Bebeto Alves, um cidadão do mundo em suas próprias fronteiras


“Nas pegadas das minhas botas, trago as ruas de Porto Alegre ...”

O Rio Grande do Sul tem as suas peculiaridades. Uma delas é a forte cultura local, evidenciada pela proliferação dos CTGs – Centros de Tradição Gaúcha em cada município do estado, pelo traje típico e pelo folclore regional, fortemente influenciado e identificado com os gauchos argentinos e uruguaios.

Mas outro ponto muito marcante da cultura gaúcha é a sua música, que vai muito além das canções nativistas, cujo principal instrumento é a gaita, e que serve de trilha onipresente em todos os pontos do estado. A música gaúcha não é só isso, e essa percepção de amplitude fica evidente para qualquer pessoa com o mínimo de curiosidade. Trata-se de uma sonoridade muito rica, que uniu o som vindo do interior à influências urbanas e gêneros cosmopolitas como o rock, o pop, o blues, o reggae e a MPB, resultando em uma sonoridade própria, contemporânea e que foi batizada, durante a década de 1980, de MPG – Música Popular Gaúcha. Essa modernização, transição, atualização ou união – chame como quiser – da música regional com novos ritmos foi conduzida por artistas como Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro, os irmãos Ramil (primeiramente com a dupla Kleiton & Kledir e mais tarde com o genial Vitor, o caçula da família) e Bebeto Alves, entre outros. E o que esses nomes plantaram durante o final dos anos 1970 e durante a década de 1980 foi influência fundamental para toda uma geração de bandas que alcançou sucesso em todo o Brasil, lideradas pelos Engenheiros do Hawaii.

Nei Lisboa segue produzindo, assim como Nelson Coelho de Castro e toda a família Ramil. Bebeto faleceu nesta madrugada, aos 68 anos, vítima de câncer.


Nascido em Uruguaiana, no extremo sul do Rio Grande do Sul, em 4 de novembro de 1954, Bebeto partiu logo após completar 68 anos. Deixou a esposa e três filhos, entre elas a atriz Mel Lisboa, que alcançou fama ao estrelar a série A Presença de Anita (2001). Sua obra é longa e traça um panorama extremamente rico enquanto conta a história de todo esse caminho que levou a música regional gaúcha ao encontro de gêneros e ritmos mais universais. O garoto nascido em Uruguaiana escolheu Porto Alegre como seu lar e, na capital gaúcha, se tornou cidadão do mundo através de sua música. Sua discografia é longa e inclui álbuns antológicos como a estreia (1981), o clássico ao vivo Pegadas (1987) e a reinvenção artística através do codinome Black Bagual nos excelentes Canção Contaminada (2018) e Pela Última Vez (2020).

Bebeto Alves é eterno. E talvez, ou muito provavelmente, só tenha esse status dentro das fronteiras onde viveu. Uma lenda da música popular gaúcha e das belezas das canções do sul, praticamente desconhecido no resto de um país continental como o Brasil, em que cada um dos outros 25 estados possui os seus próprios Bebetos, artistas geniais com o poder de transformar a realidade ao seu redor de forma definitiva e belíssima.

"E na cidade dos meus versos, o sonho dos meus amigos".



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