Rebel Heart: uma rebelião confusa, mas com o DNA de Madonna


Ao olharmos o tracklist de Rebel Heart, ele assusta. São dezenove faixas em mais de 74 minutos na versão deluxe, que na prática foi a mais comprada pelos fãs. E o conjunto de canções é um tanto irregular, isso é inegável. Após o inconstante MDNA (2012), Madonna retomou a receita de Hard Candy (2008) e trabalhou com diversos produtores que estavam em voga na época, as escolhas mais conhecidas sendo Diplo, Avicii e Kanye West, além de participações especiais de Nicki Minaj (repetindo a parceria do álbum anterior), Chance the Rapper e até mesmo de Mike Tyson.

As letras exploram temas românticos e a rebeldia sempre presente no comportamento de Madonna, atitude essa que deu ao mundo desde hinos pop como “Like a Prayer” até manifestos artísticos como Erotica (1992) e American Life (2003). O som é o pop cativante de sempre, adornado dessa vez por elementos de trap, house da década de 1990 e até mesmo reggae, uma mistura heterogênea que faz com que o álbum não apresente a coesão musical de costume.

Estamos falando de um álbum de Madonna, maior artista feminina da história do pop, então é claro que Rebel Heart tem excelentes canções. “Living for Love” abre o disco com um clima disco que remete ao excelente Confessions on a Dance Floor (2005). “Devil Pray” é arrepiante em suas partes acústicas, mostrando o quanto Madonna sabe fazer canções que tocam fundo utilizando estruturas simples. Essa faixa evolui para uma parte eletrônica conduzida por Avicii e que conversa com a obra do produtor e DJ sueco, falecido em 2018. “Ghosttown” é mais um belo exemplo do domínio melódico de Madonna, aqui na forma de uma balada que se desenvolve em um arranjo crescente. “Unapologetic Bitch” é um ragga absolutamente contagiante, enquanto “Illuminati” é outro momento de brilho, com linhas vocais cativantes.

A linda “Joan of Arc” é uma das grandes canções do álbum e uma das melhores gravações de Madonna na década de 2010, e merecia mais destaque pela doçura pop de suas melodias. “Iconic”, apesar da letra que varia entre o autoelogio e a autoajuda, possui linhas vocais fortíssimas e que levantam estádios. “HeartBreakCity” é a baladona dramática do álbum, e mais um exemplo de como a voz de Madonna ganha muito mais força quando explora seus timbres mais graves. A deliciosa “Body Shop” é um pop perfeito e redondo, sem nada fora do lugar, e deveria ter sido lançada como single. Talvez a grande canção de Rebel Heart seja “Holy Water”, que une elementos de Confessions on a Dance Floor e Hard Candy e é absolutamente viciante, uma obra-prima do pop que merece ser revisitada pelos fãs.


Já os momentos confusos ou não tão bons também marcam presença. “Bitch I’m Madonna”, com participação de Nicki Minaj, repete o erro de “Give Me All Your Luvin’”, de MDNA, e parece uma canção para vozes de gerações mais jovens como Britney Spears do que para Madonna, que soa deslocada na faixa. “Hold Tight” é genérica e dispensável. “Inside Out” é uma balada bem feita, mas igual à dezenas de outras canções, muito superiores por sinal, que Madonna gravou em sua carreira, o mesmo acontecendo com “Wash All Over Me”, que encerra o tracklist normal de forma nada memorável.

Chegamos nas cinco faixas extras da edição deluxe. “Best Night” é uma balada muito superior às duas anteriores e deveria estar no tracklist principal. “Veni Vidi Vici” conta com a participação do rapper Nas e apresenta uma sonoridade poucas vezes ouvida em um álbum de Madonna, com inserções acústicas intercaladas com batidas eletrônicas muito bem produzidas. “S.E.X.” vem direto do universo de Erotica e é um pecado que não tenha entrado na lista de faixas principais do disco, pois é excelente e traz Madonna revisitando, de forma inspiradíssima, uma de suas eras mais marcantes. O nível segue alto em “Messiah”, linda composição que poderia ter virado um enorme sucesso se tivesse sido trabalhada pela gravadora, enquanto “Rebel Heart” é um delicioso pop levado ao violão e que traz uma sonoridade orgânica, viva e até mesmo inocente.

Assim como Hard Candy e MDNA, Rebel Heart é deixado meio de lado na discografia de Madonna, mas é um disco que, apesar de algumas faixas equivocadas e da duração além da conta, possui muitas qualidades. Um trabalho mais afiado na escolha do tracklist certamente teria feito a diferença, já que algumas de suas melhores canções entraram apenas na edição deluxe. Tal qual seus dois antecessores, Rebel Heart é um álbum que reserva agradáveis surpresas para quem se aventurar por suas faixas, e mostra uma Madonna pulsante e conversando com uma nova geração de músicos, ainda que não acerte em todas as tentativas.


Comentários

  1. Eu gosto muito desse álbum, apagou a péssima impressão que o MDNA deixou em mim. A faixa "Beautiful Scars" é de uma beleza e leveza singulares. Vale destacar que esse é o famoso álbum "vazado" da Madonna: meses antes de seu lançamento, a maioria das faixas foram parar na internet, gerando revolta na artista e em sua gravadora, que afirmaram na época que as faixas ainda não estavam prontas e que algumas eram apenas "demo", o que levou a artista e seus produtores a continuarem no estúdio, mudando mixagens, melodias, andamentos, instrumentos, enfim, atrasando a previsão inicial de lançamento, mas ao ouvir as faixas "vazadas" e as que foram "retrabalhadas" para entrar no álbum, percebe-se que não é bem assim, sendo que algumas dessas faixas ditas "vazadas" são bem superiores às que foram parar no álbum. Para o meu gosto pessoal, essas faixas "piratas" são bem melhores, a canção "Rebel Heart" é um exemplo mesmo, sua versão "pirata" é sensacional!

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