Lançado em 2001, o clássico inconteste dos armênio-americanos do System of a Down completa duas décadas neste ano e é preciso celebrar (de preferência ouvindo o álbum com volume no talo pra irritar aquele seu vizinho proto-fascista). Mas é importante contextualizar o lançamento e sinalizar o porquê de Toxicity ter se tornado não somente um marco na discografia da banda, mas no rock como um todo.
O SOAD havia lançado seu debut homônimo três anos antes, em 1998, já com produção do experiente Rick Rubin (Beastie Boys, Red Hot Chili Peppers, Slayer) e trazendo o peso e a miscelânea de ritmos que iria caracterizá-los, porém ainda faltando alguma maturação no som, como era de se esperar numa estreia de um grupo tão arrojado.
Tal mix de influências, ao passo que apresentava um interessante caldeirão sonoro, dificultava a rotulação por parte da imprensa especializada, sempre ávida por encaixar os artistas em prateleiras que acabam se tornando currais e atraindo fãs xiitas e conservadores. O elemento comum de som pesado que vinha obtendo êxito à época acabou, por falta de definição melhor, abarcando o som da banda - o new metal -, de bandas que lograram fama no decorrer dos anos 1990 e início dos 2000 como KoRn, Deftones, Incubus, Limp Bizkit e Slipknot.
Mesmo o som do SOAD sendo derivado do heavy metal, ficou claro desde o início o quanto a banda se diferenciava dos seus pares, trazendo as naturais influências de som folclórico armênio, mas com inclusão também de jazz, rock progressivo e sons pesados em geral.
Em Toxicity, a banda avançou várias casas em direção ao seu apogeu criativo, com adição de elementos melódicos e andamentos e afinações diferenciadas, propondo instrumentos como cítara, piano e banjo. As melodias vocais entre o vocalista e principal letrista Serj Tankian e o guitarrista Daron Malakian estavam ainda mais afiadas, mostrando como estas vozes nasceram uma para a outra. Entrelaçadas fazem não somente contrapontos melódicos, mas também intensificam abordagens nas potentes mensagens das canções.
Aliás, é impossível falar do álbum sem mencionar as letras. A análise é impactada por uma daquelas causalidades impressionantes que o espírito do tempo do pop proporciona, pois o lançamento deste disco tão pesado quanto contundente se deu uma semana antes do ataque ao World Trade Center, assumido pelo terrorista Osama Bin Laden no fatídico 11 de setembro de 2001. Os protestos acabaram soando ainda mais amargos e intensos aos olhos de alguns, e para outros se tornaram inoportunos, quase de mal gosto, num momento em que o conservadorismo reacionário pregava a reafirmação do patriotismo.
Em meio às inevitáveis controvérsias de um momento tão conturbado, ficaram eternas as crônicas de Tankian sobre o mundo na virada do milênio (que infelizmente seguem atuais), com destaque para os problemas do sistema penitenciário em “Prison Song”, faixa de abertura do álbum cuja introdução é um esporro; “Science”, que questiona os propósitos direcionados ao capital pela ciência como business, deixando de lado o planeta como instituição; a poesia sobre os contrastes urbanos da faixa título; e no questionamento sobre a liberdade em “Aerials”.
Mesmo tendo a pose de malucões, o System of a Down conseguia manter uma aura pop, muito pela alternância e riqueza das melodias de Daron, ladeado pelos não menos competentes Shavo Odadijan no baixo e John Dolmayan na bateria. Além disso, a abordagem sobre os temas pesados tratados nas letras de Tankian eram dosadas com certo cinismo e até um certo verniz jocoso, deixando o pacote pop ainda mais completo.
De modo geral, é importante como millenial nascido em 1988, então com 13 anos de idade, situar que no planeta Terra de vinte anos atrás estávamos famintos de algum som raivoso que botasse o dedo na ferida da sociedade hipócrita que sempre se retroalimenta de poder, dinheiro e influência, como haviam feito alguns anos antes o Rage Against the Machine, de forma mais direta, ou o Nirvana, de forma sônica e lirismo agridoce. Os Estados Unidos eram então governados por George W. Bush, no Reino Unido tínhamos Tony Blair e o ataque às torres gêmeas foi a triste cereja no bolo de um mundo que ressoava temor e violência. O System of a Down sintetizou de forma poética e agressiva toda articulação daqueles jovens que ainda não tinham os canais adequados para se expressar, encapsulando aquele período neste disco, um digno retrato estético, social e cultural de uma era.
Infelizmente, como a história é cíclica, voltamos a viver tempos sombrios ao redor do mundo, porém desta vez sem grandes nomes no pop contemporâneo mundial para traduzirem essas sensações em forma abstrata com canções e vídeos impactantes. Isso só evidencia o poder da arte, em especial da música, e o quanto foi importante aquela urgência naquele momento. O vazio de agora destaca o rompante que foi Toxicity em 2001. Porém sendo a música perene como é, ela está em todo o espaço tempo, o tempo todo. Então, escute o álbum, se deixe contagiar por sua energia e faça o possível para mudar o mundo que o rodeia, pois esses pequenos extratos do universo transformados por aqueles que são tocados pela cultura e pela arte são os principais disseminadores de melhores tempos vindouros.
Que a desordem em meio ao sagrado silêncio se dê através do pogo de um concerto de rock e não em motociatas em prol de governos genocidas.
Por David Oaski
Esse álbum realmente é sensacional, ainda prefiro o primeiro, mas Toxicity elevou o alternativo.
ResponderExcluirUma pena que a banda parou com o lançamento de álbuns.
Sempre tive muito preconceito com o SOAD, porque sempre vinculei o trabalho dos caras ao New Metal( sem nunca ter ouvido sequer), molecão trouxa que não ouvia Korn, "porque Headbanger de verdade não ouvia New Metal". Mas em 2005 um amigo de colégio me emprestou esse disco. Eu não esperava nada, mas foi surpreendido. É um das bandas mais bacanas de Metal que surgiram de 2000 para cá.Hoje sou tenho todos os discos dos caras. Sou muito fã.
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