Ao contrário de outros gêneros musicais como o blues e o
jazz, onde o ato de envelhecer parece enobrecer o artista, no rock a passagem
do tempo não é muito bem vista por uma parcela do público e, principalmente,
por grande parte da crítica. Ainda se associa o transcorrer dos
anos com a decadência de um artista, o que é uma tremenda bobagem. Nomes como
Paul McCartney, Neil Young, Rolling Stones, Bruce Springsteen e outros, todos
acima dos 70 anos, não se cansam de dar provas do contrário não só com
performances antológicas nos palcos – Paul e Bruce, o primeiro com 77 anos e o segundo
com 70, costumam hipnotizar plateias com shows que superam as três horas de
duração – mas também com novos trabalhos ainda surpreendentes como bem fazem o próprio Springsteen, Young e os Stones.
No metal, a questão é ainda mais complicada. Uma música
extremamente técnica e agressiva, que exige um nível de performance intenso e
bastante físico, perde força à medida que os músicos vão envelhecendo, certo?
Não foi o que se viu no palco do Rock in Rio na última sexta, 04/10. Além de
shows sensacionais do Slayer, Anthrax, Nervosa e Helloween, o público do maior
festival do planeta presenciou uma apresentação espetacular do Iron Maiden.
Trazendo para o Brasil todo o aparato cênico da turnê
Legacy of the Beast, a tour mais teatral da sua carreira, o Maiden fez aquele que já pode ser considerado o
seu melhor show no Brasil, superando as antológicas passagens pela primeira
edição do Rock in Rio, em 1985, e o retorno em 2001 com Bruce Dickinson e
Adrian Smith, que gerou um álbum duplo ao vivo e um DVD – a banda tocou também
na edição de 2013 do festival.
Voltando para o
primeiro parágrafo, o Iron Maiden conta neste 2019 com seis músicos sexagenários:
Nicko McBrain (67 anos), Steve Harris (63), Dave Murray (62), Adrian Smith (62),
Janick Gers (62) e Bruce Dickinson (61). E todos eles estão tocando de maneira
sublime. Bruce cantou em tons altíssimos – a abertura com a dobradinha “Aces
High” e “Where Eagles Dare” é para pouquíssimos vocalistas -, Dave estava
inspiradíssimo, Adrian com a classe de sempre, Janick com as suas piruetas mas
focando quando era preciso (o solo de “The Clansman” demonstrou isso), Steve cavalgando
em seu baixo e Nicko com seus andamentos de pura técnica.
O Iron Maiden vive na Legacy of the Beast um dos períodos
mais especiais de suas mais de quatro décadas de vida, e a atmosfera do show
comprovou isso. Passando por toda a carreira do grupo, o setlist já levou gente
às lágrimas já na introdução com “Doctor Doctor”, clássico do UFO que toca no PA
antes dos shows do sexteto. Pinçando peças de quase todos os seus discos, o
Maiden voou alto como sempre e tornou ainda mais forte a relação já
incrivelmente profunda que possui com o público brasileiro. Não há no metal
atual uma banda com tempo semelhante de estrada e que esteja tocando em nível
tão alto quanto a Donzela, e isso foi comprovado em rede nacional (e mundial,
já que o show foi transmitido para todo o planeta) e pelas mais de 100 mil
pessoas que assistiram o grupo cara a cara no Rock in Rio.
Repleto de mudanças de cenário, com direito a um avião em
tamanho real na abertura com “Aces High” e um Ícaro gigante na clássica “Flight
of Icarus”, além de inúmeras trocas de figurino de Bruce Dickinson e uma
interpretação teatral do vocalista, o Iron Maiden fez questão de mostrar no
palco do Rio de Janeiro – e também em São Paulo e Porto Alegre, cidades pelas
quais a Legacy of the Beast também passou – o porquê de ser uma lenda do
tamanho que é.
Entre os destaques, a abertura insana com “Aces High” e “Where
Eagles Dare” – nessa última, o trecho em que Dave e Adrian solam em conjunto é
de emocionar até uma pedra -; a explosão coletiva em “The Clansman”, que não só ganha
outra dimensão na voz de Bruce Dickinson como se revela uma das melhores
músicas da banda na sua interação com o público; o resgate da belíssima “Revelations”;
“Flight of Icarus” com direito a lança-chamas nas mãos de Bruce; a participação
sempre intensa do público em “Fear of the Dark”; a obrigatória “The Number of
the Beast” e sua introdução sendo declamada pelo público em uma espécie de
oração macabra; a gigantesca cabeça de Eddie no palco durante a música que dá nome ao grupo e o bis com a trinca “The Evil That Men Do”, “Hallowed Be Thy
Name” (a melhor música da banda, na minha opinão) e “Run to the Hills”.
Ligada de maneira íntima ao Rock in Rio, a banda inglesa
entregou uma das melhores performances de sua vida – na minha opinião, a melhor
entre as mais de quarenta apresentações pelo Brasil – e deu de presente para os
fãs brasileiros uma noite que ficará marcada para sempre na memória.
Heavy metal é isso. Uma música intensa e pesada, mas
também extremamente rica, complexa e contagiante, a milhas de distância do pop
descartável que domina as paradas (e também marcou presença nos palcos do Rock
in Rio) e das bandas exageradamente aclamadas que certos veículos e jornalistas
adoram endeusar, mas que não têm a mínima capacidade de encarar de frente
uma lenda do tamanho do Iron Maiden.
Como comentário final, chamou a atenção um Dave Murray
claramente acima do peso e a idade marcando fortemente o rosto de
Steve Harris. Do lado oposto, Nicko e Janick seguem com o mesmo visual de
sempre, Adrian mantém a atitude rock da banda e Bruce, em ótima forma, parece
rejuvenescer a cada música.
O Iron Maiden já era uma lenda entre o público brasileiro
antes desse show, com milhares de fãs em todo o país. Depois do Rock
in Rio 2019, os ingleses assumem um status e um tamanho que nenhuma outra banda
jamais alcançou em nosso país.
Viva o Iron Maiden. Ouça o Iron Maiden. Hoje, sempre e
cada vez mais.
Setlist do show no Rock in Rio:
1 Aces High
2 Where Eagles Dare
3 2 Minutes to Midnight
4 The Clansman
5 The Trooper
6 Revelations
7 For the Greater Good of God
8 The Wicker Man
9 Sign of the Cross
10 Flight of Icarus
11 Fear of the Dark
12 The Number of the Beast
13 Iron Maiden
Encore:
14 The Evil That Men Do
15 Hallowed Be Thy Name
16 Run to the Hills
Q belo texto. Iron é isso, Iron é paixão. Eu estava no Rock in Rio 2013 e a interpretação da banda em Seventh Son of a Seventh Son foi pura magia.
ResponderExcluirA voz do Bruce não estava legal....compreensível...mas tirando isso...grande show !
ResponderExcluirEu tive essa impressão também, principalmente na dobradinha inicial, gravada por Bruce lá na longínqua casa dos vinte. Seu auge vocal, pra mim, está no Live in Donnington, principalmente em Hallowed...no entanto, que show! Emocionante mesmo, até pra mim que já estou longe do metal há alguns anos, explorando o blues e suas encruzilhadas. Acho que uma vez camisa preta, sempre camisa preta. Up the irons!
ExcluirQuero discordar dessa opinião! O IRON MAIDEN é uma empresa e é uma pena que esta visão empresarial tenha burocratizado a banda. Os músicos desempenham suas funções com imensa competência técnica, mas tanta competência e profissionalismo acabam deixando o "produto" sem vida e asséptico. Talvez seja pedir demais à uma banda de sexagenários como o MAIDEN o mínimo que seja de irresponsabilidade e imprevisibilidade, mas essa fase dos caras já passou e agora eles são, apesar de extremamente competentes, apenas burocratas da música...
ResponderExcluirFala Cadão, bom dia. Cara, hoje, terça-feira (8), começo a me recuperar do mais belo espetáculo que já presenciei na minha vida de Maiden Maníaco. No domingo (6) estive na Pista Premium do Morumbi e, meu amigo, imagina tudo isso que você descreveu aí ao vivo, na sua frente. Pelo amor, cara...esse foi o meu sétimo show do Maiden (vou nos shows do Brasil desde 2004, na tour do Dance of Death). Sou muito fã, como você também é. Já vi vários shows, mas realmente essa turnê Legacy of the Beast está num superior, ainda mais alto do que poderia se imaginar. Assino embaixo e corroboro tudo o que você pontuou no seu texto. Grande abraço! PS: também encontrei na Pista Premium o Benja da Fox, corintiano (como eu) e super fã do Maiden, que já foi em 14 shows da banda. Tava lá curtindo o bom e velho Metal com seu filho mais velho.
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