BBM: o Cream com Gary Moore no lugar de Eric Clapton


Em 1993, Jack Bruce comemorou 50 anos. Uma das comemorações, além do excelente Somethin Els, um dos seus melhores trabalhos solo e que chegou às lojas em fevereiro daquele ano com a participação mais do que especial de Eric Clapton, foi o reencontro com outro colega do Cream. Bruce tocou com Ginger Baker e outros convidados especiais em dois shows na cidade alemã de Koln nos dias 2 e 3 de novembro, comemorando o seu cinquentenário junto com os fãs em um evento promovido pelo programa Rockpalast. Os melhores momentos dessas apresentações foram reunidas no duplo ao vivo Cities of the Heart, que chegou às lojas em março de 1994. 

Um desses convidados foi Gary Moore. O guitarrista irlandês já havia colaborado com Jack Bruce em Corridors of Power (1982), seu segundo álbum solo. Agora, a química não só com Bruce, mas também com Ginger Baker, inspirou o trio, que decidiu se reunir no BBM, supergrupo batizado com a primeira letra dos sobrenomes de cada um dos integrantes.

Infelizmente, o BBM teve vida curta. Mas ficou para a eternidade com o seu único disco, Around the Next Dream. Lançado em 1994, traz dez faixas inéditas e foi produzido pelos três junto com Ian Taylor, parceiro de longa data de Gary Moore e responsável pela produção dos aclamados Still Got the Blues (1990) e After Hours (1992), álbuns que revitalizaram a carreira do guitarrista e apresentaram o seu trabalho para uma nova geração de ouvintes.

Com uma linda foto de Ginger Baker como anjo na capa, Around the Next Dream é muito bom. Já na faixa de abertura, “Waiting in the Wings”, a guitarra carregada de wah-wah de Moore faz a ligação direta com o Cream, conversando de forma aberta com a clássica “White Room”. Eric Clapton não estava aqui, mas Gary Moore estava, e entregou uma de suas mais inspiradas performances. “City of Gold” vem a seguir e funciona como uma espécie de “Crossroads” na antológica releitura do Cream, só que com um andamento mais cadenciado. 

O ritmo desacelera em “Where in the World”, que conta com o vocal principal de Gary Moore e uma ponte após o refrão que é absolutamente brilhante e mostra a imensa capacidade vocal de Jack Bruce, celebrado por ser um baixista fenomenal, mas dono também de uma voz sublime. O blues volta à ordem do dia na classuda “Can’t Fool the Blues”, mais uma vez com Moore no vocal e com um solo arrebatador.

Os ecos do Cream retornam em “High Cost of Loving”, um blues embebido em doses generosas de soul e conduzido por uma interpretação vocal incrível de Jack Bruce. Tommy Eyre, tecladista inglês com longa experiência como músicos de estúdio, dá um toque especial e sensual à música com o seu instrumento, que conta mais uma vez com Gary brilhando na guitarra. “Glory Days” é puro Cream, em uma parceria de Bruce e Baker que remete de forma direta à banda que consagrou a dupla. A balada blues “Why Does Love (Have to Go Wrong?)” é belíssima, com variações rítmicas surpreendentes e que nunca deixam a música soar previsível.


Um fato que precisa ser mencionado é que o álbum conta com alguns dos solos mais incendiários da carreira da Gary Moore, seja pela inspiração de estar tocando com Jack Bruce e Ginger Baker ou pelo desejo de mostrar que não ficava atrás de Eric Clapton, uma de suas grandes inspirações. 

Mas nem tudo são flores. Além de trazer uma quantidade além da conta de canções que remetem ao Cream, o que, em certo ponto, desmerece a música gerada pela união de três instrumentistas brilhantes para beneficiar uma associação com o passado, o álbum perde a força na parte final. Faixas mais lentas como “Naked Flame” e “Wrong Side of Town” soam cansativas e transmitem uma sensação de desperdício, pois quando o trio senta a mão em composição mais energéticas, o resultado é ótimo. A versão para “I Wonder Why (Are You So Mean to Me?)”, de Albert King, deixa isso claro.

O BBM fez uma turnê pela Inglaterra para promover o álbum e chegou a tocar em alguns festivais europeus, porém acabou chegando ao fim pouco depois devido a problemas entre Ginger Baker e Gary Moore, com o baterista deixando claro em entrevistas posteriores o quanto considerava o guitarrista como um de seus maiores desafetos.

Around the Next Dream é um trabalho histórico por registrar a união entre Jack Bruce, Gary Moore e Ginger Baker, três músicos lendários e que estão entre os maiores nomes da história do rock. Ainda que com alguns deslizes, o disco gerado dessa parceria é certamente um dos grandes álbuns da década de 1990, e que infelizmente permanece pouco conhecido pelo público atual.

Comentários

  1. como toda a obra do genio gary moore, em tempos de musica biodegradavel dos streamings da vida, num país de tão pouca cultura e educação, o que sempre piora a situação, mais uma obra criminalmente subestimada e esquecida, de três caras que já nos deixaram e aqui plantaram um legado musical imenso e nada aproveitado pelas novas gerações o que, sempre, me traz lagrimas nos olhos

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  2. Where in the World é uma das mais lindas músicas que já ouvi na vida. Jack Bruce, além de incrível baixista, era incrível vocalista.

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