Quando
Howard Philips Lovecraft escrevia seus inúmeros contos para a revista Weird
Tales, ele jamais imaginaria a dimensão que sua obra tomaria, afinal foi apenas
após sua morte que Lovecraft alcançou o status que desejava ter em vida. Além
da literatura, suas histórias de horror cósmico influenciaram o cinema,
quadrinhos, jogos e a música. Provavelmente o primeiro contato de muitos com o
autor foi através de músicas como “Behind the Wall of Sleep”, do Black Sabbath,
e “The Call of Ktulu”, do Metallica, que carrega o nome de sua cria mais
famosa.
Sem ignorar
a figura problemática que era, um notório racista e xenófobo, suas ricas
histórias ganharam vida e esse legado é tão extenso que acabou por influenciar
a criação de um subgênero bem específico, o cosmic death metal. É claro que
muitas bandas do clássico death metal já incorporavam em muitas de suas músicas
inspirações do estilo lovecraftiano - ficção científica e vidas alienígenas, o
horror cósmico e o atmosférico, o desconhecido e o inimaginável –, porém aqui
essa estética é mais que uma inspiração, é sua síntese. Mithras, Timeghoul, The
Faceless e Nebulous são ótimos exemplos para os interessados. E é nesse cenário
que Blood Incatation está inserido.
Após três
demos, um EP e um split, foi no seu primeiro disco, Starspawn (2016), que a
banda de fato consolidou sua assinatura, marcada por um death metal que entende
a música da mesma forma que Lovecraft entendia o espaço - um universo imenso e
cheio de possibilidades -, e é por isso que podemos identificar em suas músicas
elementos dos mais variados. E já nesse segundo trabalho o quarteto de Denver
apresenta uma maturidade e capacidade musical que poucas bandas desse éon
conseguem demonstrar, elevando o que foi feito anteriormente para um outro
nível. Isso porque além das influências notáveis do death, especialmente Morbid
Angel, Nile e Death, pitadas de rock progressivo e psicodelia setentista no
maior estilo Pink Floyd também ganham mais espaço, não somente pela técnica,
mas também pela sonoridade. Um dos feitos mais interessantes da gravação do
disco é seu estilo “retro-futurista”, pois ao mesmo tempo ouvimos uma música
atmosférica bem analógica que soa, no entanto, como vinda de outro
espaço-tempo.
O álbum
abre com “Slaves Species of the Gods”, música brutal que mostra como uma banda
de death metal pode ser pesada e virtuosa. Ancorada na profundidade dos vocais
e na maestria das harmonias das guitarras, a música nos pega de surpresa e
mostra logo de cara quais horrores teremos que encarar. “Sow the seeds of suffering
to break the chains of consciousness” (“Semeie as sementes do sofrimento para
quebrar as correntes da consciência”), trecho da letra que expõe em parte tanto
o tema do disco como o objetivo dessa música.
O baixo é
um instrumento muitas vezes subutilizado pelos grupos, servindo mais de apoio
para a bateria e para encorpar a música, o que, definitivamente, não se aplica
aqui, como podemos perceber logo em um minuto e quarenta e oito segundos da
faixa “The Giza Power Plant”, música antiga do grupo e que foi retrabalhada
para esse lançamento, encaixando-se muito bem, tempo marcado por um trabalho
incrível do baixista Jeff Barrett. Em seguida uma sonoridade oriental toma
conta, juntamente com notas de guitarra que lembram gritos agoniantes, até que
lentamente o tempo fica mais lento, tornando a música praticamente um doom metal,
depois finalizando de maneira rápida, cadenciada e feroz.
Conforme
mencionei anteriormente, a banda entrega nesse álbum um nível mais elevado de
experimentalismo entre estilos que em seu trabalho anterior, e a instrumental
“Inner Paths (To Outer Space)” é, talvez, o auge dessa criatividade. Por
questões de praticidade usamos como exemplos outras bandas para melhor
descrever uma música e aqui percebemos que o Blood Incatation também possui
influências de Cynic e possivelmente até de grupos blackgaze como o Deafheaven.
Traduzindo, são inegáveis as passagens mais progressivas, técnicas e até
jazzísticas, preenchidas com uma atmosfera psicodélica que é complementada visualmente
em seu clipe, o qual recomendo bastante. Uma incrível viagem, intencionalmente
transcendental, que diz muito sem usar, com exceção de um urro,uma única
palavra.
Nessa altura
é importante ressaltar que Hidden History of the Human Race é um álbum de
aproximadamente 36 minutos, contendo apenas quatro faixas. O “lado A” do disco
consiste nas três músicas já citadas, e o “lado B” por uma única faixa de 18
minutos e que possui um título igualmente longo: “Awakening from the Dream of Existence to the
Multidimensional Nature of Our Reality (Mirror of the Soul)”. Essa separação
foi proposital, pensada dessa forma para referenciar uma tradição de muitos
grupos de rock progressivo, que dedicavam a segunda metade dos discos para uma
única e longa faixa. Como pode-se imaginar, essa é a música mais progressiva do
disco, com diversos dos elementos clássicos do estilo: melodias complexas,
sintetizadores, virtuosismo, síncope, etc, isso sem deixar de soar pesado,
agressivo e até assustador. Death metal em essência. Essa é sem dúvidas a melhor
faixa, alternando momentos extremos e calmos, progressivos e planos, uma
exibição do talento de todos os integrantes.
A humanidade é poeira estelar, ínfima parte de um
universo imenso e expansivo. Nossa realidade é ilusória e nossas crenças são
barreiras para essa compreensão. Somente a aceitação de nossa condição nos fará
entender como nos desprender das amarras que nos mantém subjugados ao mundano.
E o caminho está dentro de nós. Este é o conceito, a mensagem que Hidden
History of the Human Race apresenta. Concordando ou não, é inegável que temos
aqui um incrível trabalho de metal extremo e um dos melhores discos desse e de
muitos outros anos, não apenas pela qualidade apresentada, mas sobretudo pela
capacidade de aliar conceito e música de forma tão fluída e orgânica. Um disco
que será muito discutido e apreciado. Talvez até por Cthulhu.
Por Leonardo Pacheco Zancanaro da Costa
O único senão aí fica por conta da produção! Muito tosca, talvez até intencional, pra emular uma vibe mais O.S, mas sendo mais cristalina, acredito que os talentos individuais dos músicos saltaria mais!
ResponderExcluirEu gosto da atmosfera que a produção cria
ExcluirTa loco,a produção é perfeita,produção limpinha é uma porre,mata muito disco.
ExcluirProdução limpa é pra power metal