Beto Bruno liderou a Cachorro Grande por vinte anos. A
parceria com o guitarrista Marcelo Gross transformou a banda gaúcha em um dos
últimos ícones do rock brasileiro, com discos que marcaram época. Nessas duas décadas ouvimos as
explosões de fúria e espontaneidade da auto intitulada estréia (2001) e As
Próximas Horas Serão Muito Boas (2004), a nítida evolução e o refinamento melódico
apresentado em Pista Livre (2005), a maturidade de Todos os Tempos
(2007), a solidez de Cinema (2009) e Baixo Augusta (2011), a criatividade e o
experimentalismo de Costa do Marfim (2015) e o confuso flerte com a eletrônica
em Electromod (2016).
Uma história repleta de excessos, refletidos na mudança
física percebida claramente em todos os integrantes, e que também deixou faixas
que se transformaram em clássicos como “Lunático”, “Sexperienced”, “Debaixo do
Chapéu”, “Hey, Amigo!”, “Você Não Sabe o Que Perdeu”, “Bem Brasileiro” (minha
música favorita em toda a história da banda), “Sinceramente”, “Roda-Gigante”, “Na
Sua Solidão” e muitas outras. Ou seja,
valeu a pena.
Assim como sua cara metade – Marcelo Gross saiu da banda
em 2018 devido a problemas pessoais e já lançou dois discos, Use o Assento
para Flutuar (2013) e o ótimo duplo Chumbo & Pluma (2017) -, Beto Bruno agora experimenta a vida pós-Cachorro Grande com Depois do Fim, seu primeiro álbum solo, e vai surpreender os
fãs.
Beto montou uma nova banda com parceiros das antigas e
novos brothers. Gustavo X, substituto de Gross na Cachorro, e Pedro Pelotas,
tecladista e pianista da banda, fazem parte do novo combo. Henrique Cabreira e
Rodrigo Tavares vêm nas guitarras, Sebastião Reis (filho de Nando Reis, ex-Titãs)
assume os violões e mandolin e Eduardo Schuler senta na bateria. Cabreira e
Schuler vem direto da Doris Encrenqueira, uma das revelações do rock gaúcho.
O resultado é um disco que trilha por
sonoridades bastante distintas. Depois do Fim apresenta dez faixas e transita
pelas diferentes influências que Beto explorou ao longo de sua carreira, algumas de maneira mais clara e outras de forma mais sutil. Há os
rocks ferozes e com pegada clássica de “Por Isso Meu Samba é Diferente”, “Não é
Todo Mundo Que Tá de Boa Contigo” (cuja letra parece soltar umas alfinetadas em Gross) e “Digby, O Maior Cão do Mundo”, mas também o lado mais
psicodélico e lisérgico de Bruno. “Porque Eu Te Amo Muito e Há Tanto Tempo” une
The Byrds a Júpiter Maçã, e a música que batiza o disco é a mais pop do
trabalho, com um certo tempero do Skank de Cosmotron (2003). “Porco Garrafa”
revisita o universo de Electromod, porém com resultados muito superiores,
enquanto “A Mais Linda do Verão” é uma balada agreste e bucólica.
No meio disso
tudo, a chapada “Marlon Brando, Beatles e Pelé” mostra a banda brincando com
sonoridades vindas diretamente da San Francisco do final dos anos 1960 e início
dos 1970, em uma canção que só não é instrumental porque o vocalista fala o
título da faixa em seu final. A abertura e o encerramento com as vinhetas
siamesas e psicodélicas “A Ruptura da Linearidade do Tempo” e “... Ou Provavelmente
Estarei Dormindo” intensificam o sentimento de mudança, afastando o
disco de tudo que a Cachorro Grande fez antes.
Depois do Fim mostra, ao mesmo tempo, aspectos familiares
da personalidade musical de Beto Bruno e outros nem tanto. E essa pluralidade funciona muito bem, pois revela que o vocalista, já com duas décadas de
estrada nas costas, ainda tem cartas na manga para entregar boas canções e
surpresas agradáveis pelo caminho.
O resultado é um belo disco e um ótimo recomeço para
uma das vozes mais marcantes do rock brasieiro.
Depois do Fim será lançado em CD, LP e nos formatos
digitais pelo 180 Selo Fonográfico nesta sexta, 23 de agosto.
Comentários
Postar um comentário
Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.