Review: Nightwish – Decades: Live in Buenos Aires (2019)



Decades: Live in Buenos Aires é o sexto álbum ao vivo do Nightwish e está sendo lançado no Brasil pela Voice Music com distribuição da Shinigami Records em duas versões: CD duplo digipack ou duplo acrílico, com 21 faixas gravadas na capital argentina em 2018. Este é o terceiro registro ao vivo com a vocalista Floor Jansen à frente da banda, completando o trio formado por Showtime, Storytime (2013) e Vehicle of Spirit (2016). Você pode pensar: três live albums em seis anos, por que comprar esse novo?

Bem, posso dar alguns motivos. Enquanto o disco de 2013 teve o seu tracklist focado no excelente Imaginaerum (2011) e foi o primeiro álbum da banda a contar com Floor nos vocais, o registro de 2016 eternizou a tour de Endless Forms Most Beautiful com um tracklist que privilegiou as canções do disco de 2015. Além disso, o novo trabalho conta com uma seleção de faixas que traz diversas canções mais obscuras do Nightwish e algumas que não eram tocadas há anos, além de mostrar claramente que Floor Jansen está muito, mas muito mesmo, mais à vontade na banda do que nos dois álbuns anteriores – que são ótimos, diga-se de passagem.

O fato é que o Nightwish possui atualmente uma formação que é a melhor de sua história. A adição do multi-instrumentista Troy  Donockley possibilitou a eliminação da maioria das backtracks utilizadas em Showtime, Storytime e Vehicle of Spirit, tornando o som da banda finlandesa mais orgânico e vivo. Isso é reconhecido pelo próprio grupo, tanto que Decades: Live in Buenos Aires abre com Troy sozinho no palco introduzindo o show com a linda melodia instrumental de “Swanheart” e tem outro momento de brilho intenso ao assumir os vocais de “The Carpenter”. Tuomas Holopainen, um dos melhores compositores do metal contemporâneo, mostra a força do seu talento através da profundidade e qualidade do repertório de sua banda, como fica claro no setlist. Emppu Vuorinen ganha destaque com a sua guitarra ficando mais evidente, ao contrário dos anos recentes, onde ela pareceu soterrada pela parede de teclados e demais instrumentos. Isso dá um aspecto mais pesado e agressivo ao som do Nightwish. E o baixista Marco Hietala intensifica essa característica tanto pela forma de tocar o seu instrumento quanto, principalmente, pelas suas intervenções vocais. Dono de um timbre personalíssimo e intérprete de mão cheia, Hietala é um dos alicerces da sonoridade da banda. Na bateria temos Kai Hahto, músico finlandês com passagens por bandas como Wintersun e Swallon the Sun, substituto de Jukka Nevalainen desde 2014 – Jukka se afastou da banda para tratar um sério problema de insônia -, um músico técnico e com uma mão pesada nos tambores.

E existe o fator Floor Jansen. A vocalista holandesa é, na minha opinião, a voz perfeita para o Nightwish. Ela não emula o reino operístico e clássico da excepcional Tarja Turunen e nem tenta soar pop e doce como Anette Olzon. Floor imprime a sua própria característica à banda, com versatilidade para entregar momentos mais pop em faixas como “Élan”, agressividade para tornar músicas como “Slaying the Dreamer” ainda mais pesadas e próximas do metal, e talento e técnica para cantar composições que exigem variações incríveis e momentos operísticos como “The Greatest Show of Earth” e “Ghost Love Score”. Floor, muito mais solta na banda depois de seis anos, coloca a sua personalidade própria em canções favoritas dos fãs como “End of All Hope”, “Come Cover Me” e “Gethsemane”, além de cantar trechos outrora criados por Tarja de outra forma, o que demonstra a confiança que ganhou com o passar dos anos ao lado do grupo.

O legal de Decades: Live in Buenos Aires é que ele é o registro da turnê Decades, que comemorou os vinte anos de carreira do Nightwish. A banda celebrou a data com uma retrospectiva de sua trajetória, trazendo canções de todos os seus oito álbuns e incluindo faixas que há muito tempo estavam fora do tracklist como “10th Man Down”, “Gethsemane”, “Sacrament of Wilderness”, “Deep Silent Complete”, “Dead Boy’s Poem”, “The Kinslayer” e “Devil & The Deep Dark Ocean”, entre outras, dando nova vida à músicas que estavam distantes da realidade recente do grupo mas que possuem qualidade para serem executadas em todos os shows. E tudo isso com um apuro técnico e uma exatidão na performance que impressionam, além dos vocais muito acima da média tanto de Floor Jansen quanto de Marco Hietala. Isso sem falar na participação sempre estrondosa do público argentino, apaixonado e que faz toda a diferença.

Em um tracklist sólido e eficiente – aliás, Tuomas tem um talento quase sobrenatural para compor melodias e refrãos fortes e cativantes, o que torna o show uma sucessão de grandes momentos -, o destaque vai para a dupla que encerra o disco, as impressionantes “The Greatest Show on Earth” e “Ghost Love Score”. Essas duas são, na minha opinião, as duas melhores músicas da carreira do Nightwish. Enquanto a primeira narra a evolução, presença e transformação que a humanidade impôs ao planeta em um épico de mais de 15 minutos de duração (uma  releitura ao vivo mais curta que a versão original de estúdio, que conta com 24 minutos e teve as narrações do biólogo Richard Dawkins suprimidas) e cheio de mudanças de dinâmica, climas e ritmos que levam a um final absolutamente emocionante, “Ghost Love Score” é a canção chave de Floor no Nightwish. Lançada originalmente em Once (2004), ganhou uma nova dimensão depois da chegada da vocalista à banda. A forma como ela canta essa canção é algo surreal, um veículo para toda a sua técnica e feeling, culminando também em um final de cair o queixo.

O Nightwish é daquelas bandas únicas dentro do metal. Maior nome do metal sinfônico, construiu um universo musical único e original, que ganhou novos contornos com a efetivação do atual line-up. É algo incrível de se ouvir e sem igual de se assistir, com doses maciças de emoção que vêm das melodias muito bem construídas e dos arranjos milimetricamente elaborados. Decades: Live in Buenos Aires dá novo fôlego às faixas mais antigas e mostra o quanto elas seguem funcionando de maneira perfeita, ao mesmo tempo em que mostra a banda fazendo as músicas mais recentes pulsarem e soarem de forma diferente, como se estivessem vivas e em infinito desenvolvimento.

Um álbum ao vivo espetacular de uma banda espetacular.

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