A História do Heavy Metal – Capítulo VI: O Power Metal


A mágica e o poder

O power metal é uma das formas mais populares de heavy metal na Europa e na Ásia. As bandas populares são provenientes de lugares como Alemanha, Inglaterra, Japão, Polônia, Finlândia, Itália e Brasil. O power metal combina o tecnicismo e a guitarra do metal neoclássico, o ritmo do speed metal e as guitarras duplas harmonizadas e o vocal melódico e agudo da NWOBHM para criar uma das formas mais rápidas e tecnicamente perfeitas de heavy metal. 


Riffs são tocados no ritmo do speed / thrash metal, mas as mudanças de acordes são mais lentas e mais harmônicas do que as do thrash. Os solos de guitarra tendem a ser longos, rápidos e técnicos, e evocam comparações a guitarristas como Yngwie Malmsteen e Uli Jon Roth. Tal como acontece com a maioria das formas de heavy metal rápido, são utilizados pedais duplos na bateria. Os baixos normalmente são usados para produzir as notas raiz e não são tão prevalentes quanto os outros instrumentos. Os teclados também são um elemento básico do power metal e geralmente são tocados com o mesmo alto nível de musicalidade que as guitarras. Os temas líricos normalmente lidam com fantasia, ficção científica, mitologia e emoções pessoais. Embora não seja considerado como uma forma progressiva de metal, o uso de elementos neoclássicos e guitarra técnica tem ganhado o respeito pela comunidade de metal progressivo. A Europa ainda detém um festival anual do tamanho do lendário Woodstock dedicado a ambos os subgêneros, chamado Power Prog Metal Festival, além da proeminência do gênero no Wacken Festival.


O power metal foi criado em meados da década de 1980. As origens do gênero podem ser rastreadas até alguns lugares diferentes. O maior precursor foi o metal neoclássico criado por pioneiros da guitarra shred, como Yngwie Malmsteen. O trabalho de guitarra é super rápido, mas mostra a perfeição técnica da música neoclássica. A velocidade de bandas de metal como Motörhead, Judas Priest e Venom também influenciaram essa música. As bandas de power metal queriam tocar a guitarra neoclássica enquanto adicionavam o ritmo ainda mais rápido e a agressão da velocidade do metal. Os estilos vocais foram influenciados por artistas como Dio, Iron Maiden e Queensrÿche, cujos cantores se apresentaram com vocais de tenor limpos. No que diz respeito aos temas líricos mitológicos e de fantasia, Dio foi, de longe, a maior influência. Letras semelhantes a “Holy Diver” e outros hits do Dio e do Rainbow podem ser ouvidos em toda a categoria do power metal.


Claro, as influências do power metal bebem de diversas outras fontes, ainda mais antigas. Na verdade, os  elementos fundamentais do gênero datam da música produzida desde a Idade Média e a Renascença, dos mitos e cantos gerados desde a queda de Roma. Os contos de Camelot, por exemplo, tem impacto direto na forma de ser do power. Os elementos dessa influência foram, talvez, trazidos ao rock pela primeira vez pelo lendário tecladista do Yes, Rick Wakeman, e foram recebidos com extrema felicidade por aqueles que os incorporariam ao power metal.

As letras do gênero também incorporaram aos elementos fantasiosos as bases históricas de mitos tradicionais, batalhas épicas da história ou não, assim como a produção literária de grandes nomes como Shakespeare ou J.R.R. Tolkien.



Nasce o poder


A mistura de um estilo rápido e agressivo como o thrash com as melodias neoclássicas e as influências eruditas citadas resultou num estilo com uma pegada mais otimista e menos introspectiva, carregado de mensagens positivas em seu espírito e imagética. Além de Dio e seu Rainbow, o terreno começou a ser preparado por outros nomes importantes como o Scorpions, que galgou uma trilha de renome e sucesso em diversos campos, sempre tendo pitadas dessas influências em seu som. Assim como os alemães, o Manowar teria papel essencial na fundamentação da ideia e visual do power metal. Os guerreiros, ora bárbaros, ora honrados, levantaram a bandeira que seria abraçado pelo gênero no futuro. Talvez o elo perdido entre o heavy metal do Manowar e o power metal resida no Virgin Steele, que abraçou a temática e os aspectos visuais do Manowar e os afogou nos elementos clássicos citados.


Essa tendência viria a culminar no lançamento, na Alemanha – onde o thrash e elementos do metal mais pesados estavam em efervescência – de Walls of Jericho (1985), dos até desconhecidos do Helloween. As guitarras gêmeas, a sincronia, os elementos “para cima” e os vocais agudos do disco causaram um relativo reboliço na cena do metal. As composições de Kai Hansen eram algo de novo até então, mas suas limitações vocais eram visíveis, de forma que foi a segunda trinca de discos da banda que causou a revolução que ficaria marcada para sempre. Keeper of the Seven Keys trazia todos os elementos apresentados em Walls of Jericho, mas mais cristalinos e com a adição de um elemento que mudaria o metal para sempre: Michael Kiske.


O Helloween era uma mistura das influências do Iron Maiden e Judas Priest, com a velocidade do thrash e as melodias clássicas, e tudo isso foi coroado com a voz do jovem Kiske: limpa, nítida e perfeita. Kiske era um cantor assombroso, capaz de atingir as notas mais altas até então ouvidas no metal, com uma beleza inconsequente e magistral. Sua forma de cantar seria emulada no power metal para sempre.


Essa mistura estava, simultaneamente, acontecendo em pelo menos dois lugares diferentes: Brasil e Finlândia. Enquanto o Helloween ia, pouco a pouco, revolucionando a cena, em terras tupiniquins mais uma trupe de garotos começava a experimentar as misturas de música clássica e heavy metal. Liderado pela garganta de um moleque chamado Andre Matos, o Viper lançaria, em 1989 seu segundo disco, Theatre of Fate, até hoje um dos mais importantes discos do metal brasileiro. Em menor escala, o álbum tinha tudo que o power metal era e seria, uma pitada de cada coisa, mas seu impacto foi bem restrito ao Brasil naquele momento. 


No extremo norte do mundo, na Finlândia, um grupo chamado Black Water tinha acabado de passar por uma profunda transição, reduzindo os elementos advindos do Black Sabbath e investindo na mistura ente o clássico e o metal, como se um violino Stradivarius se fundisse a uma Fender Stratocaster. Assim nascia o Stratovarius, sob a batuta de Timo Tolkki. Grave esses nomes.


De volta à Alemanha, bandas que faziam um speed metal extremamente influenciado pelo thrash – e pelo Accept – começam a se aproximar do power lançado pelo Helloween, como o Rage e o Grave Digger. 


Os anos de 1993 e 1994 são muito importantes para analisar o movimento. Enquanto Michael Kiske deixava o Helloween e o mundo do metal por tempo indeterminado, o Stratovarius trocava seu vocalista, trazendo para o microfone principal um jovem finlandês chamado Timo Kotipelto. Kotipelto exploraria ainda mais o canto melódico de Kiske, adicionando influências do hard rock e elevando o Stratovarius ao posto de gigantes do gênero. 



No Brasil, o Viper já havia se desmontado e Andre Matos era agora o líder de uma banda chamada Angra. Angels Cry (1993), seu primeiro disco, teve um retumbante impacto na cena, levando o power metal a terrenos pouco explorados como a França e, especialmente, o Japão, onde as portas foram abertas e a demanda pelo power metal explodiu. O Angra se tornou um nome sólido do gênero e Matos um dos grandes destaques dessa cena, assim como seu guitarrista, Kiko Loureiro. Ao introduzir peças completas de músicas clássicas, o Angra demonstrou o ápice dessa mistura.


Desfigurado sem Hansen, o Helloween seguiu seu caminho e, após alguns lançamentos confusos, encontrou sua nova voz no hard rock. Andi Deris recolocaria a banda nos eixos e a conduziria adiante. Hansen, por sua vez, fundou o Gamma Ray ao lado do vocalista Ralf Scheepers, mas tomaria os vocais quando Ralf saiu para buscar uma vaga no Judas Priest.


Ainda na Alemanha surgiria outra grande potência do gênero, o Blind Guardian. Com suas letras fantasiosas, o Guardian conquistou uma imensidão de jovens e reforçou, com seu power pesado, um dos elementos mais fortes do gênero: os refrãos cantados em coro. O sing-along do Blind Guardian – altamente influenciado pelos escritos e Tolkien – seria emulado para sempre pelo power metal.



O segundo ciclo


Apesar da reformulação de algumas bandas e os bons discos lançados pelo Stratovarius durante os anos 1990 (Episode, Visions, Destiny) o power metal começou a se desgastar, especialmente no tocante a suas apresentações ao vivo. O ar de novidade foi trazido de volta com o que eu gosto de chamar de primeira revolução do power metal, levado à cabo em especial pelos suecos do Hammerfall. Em 1997 a banda lançou Glory to the Brave, que abriu espaço para uma série de bons lançamentos, cotas de malha, motocicletas e um revival completo de elementos clássicos do “guerreiro do metal”, que se encaixaram perfeitamente com a música de arena que estava sendo feita, suas melodias e refrãos.


Mas, mais do que o aparato teatral trazido de volta, o power metal ganhou um sopro de revitalização, no mesmo ano, em sua musicalidade. Sempre se aproximando dos elementos sinfônicos, o power se encontrou com essa influência de vez com o lançamento de Legendary Tales. Era o disco de estreia de um pretensiosa banda italiana que revolucionaria o estilo de vez: o Rhapsody.


A banda fundiria metal e orquestrações de formas que haviam sido apenas ensaiadas pelos seus antecessores e criaria uma nova sub ramificação, que viria a ser conhecida como symphonic power metal, ou mesmo apenas metal sinfônico. O Rhapsody ainda revelaria ao mundo Fabio Lione, que se tornaria a face do power metal em alguns anos, e reforçaria a guitarra neoclássica e cinemática de Luca Turilli e o estilo de bateria de Alex Holzwarth (que havia gravado o primeiro disco do Angra).


O Angra a propósito, gravaria seu magnum opus em termos de criatividade, Holy Land, no qual se afastava um pouco do power padrão europeu e abraçaria suas raízes como banda brasileira, tendência que seria seguida por uma imensidão de herdeiros do seu som no país. O fim dos anos 1990 viu, no entanto, a banda se desmembrar e ser partida ao meio por problemas empresariais.


Isso rendeu ao mundo a criação do Shaman, que passou a dividir a cena com uma série de boas bandas que estavam em início de carreira, a segunda leva do power metal, que contava com a liderança do Rhapsody e Hammerfall, mas contava com nomes que se provariam gigantes no futuro, como o Edguy, Kamelot, Primal Fear e Sonata Arctica. Além da explosão na Europa e Brasil, pelo menos dois nomes fizeram o gênero existir e crescer nos Estados Unidos: o Kamelot e, em especial, o Iced Earth.



Os anos 2000, do auge à queda


Com essa grande quantidade de bandas, o começo dos anos 2000 foi o palco da segunda era de ouro do power metal. A semente plantada na sinfonia pelo Rhapsody permitiu o surgimento de uma banda que iria ainda inovar mais o power sinfônico, adicionando uma vocalista de canto lírico ao seu fronte: o Nightwish. Sob a batuta de Tuomas Holopainen e com a voz marcante de Tarja Turunen, o Nightwish fazia parte da explosão do power metal finlandês, pegou a fase de estagnação criativa do Stratovarius e, ao lado do Sonata Arctica, liderou uma imensidão de talentosas bandas da terra do gelo, como o Altaria e o Kiuas.


Com o lançamento de Once, em 2004, o Nightwish foi além e se tornou um fenômeno da música mundial. Levados pelo hit “Nemo”, milhares de adolescentes pintaram seus cabelos de preto e se tornaram a legião de fãs da banda pelo mundo. O power metal chegou à MTV e às rádios e as bandas com vocal lírico e feminino, no geral, se tornaram muito comuns no gênero. Explosão semelhante só aconteceria anos mais tarde, quando o Dragonforce levaria seu power supersônico aos videogames.


Ainda durante essa “era de ouro”, o citado Shaman lançou uma das obras primas do metal brasileiro, Ritual (2002), enquanto um reformulado Angra apresentava ao mundo Rebirth (2001). As bandas passaram a dividir a cena nacional com toda a prole que foi nutrida durante a década anterior. Foi um período muito rico para o power metal no Brasil, com o surgimento de bandas como Eyes of Shiva, Holy Sagga, Tribuzy, Burning in Hell, Wizards, Krusader e Hibria.



Mas foi novamente da Alemanha que veio a grande força motriz do período. Da mente de um ainda jovem líder de uma promissora banda, o Edguy, chamado Tobias Sammet, veio a ideia de utilizar uma das tradições do rock, as óperas rock, e criar um disco conceitual cheio de convidados da cena, como personagens de sua história. The Metal Opera partes I e II trouxe ao mundo o Avantasia, um dos maiores projetos da história do gênero, que trazia aos ouvidos dos fãs, depois de mais de uma década, a voz de Michael Kiske – começando seu progressivo processo de retorno ao estilo que o havia dado o status de lenda.


O gênero, no entanto, sofreu um processo natural de envelhecimento e crise de identidade. Após o fim dessa explosão criativa, o power metal saturou. As bandas começaram a emular seus próprios sons. Muitas delas passaram por turbulências em suas formações. Os fundadores do Stratovarius se fragmentaram por problemas psicológicos do seu líder, Timo Tolkki. O Helloween jamais voltou à sua boa forma, e outras bandas passaram a mesclar seus sons em busca de uma saída, ora mais ao hard rock, ora mais ao metal progressivo. O Rhapsody se dividiu em dois. O power metal virou uma bagunça sem tamanho e seu horizonte tornou-se sombrio.



A decadência e o renascimento


Enquanto o cenário não era animador para o estilo, a nova década trouxe uma interessante cara de renovação e o power empunhou sua espada frente a um novo tempo. Alguns nomes estiveram muito bem durante a fase negra do estilo. É o caso dos estadunidenses do Kamelot, que se diferenciaram dos clichês do gênero especialmente graças a voz de Roy Khan, seu carismático vocalista. Khan, entretanto, deixaria a banda abruptamente, sendo substituído temporariamente por Fabio Lione do Rhapsody – que já tinha retomado seu posto no microfone dos italianos do Vision Divine – e depois de maneira definitiva por Tommy Karevik, que manteve a banda em boa forma.


Mas, se o power sobreviveu e hoje tem novo gás, é por causa de bandas novas que vem carregando a bandeira do estilo. Grupos como o Ancient Bards, Almah, Twilight Force e Orden Ogan são rostos a se gravar no power contemporâneo. No entanto, apenas uma banda voltou a ser respeitada como o power de antes no cenário mundial: os suecos do Sabaton. Com sua filosofia lírica militar, o Sabaton assumiu a frente do power metal, trouxe o gênero de volta aos holofotes do metal e voltou a revolucionar as performances ao vivo.


Seu estilo mais pesado, grave e cadenciado também foi incorporado por bandas como o Powerwolf, outro dos talentos da nova geração do power. Entre os quais eu devo ainda incorporar o Keldian, com uma pegada mais eletrônica em seu som, no entanto. 


Quanto aos pais fundadores do gênero, eles ainda estão na ativa. O Helloween construiu uma carreira sólida com Deris no vocal, e, com o retorno de Kiske ao metal, planejou uma longa turnê de reunião com os dois vocalistas e Kai Hansen. O Stratovarius, após confusas disputas, acabou ficando nas mãos de Timo Kotipelto, que vem fazendo um excelente trabalho em manter a banda no seu lugar de respeito. O Angra foi, talvez, o caso mais atabalhoado, e após várias mudanças de line-up acabou achando a saída no novo rei do power metal mundial, Fabio Lione.


Algumas bandas, como o Sonata Arctica e o Edguy, acabaram se perdendo pelo caminho, tornando seu estilo muito difuso e difícil de compreender mas, assim como o Blind Guardian, se mantiveram na ativa.


O power metal continua vivo e produtivo. O mais mágico dos gêneros do metal ainda produz legiões de fãs e instrui moleques pelo mundo inteiro. O estilo envelheceu, titubeou e acabou amadurecendo, mas ainda segue como um dos mais relevantes e influentes para o metal como um todo. Ao invés de violência e disputa de poder, o power metal segue sendo um gênero de celebração e alegria. 


Fontes:

Burroughs, William S. Nova Express. New York: Grove Press, 1964. ISBN 0802133304


Dunn, Sam. Metal: A Headbanger’s Journey (Warner Home Video 2006).


Walser, Robert. (1993). Running with the Devil: Power, Gender, and Madness in Heavy Metal Music. Wesleyan University Press. ISBN 0819562602


Weinstein, Deena. (1991). Heavy Metal: A Cultural Sociology. Lexington. ISBN 0669218375


Weinstein, Deena. Heavy Metal: The Music and its Culture. (New York: DaCapo, 2000). ISBN 0306809702


Por Fábio Nobre, do Blog Audiorama




Ouça abaixo uma playlist especial sobre esse capítulo da série:

Comentários

  1. um dos meus generos favoritos, considero grandes marcos, em ordem cronologica
    Rainbow > Malmsteen > Helloween > Manowar > Angra > Hammerfall > Nightwish

    claro que destas bandas surgiram muitas outras, o tecladista do Malmsteen formou o Stratovarius, o Kai Hansen depois que saiu do Helloween contribuiu com várias bandas, o André Matos fez escola de estilo vocal, o Hammerfall revitalizou o estilo na europa e o nightwish trouxe a Ópera para o gênero

    desde 2000 nao vejo grandes novidades no gênero, que acabou se misturando com o Prog Metal, talvez o Sabatton seja o melhor exemplo de banda pós 2000 mantendo o gênero vivo

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  2. Muito bom texto. Parabéns. Power Metal, meu gênero preferido de música, foi o primeiro que conheci no Metal, com o Helloween, Stratovarius e Angra, que é a minha banda preferida. Já ouvi o estilo muito mais do
    que ouço hoje, mas, ainda assim, amo o gênero. O Avantasia, para mim, foi a melhor banda que apareceu na década de 2000.

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  3. Meu gênero de metal favorito, considero DragonForce a melhor banda de Power metal da história.

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