Após a natural quebra de ciclo causada pela saída de Mike Portnoy e a chegada de Mike Mangini, o Dream Theater gradativamente se adaptou à sua nova realidade e voltou a soar inspirado e criativo, retomando elementos marcantes de sua sonoridade que estavam um tanto apagados nos dois últimos trabalhos com Portnoy, Sistematic Chaos (2007) e Black Clouds & Silver Linings (2009).
Todo esse processo já está consolidado, com a formação atual junta desde 2010 e chegando ao seu quinto álbum em A View From the Top of the World. Lançado em 22 de outubro, o décimo-quinto trabalho do gigante prog metal nascido em Boston em 1985 traz sete canções e foi produzido pelo guitarrista John Petrucci, com mixagem de Andy Sneap. A bela capa, mais uma vez, foi desenvolvida pelo artista canadense Hugh Syme, que trabalha com a banda desde Octavarium (2005) e possui no currículo colaborações para nomes como Rush, Whitesnake, Aerosmith, Kiss e Iron Maiden.
O novo álbum mantém a musicalidade e a melodia extremas de Distance Over Time (2019), o ótimo trabalho anterior da banda e que foi um esforço conjunto para apagar a má impressão deixada pelo incompreendido The Astonishing (2016), disco que foi muito mal recebido pelos fãs. De volta à normalidade, o Dream Theater conserva as melhores qualidades de seu último álbum, como a alta dose de acessibilidade (dentro do que esse termo pode ser aplicado à uma banda de prog metal, naturalmente), ao mesmo tempo em que mergulha mais uma vez no gênero musical que ajudou a criar, moldar e popularizar, que é o metal progressivo.
Dito isso, o que ouvimos é um álbum de uma fluidez clara e permanente, cujas canções proporcionam uma das grandes experiências musicais entregues pelo quinteto. Sob a tutela de Petrucci, que assumiu o posto de principal maestro da banda, o Dream Theater equilibra a técnica absurda e reconhecida de seus integrantes com uma capacidade musical igualmente singular, e o resultado é a banda voltando a soar a plenos poderes, como já havia ocorrido em Distance Over Time, mas aqui dando um passo maior para dentro do universo do prog metal mais intricado e que, muitas vezes, assusta alguns ouvintes não habituados a essa sonoridade. Posso afirmar que não há nada a temer em A View From the Top of the World, muito pelo contrário: o que temos é muito o que apreciar, com canções que mostram uma das maiores e mais influentes bandas de todos os tempos em sua melhor forma.
Uma das principais críticas ao Dream Theater atual era a mecanização da sonoridade, principalmente em relação à bateria, com Mangini soando muito engessado e “sem alma”. Esse aspecto foi deixado para trás há alguns anos, e o baterista está totalmente adaptado aos companheiros de banda, explorando ritmos e andamentos de explodir cabeças, algo que sempre se espera do grupo. James LaBrie vive um dos seus melhores momentos como vocalista e intérprete, além de letrista, como mostra em “Invisible Monster”, canção cuja letra fala sobre ansiedade de uma maneira pouco vista antes. John Myung é um dos maiores baixistas da história, enquanto Jordan Rudess entrega a criatividade e o brilhantismo habituais, fazendo valer a experiência de ser o tecladista há mais tempo com a banda – já são 22 anos no line-up. E John Petrucci brilha com riffs intrincados e solos inspirados, escrevendo mais uma página de sua lenda como um dos guitarristas mais incríveis que o mundo já ouviu, agora assumindo também a posição de principal cabeça criativa da banda.
O álbum abre com uma das melhores canções dessa fase do Dream Theater, “The Alien”, onde a banda fala sobre ficção científica e exploração espacial sobre uma estrutura instrumental cheia de quebras de andamento unidas com melodias muito bem desenvolvidas. “Answering the Call” traz a típica união entre teclado e guitarra do Dream Theater, com ótimos solos de Petrucci e Rudess. “Invisible Monster” é uma das melhores do disco e retrata em sua letra o período em que vivemos, trazendo a discussão sobre a ansiedade, um dos grandes males da atualidade, para o primeiro plano. Nela, o equilíbrio entre acessibilidade e técnica é cirúrgico.
“Sleeping Giant” remete ao passado, com riffs pesados de Petrucci e uma atmosfera que faz lembrar os álbuns Awake (1994) e Falling Into Infinity (1997). Bastante climática, vem com belas linhas vocais e solos mais uma vez muito bonitos e com uma musicalidade que impressiona. “Transcending Time” é claramente influenciada pelo Rush dos anos 1980, enquanto “Awaken the Master” explora o lado mais pesado da banda e agradará os fãs mais antigos, com a guitarra de Petrucci à frente mostrando os caminhos para o restante para os demais instrumentistas.
O álbum fecha com a música título, uma suíte dividida em três partes e com mais de vinte minutos. Um presente para quem é fã do grupo e que entra para a lista de canções com musicalidade intensa e intricada que se transformaram em hinos como “A Change of Seasons”, “Octavarium” e “Illumination Theory”, essa última presente no auto-intitulado álbum lançado em 2013. Orquestrações realçam a grandiosidade da composição e dão um ar cinematográfico, que é intensificado pelo andamento predominantemente mais cadenciado. Os trechos instrumentais são muito bons, com direito a um segundo movimento mais calmo e atmosférico na parte central que está entre as mais belas gravações da banda em toda a sua carreira. A parte final traz os músicos explorando a técnica invejável que possuem, e é uma delícia pra quem aprecia aa banda norte-americana.
A View From the Top of The World mantém, sabiamente, a acessibilidade apresentada em Distance Over Time, decisão essa que conserva o poder universal da música do Dream Theater. Mas, ao mesmo tempo, mostra a banda equilibrando com perfeição essa postura com o lado mais técnico e progressivo de sua identidade, algo que só é possível devido à maturidade demonstrada pelos músicos. Um dos melhores trabalhos dessa banda já lendária, e que atesta o quanto o quinteto está não apenas entrosado e afiado, mas, acima de tudo, demonstra que a criatividade e o apetite por seguir criando música de qualidade permanece vivo e intocável no coração de cada um dos músicos.
Menção final para a bela edição nacional lançada pela Hellion Records, com embalagem slipcase e pôster incluído.
Juro que escutei com mente aberta, querendo gostar; e gostei bastante de "Sleeping Giant". Mas não tem jeito, eu sou mesmo viúva do Portnoy. Não tem nada a ver com mecanização do Mangini ou alguma falha dele, mas eu realmente não gosto do groove dele. Só ouvi o álbum uma vez, mas desta primeira audição prefiro até o Falling Into Infinity do que este.
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