Review: Machine Head – Of Kingdom and Crown (2022)


Ainda que o Machine Head se apegue em uma fórmula em seu novo álbum, ela é extremamente eficaz e foi desenvolvida pela própria banda. E essa característica é comum aos grandes nomes da música, diga-se de passagem: criar uma sonoridade original e conquistar o público através de suas próprias ideias. É o que ouvimos em Of Kingdom and Crown.

Décimo álbum do grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Robb Flynn, o álbum marca um novo começo para o Machine Head. Sucessor do subestimado Catharsis (2018), que muitos não assimilaram bem devido às sempre presentes experimentações conduzidas por Flynn, o novo disco marca a estreia do guitarrista Waclaw “Vogg” Kieltyka (chefão do Decapitated, um dos nomes mais tradicionais do death metal polonês) e do baterista Matt Alston (ex-Sanctorum) – no entanto, a bateria foi gravada por Navene Koperweis, fenomenal instrumentista com passagem pelo Animals As Leaders e The Faceless. Vogg e Matt entraram nos lugares de Phil Demmel, que retornou ao Vio-lence, e de Dave McClain, que voltou ao Sacred Reich. Estas mudanças, somadas à saída do baixista Adam Duce em 2013 – substituído por Jared MacEachern, grande parceiro de Robb no período atual da banda -, encerraram uma das épocas mais criativas do Machine Head, responsável por gravar ao menos dois trabalhos já clássicos, os fenomenais The Blackening (2007) e Unto the Locust (2011).

Of Kingdom and Crown traz treze faixas em seu tracklist normal, e mais duas músicas bônus que foram incluídas também na edição brasileira, lançada pela Shinigami Records em um belíssimo digipack de três faces e encarte de vinte páginas com todas as letras. São 70 minutos no total, com a produção assinada por Flynn ao lado de Zack Ohren, que já havia trabalhado com a banda em Catharsis.

A carreira do Machine Head pode ser dividida em duas fases. A primeira, nos anos 1990 e início da década de 2000, deu ao mundo álbuns seminais como a estreia Burn My Eyes (1994) e The More Things Change ... (1997), e também levou a banda a se aproximar do então em voga nu metal em discos controversos como The Burning Red (1999) e Supercharger (2001). Houve então uma reformulação em Through the Ashes of Empires (2003) com uma sonoridade que ganhou elementos mais melódicos e até mesmo progressivos lado a lado com o groove, o thrash e a agressividade sempre presentes. Foi essa mudança que gerou a aclamada segunda fase da banda, iniciada em Through the Ashes of Empires e que teve também The Blackening, Unto the Locust e Bloodstone & Diamonds (2014). É essa sonoridade que o quarteto retoma no novo disco.

Os mais de dez minutos de “Slaughter the Martyr” entregam uma abertura na mesma escola de “Clenching the Fists of Dissent” e “I Am Hell (Sonata in C#)”, primeiras músicas de The Blackening e Unto the Locust, respectivamente. É o metal climático e extremamente emocional do Machine Head em sua melhor forma, com vocais belíssimos e um arranjo que equilibra peso, melodia e doses enormes de sentimento. “Choke on the Ashes of Your Hate” traz velocidade e agressividade para a mistura, é uma das melhores do álbum e agradará em cheio os fãs da faceta mais thrash do quarteto. As guitarras de “Become the Firestorm” chamam a atenção de imediato, enquanto a violência conduzida pela bateria martelada sem dó leva a um refrão que é puro Machine Head, com vocais limpos contrapostos com a voz gutural de Flynn.

O uso de coros climáticos, uma das grandes marcas do Machine Head dos anos 2000, é retomado em “My Hands Are Empty”, composição escrita por Flynn e MacEachern com Logan Mader, guitarrista dos dois primeiros álbuns da banda. A alternância entre agressividade e trechos mais calmos é o ponto forte da música. A seguinte, “Unhallowed”, traz a dupla escrevendo com Vogg, e curiosamente segue uma receita similar. As duas funcionam como uma espécie de respiro, entregando doses enormes de melodia e peso.

A virada de página se dá com “Kill Thy Enemies”, com excelentes guitarras e andamento mais cadenciado, e que dá início à metade final do álbum. Grande música, com solos repletos de melodia de Flynn e Vogg. A melodia também dá o tom em “No Gods, No Masters”, com Jared encorpando os vocais de Robb em uma solução que funciona muito bem e é usada de forma precisa pela banda. A parte central, com doses cavalares de groove, é pra colocar um sorriso em todo fã.

“Bloodshot” talvez seja a mais agressiva do disco, e traz elementos do Decapitated para o universo do Machine Head. Junto com “Rotten”, que vai na mesma linha, conduzem o ouvido para o encerramento, que se dá com a climática “Arrows in Words from the Sky”, em que Flynn mais uma vez se debruça sobre a fórmula de fazer metal do Machine Head. Grande fechamento!

Temos ainda as músicas bônus. A primeira, “Exterroception”, é uma canção instrumental onde o Machine Head dá uma aula prática de como fazer groove metal, e que fica ainda mais efetiva com a ausência de vocais. A segunda é a versão acústica para “Arrows in Words from the Sky”.

Of Kingdom and Crown é excelente. Uma retomada das grandes e enormes qualidades do Machine Head do século XXI, período em que a banda gravou aqueles que, para muitos, são os seus melhores discos – me inclua nessa lista, por favor! É preciso entender que Robb Flynn sempre foi um músico inquieto e que gosta de experimentar novas abordagens. Foi essa mentalidade que levou a banda ao topo do universo do metal, ainda que com alguns escorregões pelo caminho. A chegada de novos integrantes reativou o seu melhor, e o resultado é um dos grandes álbuns de 2022.


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