Quadrinhos: Heróis em Crise, de Tom King e Clay Man (2021, Panini)


Heróis em Crise
é uma HQ que tem como tema central a saúde mental dos super-heróis, assunto pouco abordado no universo dos quadrinhos. Personagens expostos constantemente a situações limites e que, em sigilo, tratam de suas perturbações emocionais em um local secreto. Afinal, com grandes poderes vem grandes traumas. A série foi publicada em nove volumes durante 2019 e 2020 nos Estados Unidos, e foi relançada em uma edição em capa dura de 240 páginas pela Panini no primeiro semestre de 2021.

Essa abordagem fora do convencional é uma constante no trabalho de Tom King, roteirista que se destacou muito nos últimos anos com títulos que conquistaram público e crítica por apresentaram tópicos nada comuns de serem vistos em HQs de super-heróis. Ele falou sobre suicídio em sua passagem pelo Batman, a paternidade em Senhor Milagre, a pós-verdade em Estranhas Aventuras, o imperialismo em Xerife da Babilônia. E em Heróis em Crise, mais uma vez, pensa fora da caixa.

A arte de Clay Mann é magnífica, com destaque para os painéis em páginas duplas que abrem cada edição. O roteiro humaniza personagens aparentemente invencíveis, colocando-os no mesmo nível do leitor. As sessões de terapia pelas quais os personagens passam para superar seus traumas, sempre mostradas em páginas com nove quadros, são sensacionais. Aspectos como insegurança, medo, ansiedade e outros temas bastante comuns a nós, meros humanos, e que foram intensificados com a pandemia, são apresentados através de textos muito bem escritos e com a carga emocional típica de King.


Costurando tudo isso, temos uma história maior que é a investigação de assassinatos ocorridos no Santuário, esse refúgio de super-heróis, e que é frequentado e de conhecimento apenas dos próprios super-heróis. Batman, Superman e Mulher-Maravilha abordam os dois grande suspeitos, Arlequina e Gladiador Dourado, em sequências de investigação que conseguem ir mais fundo do que apenas apresentar quadros vertiginosos para o leitor. Arlequina tem a sua luta pela sanidade representada de maneira explícita, mostrando o quanto a convivência com um personagem totalmente desequilibrado e psicopata, o Coringa, alterou a personalidade de uma menina doce e que ainda tenta remendar e recuperar sua psique natural. E o Gladiador Dourado, dono de uma personalidade totalmente imprevisível, aqui mostra-se ainda mais instável.

A solução proposta por King, colocando um personagem central do universo DC como o responsável pelos problemas apresentados na trama, beira a genialidade ao não abrir mão de manter a humanização dos heróis ao mesmo tempo em que faz uma crítica não apenas forte, mas necessária, à própria editora e seus constantes reboots. Afinal, ao longo de Heróis em Crise, diversos personagens que foram criados apenas como coadjuvantes para séries maiores expõe os problemas que passaram pelas mãos de roteiristas que nunca os trataram com importância e decência, em uma metalinguagem que expõe de maneira nada discreta o quanto a busca por leitores e pelos números de vendas, acima de qualquer outro objetivo, pode afetar de maneira negativa uma editora que, embora tradicional e fundamental como a DC, há anos navega sem direcionamento claro e sem um comando firme, O resultado, todos conhecem: uma gigante de alcance planetário que é dona de marcas globais como Superman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde e tantos outros nomes presentes na cultura pop, mas que só consegue vender gibis do Batman.

Ao final de Heróis em Crise, após King revelar o responsável pelos crimes que aconteceram no Santuário, o questionamento é inevitável: se nem a DC Comics se preocupa com a cronologia de seus personagens, por que os leitores deveriam esquentar a cabeça com a o destino dos heróis?



Comentários

  1. A proposta parece interessante, porem o tema já de saúde mental nos heróis já foi abordado de forma peculiar em ''Crise de Identidade'' de 2004 e deu o que falar, logo esse não espero que seja diferente. Uma coisa que me deixa encucado é essa insistência que a DC tem de tempos em tempos em tentar ''humanizar'' ao máximo os heróis, sendo que as melhores historias da editora esse background sempre foi trabalhado em segundo plano e com muita competência digas-se.

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