Três anos após Machine Messiah, o Sepultura está de volta
com Quadra, seu décimo-quinto disco. O álbum foi lançado dia 7 de fevereiro e a
produção é mais uma vez de Jens Bogren (Opeth, Arch Enemy, Angra), repetindo a
parceria do disco de 2017. O trabalho é conceitual e baseado em numerologia, e
sua inspiração veio do livro Quadrivium, obra publicada em 2010 que fala sobre
as quatro artes liberais: cosmologia, geometria, matemática e música. Quadra, o
título, representa um espaço delimitado com um conjunto de regras onde as
coisas acontecem, e o conceito explorado pela banda questiona o conhecimento das pessoas e por quais razões elas acreditam
nisso ou naquilo.
O álbum vem com doze músicas, e elas são “separadas” em
quatro grupos de três, como se fossem quatro lados de um disco de vinil duplo.
Essa separação é percebida facilmente através das mudanças de características
das composições. As três primeiras são mais thrash, as próximas três trazem elementos
percussivos e o groove da época de Roots (1996), o trio seguinte é mais
progressivo e a parte final vem com faixas mais cadenciadas e melodiosas.
Aqui me dou o direito de fazer um mea culpa. Quando
escrevi sobre Machine Messiah, afirmei que o disco, apesar de trazer bons
momentos, teria papel insignificante na carreira da banda. Um erro, como o tempo me mostrou de maneira clara. Com o passar dos anos, Machine Messiah cresceu aos meus ouvidos e
hoje tenho o álbum como o marco inicial de uma nova fase na carreira do
Sepultura, período esse que é desenvolvido com ainda mais eficiência em Quadra.
Tenho muitas críticas à sonoridade que o Sepultura seguiu em alguns momentos de
sua discografia, principalmente os discos lançados durante os anos 2000, onde a
banda se aproximou do hardcore e de sonoridades mais extremas e experimentais
que não caíram bem aos meus ouvidos. O ápice disso está, na minha opinião, em
The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart (2013), um álbum que
muitos celebram mas que eu não consigo ouvir, e essa sensação passa muito pela
mixagem e pela forma como os vocais soam em The Mediator. O que acabou parecendo uma
espécie de retrocesso para mim, já que no disco anterior, Kairos (2011), a
banda havia iniciado um processo de reaproximação com o thrash e que foi
abruptamente interrompido no álbum de 2013.
Quadra afasta o Sepultura das influências hardcore,
experimentais e até mesmo industriais exploradas à exaustão pela banda durante
a década de 2000 e vem com uma abordagem mais voltada para o metal. Extremo,
criativo, inovador, fora da caixa, como sempre foi o metal feito pelo
Sepultura. A produção excelente, a execução primorosa e as ótimas músicas
resultem em um disco excepcional. Além disso, Quadra traz Derrick Green em seu
momento de maior brilho nos 22 anos em que está na banda, com uma ótima
performance vocal que vai dos tradicionais guturais até momentos de voz limpa e
grave que impressionam, como em “Agony of Defeat”. A presença de
orquestrações e coros encorpam e enriquecem a música da banda e não soam
gratuitos, mas sim com propósito, e jogam a favor de canções como “Capital
Enslavement”. E faixas como “Raging Void”,
onde a banda não esconde a influência de um gigante contemporâneo como o
Mastodon, mostram o quanto a música do quarteto segue andando para frente.
A variação e a criatividade alcançam seus pontos mais
altos no terceiro ato de Quadra, formado por “Guardians of Earth”, “The
Pentagram” e “Autem”. A primeira inicia de maneira belíssima com um dedilhado
de Andreas Kisser que evoluiu para um coro, devidamente seguido pelo peso
monolítico característica da banda. O solo de guitarra dessa canção é um dos
momentos mais inspirados de toda a trajetória de Kisser, um músico aclamado em
todo o planeta e que não é reconhecido como deveria aqui no Brasil. Já na
instrumental “The Pentagram” fica evidente o altíssimo nível atual da banda e o quanto a chegada de Eloy Casagrande puxou o quarteto para cima.
Inventivo, agressivo e extremamente técnico, o baterista é a grande estrela de
Quadra ao lado de Andreas, e essa sensação só se solidifica à medida em que as músicas vão chegando
aos ouvidos. E “Autem” passeia pelo death metal e melodias orientais que
reativam a tradição de elementos étnicos no universo sonoro do grupo.
A parte final tem início com a arrepiante música que
batiza o trabalho, na verdade um interlúdio instrumental de Andreas ao
violão, que introduz a densa e introspectiva “Agony of Defeat”, que segue em
seus quase seis minutos caminhos que o Sepultura ainda não havia explorado em
mais de três décadas de história. E o encerramento com “Fear; Pain; Chaos;
Suffering” revela-se um dos ápices de Quadra. Com participação de Emmily Barreto,
vocalista do Far From Alaska, é provavelmente a música mais acessível do disco,
tanto pelas ótimas melodias quanto pelo contraste entre as vozes de Emmily e
Derrick, que alcança o seu ápice no grudento refrão.
Quadra é o primeiro álbum do Sepultura em mais de duas
décadas a estar em pé de igualdade com clássicos atemporais como Beneath the
Remains (1989), Arise (1991), Chaos A.D. (1993) e Roots (1996). E por mais que
uma enorme parcela de “fãs” não admita isso, trata-se de um dos melhores
discos da carreira do quarteto. Para esse povo, vale a aplicação do conceito
explorado no álbum: questione o conhecimento e as razões pelas quais você segue
acreditando nisso ou naquilo. A recompensa vale a pena.
Ao contrário do que os ditos "fãs" da banda dizem, o Sepultura só progride a cada disco. "Quadra" é maravilhoso, impecável e imprevisível; Eloy Casagrande provando que é, sim, um dos melhores bateras do país, tocando de modo absolutamente criativo e preciso. Falar de Andreas Kisser é chover no molhado; composições inspiradíssimas harmônica e melodicamente.
ResponderExcluirO Sepultura caminha a passos largos para, assim como foi nos clássicos da era Cavalera, se encontrar em pé de igualdade com as gigantes bandas bandas de seu tempo com esses últimos 2 discos. Se mostram novamente criativos, visionários e corajosos. Aguardo os próximos trabalhos com um sorriso no rosto.
ResponderExcluirJá escutei esse álbum umas 10 vezes, pelo menos, e a cada audição mais me convenço de que esse disco está seguramente entre os 5 melhores da banda (com folgas).
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