Sinal amarelo no mercado brasileiro


A capa de 72 Seasons, novo álbum do Metallica, traz uma série de objetos pretos sobre um forte fundo amarelo. O disco, que tem algumas das letras mais confessionais de James Hetfield, entrega com essa apresentação um alerta, claro para alguns e talvez um tanto subliminar para outros, sobre a questão do suicídio. A cor amarela é a mesma usada na campanha Setembro Amarelo, que há alguns anos faz parte das iniciativas de saúde mental implementadas em todo o mundo e trata sobre o mesmo tema.

Mas o amarelo da capa de 72 Seasons também tem outro significado, notadamente para o público brasileiro. Ela é um sinal de atenção para uma realidade cada vez mais consolidada no mercado fonográfico do Brasil: a escassez de lançamentos. 72 Seasons, apesar de ter sido anunciado em pré-venda pela loja oficial da Universal há alguns meses, no momento em que escrevo esse texto está indisponível para compra em CD, único formato que será lançado por aqui. E a sua entrega, para quem conseguiu adquirir o CD na pré-venda, está prevista para a segunda quinzena de julho. O álbum foi lançado dia 14 de abril em todo o mundo. Ou seja: o público brasileiro terá a edição nacional do novo álbum do Metallica três meses depois. E não estamos falando de uma banda qualquer, mas sim de uma das maiores do planeta e o maior nome da história do heavy metal.

A transição da mídia física para o streaming foi praticamente total no Brasil. Segundo dados do IFPI, instituição que monitora a indústria fonográfica mundial, os aplicativos de streaming como o Spotify respondem por 86,2% do consumo de música no Brasil. Já a mídia física é totalmente irrelevante e responde por somente 0,5% do mercado. Esses dados referem-se a itens novos, e não levam em conta o mercado de usados, onde o consumo de CDs e LPs é muito mais ativo. Mas como estamos falando do descaso de uma gravadora – a Universal – a respeito de um dos grandes lançamentos de 2023 – o novo álbum do Metallica -, eles exemplificam bem porque isso acontece.

Tem outros fatores na jogada. A Sony deixou de operar em mídia física no nosso país, e com isso também fechou a sua fábrica, que atendia outras gravadoras, causando um impacto negativo no mercado. A RIMO, que era a principal fornecedora para a fabricação de novos CDs para as gravadoras e selos brasileiros que continuam apostando no formato físico, também fechou as portas. Hoje, toda essa demanda é atendida por poucas empresas, tendo duas delas com maior destaque.

Já falei sobre esse tema em outros textos e vídeos, mas me entristece muito o desprezo do formato físico pelo público brasileiro. Entendo perfeitamente questões como o alto custo em adquirir um CD ou LP, nacional e principalmente importado – tanto que não comprei o 72 Seasons na iMusic ou em outras lojas de fora -, e outros elementos dessa complexa equação. Mas é lamentável que a música, essa arte tão incrível, tenha sido reduzida no Brasil a um arquivo digital solto em uma nuvem. E tem mais: essa mudança afeta o mercado brasileiro mas também os próprios músicos, já que estão em curso diversas discussões em todo o planeta sobre o valor irrisório que os apps de streaming pagam para os artistas.

A música não é um arquivo. A música ganha muito mais significado quando ela pode ser tocada e sentida como um objeto sólido, e daí vai da preferência de cada um esse objeto ser um CD ou um LP.

A música tem mais sentido com a mídia física. Mas, infelizmente, só quem vive essa experiência consegue entender o que isso representa.


Comentários

  1. As outras mídias talvez sigam o mesmo caminho. Livros físicos que eu achava que iam resistir mais tiveram uma disparada enorme no preço....aí o lobby pro digital ganha ainda mais força.

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    1. Isso está sendo justificado pela tal "crise do papel". HQs também estão com preços inviáveis.

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    2. Vdd...eu virei um verdadeiro caçador de promoções acima de 40% de livros e HQs. Mas paciência...se tá muito caro e não dá para comprar, gastamos os parcos recursos com outros itens culturais.

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  2. grande ricardo, compartilho integralmente de seu sentimento exposto neste post, que enorme tristeza em atravessar esse momento de musica biodegradavel dos streamings da vida, piorado num país de tão pouca cultura e educação o que, insofismavelmente, complica e dificulta demais as coisas mas, apesar de achar que a situação ainda chegará ao fundo do poço acredito que, em algum momento, ocorrerá com o cd, melhor forma de se escutar musica com perfeição e pureza, algo como o revival do vinil que testemunhamos, fora do Brasil diga-se pois, aqui, nem isso, pelos preços absolutamente desonestos e inviáveis.

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    1. Espero que pelo menos as médias continuem lançando CDs a um preço razoável (R$ entre 45 e 50 no momento). Com o desinteresse das grandes, pelo menos houve abertura para lançamentos de várias pérolas. Claro que isso está longe do ideal....seria legal termos opções em tudo. A coisa está ruim no rock....em outros gêneros como jazz, blues, reggae, country...acho que praticamente não há mais lançamentos por aqui (e um ou outro relançamento pingado)

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  3. Já comprei o meu LP na Imusic, mercado brazuca já se foi há tempos!

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  4. Só sobrou uma fábrica, a Solutions 2 Go.

    Rimo foi incorporada pela Videolar Innova, no fim de 21 e já em outubro de 22 anunciou que pararia de fabricar mídia física.

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  5. Não sei se o Seelig é Dom Quixote ou Sancho Pança, mas estou tentando descobrir...Filósofos já diziam que o que não tem solução, consequentemente já está resolvido! Ontem foi a leitura e os livros, hoje o cd físico e amanhã, creio, os HQ´s e as revistas de papel. Seelig, meu amigo, haja pitangas para chorar!!! Sou da opinião de que não adianta brigar com a tecnologia, pois ela se impõe contra desejos e paixões individuais. O mundo do entretenimento em que Seelig e pessoas na sua faixa etária cresceram, como eu, não existe mais! O século 20 está morrendo e dentro de, sei lá, 10 anos não restará mais nada dele. Quem tem a música, a leitura e o cinema como paixão, tem a obrigação de saber que se ontem isto teve lá sua importância em um nível intelectual e não apenas comercial para a indústria, isso é passado e hoje tudo tornou-se descartável como a bolacha, o gel para cabelo ou a cueca. Para mim elas continuam e continuarão tendo e azar dos 99% que pensam diferente. E não vou ficar chorando pelos cantos com a conversa mole: "mas antigamente...", porque o antigamente morreu, já foi e já era! Não tem o mínimo sentido querer que as novas gerações vivam e tenham os mesmos gostos e desejos das antigas, por mais que isso doa para quem já passou de certa idade. O que estamos vivendo chama-se progresso, que pode ser bom ou ruim dependendo do ponto de vista, e ele atropela qualquer um que esteja em sua frente!

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    1. Pois é, não sou saudosista, mesmo estando na casa dos cinquenta aninhos, comprei muito vinil e cds e outros itens culturais, mesmo sendo da tal “ classe media “, muita, mas muita coisa estava fora do meu alcance e na realidade só fui conhecer a maioria dos clássicos através da net e serviços correlatos, inclusive aqueles discos da discoteca básica e cults tão propagados pela finada e “saudosa “ revista BIZZ.
      Nunca fui de idealizar os anos “80”, “90”, no meu tempo era melhor e outras sandices, vida que segue....até o ser humano e descartável, triste mas verdade!!!

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    2. Acho saudável entender que isso é inexorável mesmo. Mas também acho legal uma certa resistência...sem perder a ternura, claro rs. Não adianta ficarmos amargos pela mudança de certos comportamentos e costumes. Mas gostei do que o Paulo levantou....apesar de descartável...o streaming (e o digital) também serve para que o acesso a catálogos antes inatingíveis seja possível (e isso é um baita ponto positivo).

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