
Imagine a
seguinte cena. Um dia, ao acordar, Chris Frantz ouve, vindo do quarto de seu
filho mais novo, um som que ele achou muito familiar, prestou atenção o máximo
que pode, pegou seu celular e ligou para David Byrne: “Hey Dave, você lançou
alguma coisa nossa antiga?”. “Não. Por que?”. “É que ouvi um negócio aqui,
mas... pera aí...”. E vai até o quarto do filho saber o que é que ele estava
ouvindo e recebe como resposta: “É a nova do Pearl Jam.” Chris sorri, pede
desculpas a Byrne e fica feliz com a homenagem...
É essa um pouco a
sensação que se tem quando se ouve o primeiro single, “Dance of the Clairvoyants”,
de Gigaton, décimo-primeiro disco de estúdio da banda de Seattle. Mas nada
demais... O Pearl Jam sempre foi mais interessante, mais consistente e mais
pop, no sentido de popular e fácil, que seus pares mais importantes na cena
grunge. A banda de Eddie Vedder e companhia não tinha as origens punk do
Nirvana e nem o namoro platônico com o metal que o Soundgarden exibia. O Pearl
Jam, se tivesse de ser comparado a algo ou a alguém, seria com o rock mais
clássico dos anos 1970 com uma ligeira influência do The Who.
Tudo processado e
modernizado exatamente como o a banda homenageada no single fazia: pegava o
punk, a new wave, a vanguarda e tornava tudo em algo mais palatável, mais pop e
não menos excitante. E não entenda mal, isso não é ruim e nem tem como ser.
E é nessa pegada
de processar e atualizar que a banda volta. Coesa e competente como sempre, fez
um disco alinhado com as preocupações do novo milênio (ou que deveriam realmente
ser preocupações). Da capa com uma geleira derretendo, passando pelas letras
que expõem e alertam sobre os riscos da não ação nas questões ambientais e
climáticas e criticam a inércia e a má vontade de quem deveria fazer algo,
todos os 57 minutos giram no entorno. Até a economia no virtuosismo
instrumental serve para deixar a mensagem mais seca e direta, e talvez por isso
mesmo, mais impactante. É o rock do século XXI.
O álbum começa
com o pé no acelerador: “Who Ever Said”, “Superblood Wolfmoon” e a talkheadiana
“Dance of the Clairvoyants” elevam a temperatura – sim, eu sei, essa é uma frase
ruim para o contexto do disco. Ainda é possível sentir um feeling meio Led
Zeppelin na quarta faixa, “Quick Escape”, que lembra vagamente o clima de “When
the Levee Breakes” e cita nominalmente o atual presidente dos EUA.
As inevitáveis
baladas, que embora não sejam músicas de amor, são bonitas e sinceras como se
espera. “Alright” é a mais delicada enquanto “Seven O´Clock” soa mais encorpada
e radiofônica. O rock mais potente da banda aparece em “Never Destination” (que
tem um solo de guitarra muito bom) e “Take the Long Way”, aliás, são as únicas
que se aproximam do espirito dos primeiros discos da banda, mais precisamente
de Vitalogy (1994), e creia, isso é ótimo. “Buckle Up” é um pop açucarado,
baseado em um riff de baixo e sustentado por uma batida simples e eficaz,
enquanto “Comes Then Goes” é acústica e levada toda nos violões de Mike
McCready e Stone Gossard. Ainda há espaço para a bonita “Retrograde”, canção
com mais cara de hit de todo o disco.
Mas cabe a “River
Cross”, que apareceu durante um comercial veiculado durante o mais recente
SuperBowl, o encerramento oficial. Lenta e arrastada, gira em torno do som de
um órgão que torna a letra, que discute perda e continuidade, uma reflexão
quase sombria, mostrando que os assuntos abordados são sérios e urgentes.
Dá para prever um
monte de gente torcendo o nariz para o disco e dizendo que “esperavam mais” de
Eddie Vedder, mas, sinceramente, quem liga? Para quem queria mais um Ten, Vs,
Vitalogy ou mesmo outro Yield, sugiro que ouça estes discos ou procure outra
banda, porque faz tempo que o Pearl Jam vem mostrando que é para a frente que
se anda. E Gigaton vai além: mostra que para continuar andando para a frente é
necessário e urgente pensar em como consertar atitudes ruins de um passado não
tão distante, que podem não permitir que tenhamos um futuro.
No meio do texto o crítico solta um "quem liga" e é essa a definição perfeita para qualquer novo lançamento do Pearl Jam e de qualquer outro dinossauro...Os dinossauros podem lançar diversos novos discos, mas ninguém liga, e isso independe da qualidade dos discos. Infelizmente estas bandas se tornaram algo "nostálgico" e não dizem nada para a contemporaneidade...
ResponderExcluirsugiro que ouça o disco... vai ver que o pj tem muito a dizer para a contemporaneidade.
ExcluirE o quem liga, era pra quem ainda vive esperando um outro ten...
E digo mais, os dinossauros, a meu ver, são os que continuam a dizer algo musicalmente relevante no rock de hoje. As bandas contemporâneas estão completamente descartáveis.
ExcluirJá ouvi o disco e o achei bom, mas estou falando como crítico aqui e não estou levando em conta meu gosto pessoal. Daqui há 6 meses ninguém mais se lembrará deste disco, como ninguém se lembra dos últimos 3 ou 4 do Pearl Jam, e é impossível a banda de Seattle "dialogar" com a juventude com um disco como esse. Repito que isso não tem relação nenhuma com a qualidade do disco, que é bom, mas o Pearl Jam, assim como qualquer outro dinossauro do rock, atualmente é um produto para "tiozinhos" como eu e você e isso me faz sentir velho e melancólico...
ResponderExcluirCara, eu não fico melancólico, não... escuto Sabbath, Purple, mas também Lugnet, The Riven, enfim, coisa velha e novíssima. O problema dos caras do Pearl Jam é falta de gás e foco, mas é exclusivo deles. Basta ver a reinvenção do Alice In Chains, com o Duvall, e que lança álbuns tão relevantes como na era Layne. Agora, se ressentier de não dialogar coma a juventude que escuta Imagine Dragons e congêneres... porque o problema é da juventude cara, esses caras não consomem música como consumíamos. O ouvinte empobreceu demais, aí já não é culpa das bandas. Grande abraço!
ExcluirAlexandre, gostei bastante de conhecer sua perspectiva. Concordo com o Cleibsom que os "dinossauros do rock" como o Pearl Jam não dialogam mais com a maioria da juventude atual, porém, de fato, o problema se alicerça, principalmente, pela depreciação das pessoas como ouvintes de música, uma vez que parecem cada vez menos preocupadas com os feitos do passado ou sua própria história diante dessa cultura cada vez mais consumista. Acho isso triste, sim, mas aceitável, afinal o mundo vive de fases... Logo a atual juventude será os "tiozinhos" da geração futura -- que sabe-se lá que tipo de cultura ostentará.
ExcluirEsse debate é interessante, porque a questão principal aqui é por que o Rock, e quando eu digo Rock não estou falando de Foo Fighters, Strokes, Coldplay, Imagine Dragons e afins, pelo amor de Deus, perdeu o contato com a juventude, pois me parece que o estilo periga seguir o mesmo caminho do Blues e do Jazz...Mesmo as bandas "novas" que você cita são "velhas", da mesma forma que o Greta Van Fleet é velho, apesar da idade de seus integrantes. Não adianta tentar bancar o "moderno" ouvindo bandas conservadoras como essas. Com certeza existem jovens fazendo rock contemporâneo de qualidade, música que reflita o mundo que estamos vivendo, que tenha absorvido tudo aquilo que nos rodeia e que seus integrantes não pareçam hippies de butique ou headbangers que tenham ressuscitado direto dos anos 1980. Mas em local eles estão? Se alguém souber, favor me informar...PS.: Estou analisando o Rock aqui como um "produto" sociocultural, porque o estilo para mim sempre foi mais do que "apenas" música, e aqueles que estão preocupados somente em ouvir música, que felizmente é a maioria, certamente devem achar minha "crise existencial" exagerada.
ResponderExcluirUm pouquinho exagerada, talvez... mas eu parto do princípio do consumo de música como entretenimento, não na perspectiva sociocultural. O fato de as bandas emularem antigos sons, não me incomoda, desde que bem feito, afinal criatividade é algo bem raro, não é mesmo? O próprio rock que era contemporâneo na era grunge(que foi só um rótulo midiático) já era uma emulação de Sabbath, Trouble, e outras bandas que não iniciados não conseguem identificar como influência, p.e, em AIC, Soundgarden... na verdade o movimento se mantém, foi a mídia que tirou do Rock seus olhos, simplesmente porque ele deixou de ser rentável. E o público que a ele se dedicava antes, hoje se volta ao Hip Hop e outros gêneros. Acho mesmo que o Rock vai pro nicho, feito Blues e Jazz. No entanto, a estrada menos frequentada as vezes é mais interessante, né? Como o Cadão incentiva aqui, quem tem ouvido curioso, não morre sem sons.
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