Review: Blood Incantation – Hidden History of the Human Race (2019)



Quando Howard Philips Lovecraft escrevia seus inúmeros contos para a revista Weird Tales, ele jamais imaginaria a dimensão que sua obra tomaria, afinal foi apenas após sua morte que Lovecraft alcançou o status que desejava ter em vida. Além da literatura, suas histórias de horror cósmico influenciaram o cinema, quadrinhos, jogos e a música. Provavelmente o primeiro contato de muitos com o autor foi através de músicas como “Behind the Wall of Sleep”, do Black Sabbath, e “The Call of Ktulu”, do Metallica, que carrega o nome de sua cria mais famosa.

Sem ignorar a figura problemática que era, um notório racista e xenófobo, suas ricas histórias ganharam vida e esse legado é tão extenso que acabou por influenciar a criação de um subgênero bem específico, o cosmic death metal. É claro que muitas bandas do clássico death metal já incorporavam em muitas de suas músicas inspirações do estilo lovecraftiano - ficção científica e vidas alienígenas, o horror cósmico e o atmosférico, o desconhecido e o inimaginável –, porém aqui essa estética é mais que uma inspiração, é sua síntese. Mithras, Timeghoul, The Faceless e Nebulous são ótimos exemplos para os interessados. E é nesse cenário que Blood Incatation está inserido.

Após três demos, um EP e um split, foi no seu primeiro disco, Starspawn (2016), que a banda de fato consolidou sua assinatura, marcada por um death metal que entende a música da mesma forma que Lovecraft entendia o espaço - um universo imenso e cheio de possibilidades -, e é por isso que podemos identificar em suas músicas elementos dos mais variados. E já nesse segundo trabalho o quarteto de Denver apresenta uma maturidade e capacidade musical que poucas bandas desse éon conseguem demonstrar, elevando o que foi feito anteriormente para um outro nível. Isso porque além das influências notáveis do death, especialmente Morbid Angel, Nile e Death, pitadas de rock progressivo e psicodelia setentista no maior estilo Pink Floyd também ganham mais espaço, não somente pela técnica, mas também pela sonoridade. Um dos feitos mais interessantes da gravação do disco é seu estilo “retro-futurista”, pois ao mesmo tempo ouvimos uma música atmosférica bem analógica que soa, no entanto, como vinda de outro espaço-tempo.

O álbum abre com “Slaves Species of the Gods”, música brutal que mostra como uma banda de death metal pode ser pesada e virtuosa. Ancorada na profundidade dos vocais e na maestria das harmonias das guitarras, a música nos pega de surpresa e mostra logo de cara quais horrores teremos que encarar. “Sow the seeds of suffering to break the chains of consciousness” (“Semeie as sementes do sofrimento para quebrar as correntes da consciência”), trecho da letra que expõe em parte tanto o tema do disco como o objetivo dessa música.

O baixo é um instrumento muitas vezes subutilizado pelos grupos, servindo mais de apoio para a bateria e para encorpar a música, o que, definitivamente, não se aplica aqui, como podemos perceber logo em um minuto e quarenta e oito segundos da faixa “The Giza Power Plant”, música antiga do grupo e que foi retrabalhada para esse lançamento, encaixando-se muito bem, tempo marcado por um trabalho incrível do baixista Jeff Barrett. Em seguida uma sonoridade oriental toma conta, juntamente com notas de guitarra que lembram gritos agoniantes, até que lentamente o tempo fica mais lento, tornando a música praticamente um doom metal, depois finalizando de maneira rápida, cadenciada e feroz.

Conforme mencionei anteriormente, a banda entrega nesse álbum um nível mais elevado de experimentalismo entre estilos que em seu trabalho anterior, e a instrumental “Inner Paths (To Outer Space)” é, talvez, o auge dessa criatividade. Por questões de praticidade usamos como exemplos outras bandas para melhor descrever uma música e aqui percebemos que o Blood Incatation também possui influências de Cynic e possivelmente até de grupos blackgaze como o Deafheaven. Traduzindo, são inegáveis as passagens mais progressivas, técnicas e até jazzísticas, preenchidas com uma atmosfera psicodélica que é complementada visualmente em seu clipe, o qual recomendo bastante. Uma incrível viagem, intencionalmente transcendental, que diz muito sem usar, com exceção de um urro,uma única palavra.

Nessa altura é importante ressaltar que Hidden History of the Human Race é um álbum de aproximadamente 36 minutos, contendo apenas quatro faixas. O “lado A” do disco consiste nas três músicas já citadas, e o “lado B” por uma única faixa de 18 minutos e que possui um título igualmente longo: “Awakening from the Dream of Existence to the Multidimensional Nature of Our Reality (Mirror of the Soul)”. Essa separação foi proposital, pensada dessa forma para referenciar uma tradição de muitos grupos de rock progressivo, que dedicavam a segunda metade dos discos para uma única e longa faixa. Como pode-se imaginar, essa é a música mais progressiva do disco, com diversos dos elementos clássicos do estilo: melodias complexas, sintetizadores, virtuosismo, síncope, etc, isso sem deixar de soar pesado, agressivo e até assustador. Death metal em essência. Essa é sem dúvidas a melhor faixa, alternando momentos extremos e calmos, progressivos e planos, uma exibição do talento de todos os integrantes.

A humanidade é poeira estelar, ínfima parte de um universo imenso e expansivo. Nossa realidade é ilusória e nossas crenças são barreiras para essa compreensão. Somente a aceitação de nossa condição nos fará entender como nos desprender das amarras que nos mantém subjugados ao mundano. E o caminho está dentro de nós. Este é o conceito, a mensagem que Hidden History of the Human Race apresenta. Concordando ou não, é inegável que temos aqui um incrível trabalho de metal extremo e um dos melhores discos desse e de muitos outros anos, não apenas pela qualidade apresentada, mas sobretudo pela capacidade de aliar conceito e música de forma tão fluída e orgânica. Um disco que será muito discutido e apreciado. Talvez até por Cthulhu.

Por Leonardo Pacheco Zancanaro da Costa

Comentários

  1. O único senão aí fica por conta da produção! Muito tosca, talvez até intencional, pra emular uma vibe mais O.S, mas sendo mais cristalina, acredito que os talentos individuais dos músicos saltaria mais!

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    1. Eu gosto da atmosfera que a produção cria

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    2. Ta loco,a produção é perfeita,produção limpinha é uma porre,mata muito disco.
      Produção limpa é pra power metal

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