Livro: Black Metal – A História Completa, de Dayal Patterson (2022, Estética Torta)


O black metal é um dos gêneros musicais mais polêmicos e estudados de todos os tempos, mas é também um dos estilos mais fascinantes e inovadores da história. Essa percepção é bastante clara para qualquer pessoa que mergulhe os ouvidos no gênero, e fica ainda mais acentuada após a leitura dos dois volumes de Black Metal - A História Completa, do jornalista inglês Dayal Patterson.

Publicada originalmente em 2013 com o título de Black Metal: Evolution of the Cult, a obra foi dividida em duas partes na edição brasileira, publicada pela Estética Torta, uma decisão acertada ao levarmos em conta as monumentais 832 páginas que compõe o título. O primeiro volume possui 480 páginas e vai até o retorno do Mayhem após a morte de Euronymous, e o segundo, com 352 páginas, inicia com capítulos dedicados ao Cradle of Filth e ao Dimmu Borgir, duas bandas do chamado black metal sinfônico e que, para os mais tradicionais, nem se enquadrariam no estilo por razões que vão desde o aspecto musical até o sucesso comercial alcançado por ambas. O livro tem tradução de Adriano Scandolara e é um dos melhores títulos do catálogo da Estética Torta.

Quando falamos em black metal no sentido literário, automaticamente vêm à cabeça o igualmente excelente Lords of Chaos, lançado no Brasil também pela editora mineira e que conta a história da cena norueguesa do final dos anos 1980 e início da década de 1990, conhecida como segunda onda do black metal. Já a obra de Patterson é muito mais ampla e se propõe a contar toda a história do gênero, objetivo que alcança com imenso louvor. Com grande experiência em veículos especializados como Metal Hammer, Decibel e Terrorizer, Patterson conduziu centenas de entrevistas, conversando com praticamente todo mundo que teve algum papel relevante na concepção, desenvolvimento e evolução do black metal. O resultado é uma obra espetacular, que transborda informação, conteúdo e uma visão crítica sobre o estilo, muitas vezes interpretado e julgado de forma preconceituosa por jornalistas e ouvintes não habituados às suas características e peculiaridades.


Estruturado em forma de capítulos destinados a cada banda ou movimento relevante para a história do black metal, o livro entrega uma experiência de leitura imersiva e fascinante. Em termos editoriais, temos um total de cinquenta capítulos, o que demonstra a profundidade do trabalho de Patterson. Somos apresentados às influências primordiais do estilo, como Black Sabbath e Coven, e mergulhamos de vez nos primeiros anos daquele então novo gênero que tiraria seu nome do segundo álbum do Venom, o seminal Black Albumlançado em 1982. Além do trio inglês, os capítulos sobre à primeira onda do estilo são dedicados também a outros pioneiros igualmente influentes como Mercyful Fate, Bathory, Hellhammer e Celtic Frost, bandas essenciais que definiram as bases do que seria feito de forma ainda mais aguda alguns anos mais tarde. Uma das principais qualidades do livro é não se ater somente aos nomes mais óbvios, e Patterson ganha muitos pontos ao dedicar capítulos longos a nomes fundamentais mas muitas vezes não tão lembrados como Blasphemy, Tormentor, Master’s Hammer, Von e Beherit.

O livro é muito informativo e traz centenas de histórias interessantíssimas, que lançam luz até mesmo nos fãs mais devotos e dedicados do estilo. Na verdade, ler as mais de 800 páginas de Black Metal – A História Completa é como fazer um curso extensivo sobre um dos gêneros mais comentados e incompreendidos da história da música, com uma mitologia cheia de personagens marcantes, polêmicas, controvérsias, álbuns incríveis e músicos talentosos e sem medo de inovar e experimentar. 

O autor deixa claro o quanto a cena norueguesa moldou profundamente o estilo. O black metal nasceu no início dos anos 1980, mas ele foi moldado pelas bandas norueguesas em praticamente todos os aspectos, da música ao corpse paint, da estética aos padrões de produção, do discurso antireligião ao comportamento confrontador, que levou à ações como queima de igrejas e assassinatos. O falecido Euronymous teve papel central em grande parte de todo esse processo, sendo a figura catalisadora não apenas da cena norueguesa mas também o criador de uma grande rede de contato com braços em todo o mundo, construída através da troca de fitas e correspondência. Seu legado na história do black metal foi extremamente influente, e, nesse sentido, a obra de Dayal Patterson deixa seu impacto ainda mais claro, indo além do que é relatado em Lords of Chaos. Toda a cena norueguesa, na verdade, definiu os parâmetros que o black metal segue até hoje, com uma profusão de bandas que tinham como objetivo recorrente produzir um som original que as diferenciasse uma das outras, e que deu ao mundo nomes emblemáticos e hoje clássicos como Darkthrone, Burzum, Emperor, Thorns, Gorgoroth e outros, que levaram o black metal pelos mais variados caminhos.


Patterson vai além e entrega um ótimo conteúdo abordando movimentos influentes e que, aqui no Brasil, possuem pouca literatura disponível, como as Legiões Negras francesas e a cena polonesa, essa última o berço do NSBM e com comportamento profundamente racista e xenofóbico, pra dizer o mínimo. A obra é recompensadora para quem é fã do black metal pois mergulha de forma profunda na história de bandas como Marduk, Dissection, Shining, Rotting Christ, Behemoth, Ulver, Sigh, Dodheimsgard, Alcest e outros, trazendo muita informação sobre esses grupos e inúmeros outros, construindo um panorama extremamente completo sobre o black metal, do seu surgimento até os desdobramentos mais atuais, como o pós-black metal. E sim, há muitas citações e referências à bandas brasileiras durante toda a obra, mostrando como Sarcófago, Sepultura, Vulcano e outros nomes influenciaram e são citados com frequência por inúmeros músicos.

O texto de Patterson não esconde os aspectos mais controversos do black metal, e que vão muito além dos assassinatos e da queima de igrejas que marcaram a cena norueguesa. Há depoimentos de músicos que não escondem visões de mundos problemáticas, carregadas de preconceito e até mesmo doentias e perturbadoras, assim como são fartos os depoimentos de artistas inquietos e repletos de criatividade, muitas vezes uns se confundindo com os outros. O problema não está no black metal, mas sim nas visões ideológicas dos indivíduos.

Outro ponto de destaque é a abordagem bastante ampla das questões filosóficas e espirituais expostas pelos músicos, o que proporciona um acesso sem filtros aos mais variados e sombrios aspectos da mente humana, com a exposição de modos de vida que pregam filosofias como a misantropia, o niilismo, o ocultismo, o satanismo e a visão crítica em relação à religião católica, com esse lado antireligião sendo uma constante e possuindo vários pontos de vista diferentes.

Black Metal – A História Completa é um livro espetacular e um dos melhores títulos publicados pela Estética Torta. Disponível em duas versões – capa dura e brochura -, sua leitura é indicada para todo fã de metal e de abordagens musicais fora do convencional, especialmente em uma época como a que vivemos, em que as pessoas tendem a julgar e condenar qualquer comportamento que se desvie do padrão sem sequer se informar sobre o assunto em questão.

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