Review: Boygenius – The Record (2023)


Em um mundo que ainda trata pessoas LGBTQIA+ como um vírus incômodo e encara a sua simples existência como algo ofensivo – ou tão irresistível que os próprios críticos não conseguiriam controlar seus desejos ao estar frente a frente com uma pessoa homossexual ou trans, vai saber -, o surgimento do Boygenius é muito bem-vindo. O super grupo formado por Julien Baker, Phoebe Bridgers e Ludy Dacus nasceu de uma turnê conjunta que o trio realizou em 2016, com Dacus e Bridgers abrindo os shows de Baker. A aproximação revelou afinidades e acertos musicais, e a união foi a consequência.

Julien, Phoebe e Lucy, três das artistas mais criativas surgidas nos últimos anos, se definem como gays ou bissexuais, e além da representatividade sempre necessária expressam nas letras questões relacionadas à forma como o rock trata, enxerga e se relaciona com artistas femininas. O próprio nome do projeto é uma resposta irônica às experiências negativas que as três tiveram com colaboradores masculinos. Além disso, a bela capa remete ao álbum de estreia do Pearl Jam, com as mãos das três apontando para o céu e prontas para voar alto como fez a banda de Seattle.

The Record traz doze canções em 42 minutos e, musicalmente, varia entre o rock, o folk e até alguns elementos de country, unindo os diferentes backgrounds e influências do trio e, a partir disso, construindo algo não apenas maior, mas extremamente bonito. As harmonias são o destaque em todo o álbum, desde a música de abertura, “Without You Without Them”, que na prática é uma linda introdução à capela de pouco mais de um minuto. O ponto principal está na união das letras carregadas de franqueza e os vocais puros que se harmonizam de forma perfeita, com o protagonismo passando de uma integrante para a outra. E pode ter certeza de que versos como “E eu não sou um homem velho tendo uma crise existencial em um mosteiro budista escrevendo poesia com tesão”, presente na faixa “Leonard Cohen”, não serão encontrados em muitos álbuns por aí – a exceção está no próprio Cohen, autor da citação.

A Rolling Stone definiu o Boygenius como “o supergrupo que precisamos”. Basta o mínimo de sensibilidade para não apenas se emocionar com a música presente em The Record como para também perceber como o mundo - que vive os primeiros anos de uma década como a de 2020, idealizada como a época em que veríamos carros voadores e uma sociedade mais justa - ainda está longe de ser amistoso com minorias, sejam elas sexuais, raciais ou religiosas. Nesse sentido, precisamos não apenas do Boygenius e de um álbum tão bom quanto The Record, mas de mais exemplos que provem de maneira definitiva que o problema da humanidade não é o ser humano, percepção que tem crescido cada vez mais nos últimos anos.


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