden é um disco que apresenta uma
modernização no som do Angra. É claro que as características que fizeram a fama
da banda estão nele, como a variação entre faixas que vão do power ao prog
metal sem escalas pelo caminho, mas é preciso frisar que a banda soa
rejuvenescida aqui, com todo o frescor e novas ideias que a adição de novos
integrantes trouxe. Valverde é um prodígio na bateria, criativo e com vontade
de encarar desafios musicais, devidamente amparado pela parceria de
anos com o baixista Felipe Andreoli, já que ambos já tocavam juntos no trio de Kiko
Loureiro. Sua contribuição é gigantesca, tanto nas composições como na elevação
da qualidade rítmica do álbum, repleto de batidas intrincadas, andamentos fora
do comum e um requinte técnico que não se ouvia há anos em um trabalho do
Angra.
Em relação à chegada de Fabio Lione, alguns apontamentos
são necessários. Vou pegar como exemplo a minha experiência como fã para tentar
colocar em palavras o que senti. A presença de Lione, a princípio, causa um
estranhamento, pois ainda que seja inegável que o italiano se pareça como uma
força da natureza e seja um vocalista de qualidade mundial, seu timbre e seu
modo de cantar “pleno” (como ele próprio se auto define) contrastam de maneira
forte com o que Andre Matos e o Edu Falaschi fizeram antes. Esse estranhamento
é aplacado com o tempo e as audições consecutivas do disco, exercício esse que
também deixa evidente o quanto a banda foi sábia em moldar a sua sonoridade à
chegada de Lione, soando mais adequada para a sua voz através de um peso evidente, timbres atuais e uma abordagem distinta da que vinha sendo
executada nos discos anteriores.
O álbum conta com dez faixas, com a dupla Rafael
Bittencourt e Kiko Loureiro dividindo o direcionamento criativo. Uma de suas
mais fortes canções está logo na abertura, com a energizante “Newborn Me” e sua
pegada contemporânea e agressiva. O choque para quem ouviu o álbum esperando
encontrar o Angra dos anos anteriores é grande, com a banda deixando para trás
e engolindo sem dó os anos finais da era Falaschi. “Black Hearted Soul” mantém
o clima lá em cima com sua abertura feita com coros épicos e um speed metal que
conversa tanto com Angels Cry (1993) quanto com o ótimo Temple of
Shadows (2004). Uma das melhores músicas do disco e uma espécie de afago no
coração dos fãs, com a banda afirmando que não nega o novo caminho que está seguindo, porém ainda sabe como olhar para o passado e jamais irá renegá-lo.
As guitarras dessa faixa são um dos destaques do disco, tanto nos solos como nas harmonias.
“Final Light”, cujo trecho inicial é utilizado com frequência
nos vídeos do canal do grupo no YouTube, desacelera o clima com um andamento
mais cadenciado e uma ótima participação de Lione, além de um dos refrãos mais
cativantes do disco. O clima prog emerge sem timidez em “Storm of Emotions”,
uma composição densa e com um clima sombrio que casou muito bem com o arranjo
ascendente, onde Fabio Lione mais uma vez encaixa belas linhas vocais.
“Storm of Emotions” é a primeira das músicas a contar com o vocal de Rafael, que faz bem o seu papel. A linda e climática “Secret Garden”
traz a bela voz de Simone Simons em uma canção com um arranjo que conduz o Angra
para o universo do metal sinfônico, e o resultado é muito bom. “Upper Levels”
é a única canção de Secret Garden a apresentar elementos de música brasileira,
sempre marcantes na identidade do Angra. O instrumental dessa faixa é
irrepreensível, com a banda evidenciando a técnica acima de qualquer suspeita
de seus integrantes, começando no vocalista e indo até o baterista. Uma das
mais fortes canções do disco.
Bittencourt retorna ao microfone em “Crushing Room”,
agora dividindo a voz com Doro Pesch em uma faixa que alterna momentos mais
calmos com outros onde o peso e a explosão típicas do heavy metal assumem a
frente. O clássico metal melódico da banda dá as caras em “Perfect Symmetry”,
enquanto “Silent Call” encerra o álbum de uma forma bastante bonita com uma composição que traz influências do icônico The Wall do Pink Floyd e harmonias vocais muito bonitas, além de uma performance irretocável de Rafael
Bittecourt no vocal principal. Sinceramente, uma das mais belas canções da
carreira do Angra.
O saldo final de Secret Garden é o renascimento de uma
banda mantida através de um núcleo fortíssimo – Kiko, Rafael e Felipe – e que
encontrou novos alicerces em Lione e Valverde. Um novo começo que assentou o
caminho e arrumou a casa para seu sucessor, Ømni, construindo uma dupla de álbuns que
recolocou o Angra entre os principais nomes do power e prog metal em todo o
mundo.
O destaque final vai para a bela edição em digipack
lançada no Brasil, onde a arte desenvolvida por
Rodrigo Bastos Didier ganha ainda mais destaque.
Um disco muito consistente, onde os mistérios e sussurros do jardim
secreto do Angra foram deixados de lado e a banda investiu nas sementes do seu
futuro. Uma decisão mais do que acertada, e que segue rendendo frutos até hoje.
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