Review: Sepultura – Quadra (2020)



Três anos após Machine Messiah, o Sepultura está de volta com Quadra, seu décimo-quinto disco. O álbum foi lançado dia 7 de fevereiro e a produção é mais uma vez de Jens Bogren (Opeth, Arch Enemy, Angra), repetindo a parceria do disco de 2017. O trabalho é conceitual e baseado em numerologia, e sua inspiração veio do livro Quadrivium, obra publicada em 2010 que fala sobre as quatro artes liberais: cosmologia, geometria, matemática e música. Quadra, o título, representa um espaço delimitado com um conjunto de regras onde as coisas acontecem, e o conceito explorado pela banda questiona o conhecimento das pessoas e por quais razões elas acreditam nisso ou naquilo.

O álbum vem com doze músicas, e elas são “separadas” em quatro grupos de três, como se fossem quatro lados de um disco de vinil duplo. Essa separação é percebida facilmente através das mudanças de características das composições. As três primeiras são mais thrash, as próximas três trazem elementos percussivos e o groove da época de Roots (1996), o trio seguinte é mais progressivo e a parte final vem com faixas mais cadenciadas e melodiosas.

Aqui me dou o direito de fazer um mea culpa. Quando escrevi sobre Machine Messiah, afirmei que o disco, apesar de trazer bons momentos, teria papel insignificante na carreira da banda. Um erro, como o tempo me mostrou de maneira clara. Com o passar dos anos, Machine Messiah cresceu aos meus ouvidos e hoje tenho o álbum como o marco inicial de uma nova fase na carreira do Sepultura, período esse que é desenvolvido com ainda mais eficiência em Quadra. Tenho muitas críticas à sonoridade que o Sepultura seguiu em alguns momentos de sua discografia, principalmente os discos lançados durante os anos 2000, onde a banda se aproximou do hardcore e de sonoridades mais extremas e experimentais que não caíram bem aos meus ouvidos. O ápice disso está, na minha opinião, em The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart (2013), um álbum que muitos celebram mas que eu não consigo ouvir, e essa sensação passa muito pela mixagem e pela forma como os vocais soam em The Mediator. O que acabou parecendo uma espécie de retrocesso para mim, já que no disco anterior, Kairos (2011), a banda havia iniciado um processo de reaproximação com o thrash e que foi abruptamente interrompido no álbum de 2013.

Quadra afasta o Sepultura das influências hardcore, experimentais e até mesmo industriais exploradas à exaustão pela banda durante a década de 2000 e vem com uma abordagem mais voltada para o metal. Extremo, criativo, inovador, fora da caixa, como sempre foi o metal feito pelo Sepultura. A produção excelente, a execução primorosa e as ótimas músicas resultem em um disco excepcional. Além disso, Quadra traz Derrick Green em seu momento de maior brilho nos 22 anos em que está na banda, com uma ótima performance vocal que vai dos tradicionais guturais até momentos de voz limpa e grave que impressionam, como em “Agony of Defeat”. A presença de orquestrações e coros encorpam e enriquecem a música da banda e não soam gratuitos, mas sim com propósito, e jogam a favor de canções como “Capital Enslavement”. E faixas como “Raging Void”, onde a banda não esconde a influência de um gigante contemporâneo como o Mastodon, mostram o quanto a música do quarteto segue andando para frente.

A variação e a criatividade alcançam seus pontos mais altos no terceiro ato de Quadra, formado por “Guardians of Earth”, “The Pentagram” e “Autem”. A primeira inicia de maneira belíssima com um dedilhado de Andreas Kisser que evoluiu para um coro, devidamente seguido pelo peso monolítico característica da banda. O solo de guitarra dessa canção é um dos momentos mais inspirados de toda a trajetória de Kisser, um músico aclamado em todo o planeta e que não é reconhecido como deveria aqui no Brasil. Já na instrumental “The Pentagram” fica evidente o altíssimo nível atual da banda e o quanto a chegada de Eloy Casagrande puxou o quarteto para cima. Inventivo, agressivo e extremamente técnico, o baterista é a grande estrela de Quadra ao lado de Andreas, e essa sensação só se solidifica à medida em que as músicas vão chegando aos ouvidos. E “Autem” passeia pelo death metal e melodias orientais que reativam a tradição de elementos étnicos no universo sonoro do grupo.

A parte final tem início com a arrepiante música que batiza o trabalho, na verdade um interlúdio instrumental de Andreas ao violão, que introduz a densa e introspectiva “Agony of Defeat”, que segue em seus quase seis minutos caminhos que o Sepultura ainda não havia explorado em mais de três décadas de história. E o encerramento com “Fear; Pain; Chaos; Suffering” revela-se um dos ápices de Quadra. Com participação de Emmily Barreto, vocalista do Far From Alaska, é provavelmente a música mais acessível do disco, tanto pelas ótimas melodias quanto pelo contraste entre as vozes de Emmily e Derrick, que alcança o seu ápice no grudento refrão.

Quadra é o primeiro álbum do Sepultura em mais de duas décadas a estar em pé de igualdade com clássicos atemporais como Beneath the Remains (1989), Arise (1991), Chaos A.D. (1993) e Roots (1996). E por mais que uma enorme parcela de “fãs” não admita isso, trata-se de um dos melhores discos da carreira do quarteto. Para esse povo, vale a aplicação do conceito explorado no álbum: questione o conhecimento e as razões pelas quais você segue acreditando nisso ou naquilo. A recompensa vale a pena.


Comentários

  1. Ao contrário do que os ditos "fãs" da banda dizem, o Sepultura só progride a cada disco. "Quadra" é maravilhoso, impecável e imprevisível; Eloy Casagrande provando que é, sim, um dos melhores bateras do país, tocando de modo absolutamente criativo e preciso. Falar de Andreas Kisser é chover no molhado; composições inspiradíssimas harmônica e melodicamente.

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  2. O Sepultura caminha a passos largos para, assim como foi nos clássicos da era Cavalera, se encontrar em pé de igualdade com as gigantes bandas bandas de seu tempo com esses últimos 2 discos. Se mostram novamente criativos, visionários e corajosos. Aguardo os próximos trabalhos com um sorriso no rosto.

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  3. Já escutei esse álbum umas 10 vezes, pelo menos, e a cada audição mais me convenço de que esse disco está seguramente entre os 5 melhores da banda (com folgas).

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