Review: Angra - Ømni Live (2021)


Ao revelar ao mundo o álbum Ømni, em fevereiro de 2018, o Angra surpreendeu com um disco pra lá de sólido e inspirado, indo na contramão do que se imaginava após o período conturbado vivido no trabalho anterior. Secret Garden saiu no início de 2015, em um período em que a banda não tinha um vocalista definido (Fabio Lione, que cantou no álbum, foi efetivado alguns meses depois), e, para tornar as coisas mais indefinidas ainda, Ømni acabou sendo o primeiro disco da carreira do Angra sem o guitarrista Kiko Loureiro, que foi para o Megadeth.

Mas o Angra é forte e sabe como sair de situações complicadas. É só olhar para o passado e ver o ressurgimento em Rebirth (2000), e isso aconteceu novamente. Marcelo Barbosa assumiu o posto de Kiko, o álbum foi muito bem recebido por crítica e fãs e os caras rodaram o mundo tocando suas canções. O resultado de todo esse processo é Ømni Live, novo ao vivo do quinteto.

Anunciado em fevereiro, Ømni Live teve o seu lançamento atrasado e chegou ao mercado apenas agora, no início de agosto. O motivo foi a tentativa de acerto – ou a disputa, chame como quiser – entre o Angra e Edu Falaschi, seu ex-vocalista, que estão envolvidos em uma briga por direitos autorais. O primeiro capítulo foi o não lançamento no Brasil do DVD/CD ao vivo Temple of Shadows In Concert, de Falaschi, por não haver um acordo em relação aos direitos das músicas. O “troco” de Edu veio em Ømni Live, que teve o seu tracklist anunciado em fevereiro mas precisou ter a lista de músicas alterada, com a retirada de três canções de autoria de Falaschi: “Nova Era” (com participação da Família Lima”), “Heroes of Sand” (com a participação de Sandy) e o hino “Spread Your Fire”. Mais um capítulo de uma história que desgasta a relação não apenas entre os músicos, mas que acaba prejudicando muito ambos os lados.

Ømni Live é o terceiro álbum ao vivo do Angra e foi gravado durante a turnê de Ømni no Tom Brasil, em São Paulo, em 2018. O álbum é duplo e vem com 17 faixas. A produção foi assinada pela própria banda em parceria com João Milliet (que tocou na banda solo de Andre Matos). O CD vem em uma edição digipack caprichada e “gorda”, com encarte de vinte páginas repleto de fotos e um pôster. Tudo muito bem feito e com ótima produção gráfica, o que agradará em cheio os fãs.

Musicalmente, a banda acerta ao entregar um tracklist focado na fase atual, gerando versões ao vivo para canções que ainda não haviam sido lançadas nesse formato.  Assim, temos todas as faixas do último álbum, duas de Secret Garden (“Newborn Me” e “Upper Levels”), duas de Rebirth (“Running Alone” e a própria “Rebirth”) e uma do clássico Holy Land (“Carolina IV”), além de um solo de bateria de Bruno Valverde intitulado “Green Tales”.

Ainda que contestada pelos fãs mais saudosistas, é inegável que a formação atual do Angra conta com músicos tecnicamente impecáveis, mantendo a tradição da banda. Rafael Bitencourt tem o baixista Felipe Andreoli como seu braço direito e principal parceiro na tarefa de levar o legado e a história de um dos maiores nomes do metal brasileiro em frente. Fabio Lione é um colosso vocal, com uma potência impressionante, e ainda que a sua chegada tenha causado estranhamento aos ouvidos nos momentos iniciais, passados mais de seis anos já deu tempo de não só o vocalista se adaptar à sonoridade da banda mas também de os fãs aceitarem que Lione é o frontman do grupo, levando adiante a história que contou com as passagens marcantes de Andre Matos e Edu Falaschi. Marcelo Barbosa tem talento para assumir o lugar de Kiko sem demérito algum, ao mesmo tempo em que encontra um palco de maior destaque. E Bruno Valverde é um prodígio na bateria que ganhou o aval inclusive de um de seus antecessores, o sempre polêmico Aquiles Priester.

A performance é irretocável em Ømni Live, e a decisão de focar o tracklist em canções dos últimos dois discos foi um grande acerto. Ainda que algumas faixas acabem não funcionando tanto ao vivo, como é o caso de “The Bottom of My Soul” (com Rafael nos vocais), o resultado é pra lá de positivo. Lione assume as partes guturais originalmente gravadas por Alissa White-Gluz, do Arch Enemy, em “Black Widow’s Web”, e voa alto no dueto com Sandy, comprovando mais uma vez a versatilidade de sua voz. A outra participação especial é da Família Lima na dobradinha “Magic Mirror” e “Always More”, levando para o palco o apelo clássico e erudito que sempre esteve no DNA do Angra. 

O repertório do último disco é responsável por alguns dos grandes momentos do show, principalmente em “Light of Transcendence”, “Travelers of Time” e “Caveman”, além das já citadas “Magic Mirror” e “Black Widow’s Web” – essa última já beirando o status de clássico moderno do grupo. Há de se mencionar também a força da dupla “Newborn Me” e “Upper Levels”, ambas vindas direto de Secret Garden, álbum que uma parcela dos fãs parece ainda não ter digerido completamente. A visita ao passado, com Lione à frente de clássicos que todo headbanger brasileiro tem na ponta da língua como “Running Alone”, “Rebirth” e “Carolina IV” é um deleite para os ouvidos e mostra o Angra atual reverenciando a história da banda em versões que beiram a perfeição.

Há de se lamentar, sem dúvida, as ausências do trio “Nova Era”, “Spread Your Fire” e “Heroes of Sand”. A inclusão dessas três composições, que estão no topo do repertório do grupo desde que foram lançadas, deixaria o disco ainda melhor. Mas, mesmo sem elas, o que temos em Ømni Live é um registro sólido e pra lá de competente do momento atual daquela que é, para muitos, a maior banda de metal que o Brasil deu ao mundo.

No meu ranking pessoal Ømni Live supera Rebirth World Tour: Live in São Paulo (2003), o ao vivo da turnê de estreia da então nova formação e que pecou pelo entrosamento ainda inicial dos músicos e por trazer uma produção bem irregular, e fica próximo do nível apresentado em Angels Cry 20th Anniversary Tour (2013), que ganhou pontos extras pelo repertório praticamente irretocável. Se colocarmos o EP Holy Live (1997) na conta, o posto de melhor registro ao vivo da carreira do Angra seguirá nas mãos do único álbum com a formação clássica. Mas, sem dúvida, Ømni Live inscreve-se desde já como um dos grandes registros ao vivo do metal brasileiro e possui todos os méritos para isso.


Comentários

  1. Edu se saiu muito bem. Lançou o magestoso DVD do TOS e ainda “pegou” seus 03 hinos de volta.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.