Review: Wry – Aurora (2022)


O Wry vem de longe. E não, não me refiro à cidade do interior de São Paulo, Sorocaba, local de origem da banda, mas sim de uma outra época: os (já?) longínquos anos 1990, mais precisamente 1994.

Influenciada pelo pós-punk e pelo rock alternativo da virada da década de 1980 para a de 1990 (de bandas como Joy Division, The Jesus and Mary Chain e Teenage Fanclub), o grupo, que a princípio tinha o repertório totalmente formado por composições em inglês, participou ativamente do cenário underground brasileiro da época ao lado de outras bandas hoje tão cultuadas quanto influentes como Garage Fuzz, Killing Chainsaw e Câmbio Negro, entre outras. No início dos anos 2000 o Wry migrou para a Inglaterra, onde firmou de forma consistente seu nome no cenário rock local – clubes, mídia, casas de show – e interagiu com bandas e selos importantes do indie rock da época.

No final desta década, em 2009, a banda voltou a Brasil e, após um hiato e alguns lançamentos e shows esparsos, tem um importante ponto de virada: a inclusão de composições em português no álbum Noites Infinitas (2020), que desaguaria no primeiro trabalho do Wry totalmente composto em português em quase trinta anos de banda, Aurora, lançado em 2022.

Você pode pensar o que um disco de uma guitar band com ares pós-punk em pleno 2022 tem de especial, e a resposta é simples e direta: muito! Rapidamente, à primeira ouvida já é possível sacar quão inspiradas e conectadas são as linhas vocais, as melodias e as letras. Mário Bross (vocal e guitarra), Luciano Marcello (guitarra), William Leonotti (contrabaixo) e Italo Ribeiro (bateria) conseguiram uma sincronia rara, ainda mais em se tratando de uma banda tão experiente. Além das grandes composições, é possível notar a amarração estética entre as onze músicas, formando uma verdadeira coleção de canções encapsuladas naquele momento retratando uma fase de inspiração da banda, como costumava funcionar a indústria da música até alguns anos atrás.

As faixas possuem ares agridoces, com temas que parecem refletir os tensos momentos pandêmicos recentes. Mas, apesar disso, há um viés positivo em algumas músicas como “Sem Medo de Mudar” ou “Quero Dizer Adeus” (minha favorita nesse momento) e até “Contramão”, que é algo resignada. Em “Carta às Moscas”, Mário canta reflexões sobre um mundo atual, mas não de forma fatalista, tampouco de forma otimista vazia, mas sim uma crônica de observações mundanas sugerindo que encontremos alguma leveza em nossa rotina frenética. Mesmo em faixas cujos títulos sugerem uma angústia mais literal como “Não Posso Respirar” ou “Labirinto Mental”, a banda mantém uma aura de enfrentamento, afinal estar pronto para um novo colapso não é algo que se aguarde alegremente, porém revela também alguma bravura.

A segunda metade do disco é um pouco mais intimista em canções como “Pra Onde Eu Vou” ou “Universo Jogador”, que tem ares espaciais, como o título menciona. Já “Coração Sem Educação” remete ao grunge de algum momento mais irreverente do Nirvana, como num b-side pré-explosão de Nevermind. A música que fecha o álbum, “Vivendo no Espelho”, parece dialogar com o momento em que estamos chafurdados nas redes sociais, seja como distração, seja em relacionamentos; a frase “não me cancela” é emblemática.

De modo geral, é incrível ver uma banda veterana se não se reinventando, se atualizando de forma brilhante, mantendo a chama acesa com integridade ao seu legado, mas olhando adiante, propondo, se desafiando, refletindo sobre os tempos atuais e, o principal e mais raro no mundo do rock contemporâneo, se mantendo relevante. A prova cabal disso é “Temos um Inimigo”, que creio, assim como o álbum Necropolítica, dos Ratos de Porão, será um dos totens culturais do período que vivemos nos últimos anos. Se você viveu no Brasil recente com algum senso de realidade as frases “estupidez nunca será virtude” e “temos um inimigo com nome e sobrenome” baterão muito forte.

Perceber que a arte e a cultura seguem inspirando e instigando os caras é motivador para seguirmos em frente acreditando no lado certo da força e motivados a deixarmos um país melhor para os que virão. Que nossa aurora seja, sempre que possível, leve, mas que mantenhamos sempre o preparo físico e retórico para combater a ignorância e a truculência do outro lado.

Por David Oaski


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