A Crypta chega ao seu segundo álbum já consolidada como uma das bandas mais promissoras do metal mundial. Sim, o impacto – e a representatividade - do quarteto formado por Fernanda Lira (vocal e baixo), Tainá Bergamaschi (guitarra), Jéssica di Falchi (guitarra) e Luana Dametto (bateria) desde o início foi muito além das fronteiras brasileiras, em grande parte pelo excelente trabalho da gravadora austríaca Napalm Records, que levou a música poderosa da banda ao público de todo o mundo.
Shades of Sorrow mostra uma grande evolução em relação ao disco de estreia, o ótimo Echoes of the Soul (2021), com o grupo soando ainda mais técnico, em um upgrade que passa pela experiência da estrada e pela adição da excepcional Jéssica di Falchi no lugar de Sonia Anubis. A produção também mudou de mãos, com Rafael Augusto Lopes assumindo o lugar de Thiago Vakka, enquanto os ótimos Daniel Bergstrand e Jens Borgen assumiram a mixagem e masterização, respectivamente. O álbum foi gravado em fevereiro no Family Mob Studios, em São Paulo, mesmo lugar do disco de estreia. A edição gringa é da Napalm, e a nacional saiu pela Shinigami Records em um digipack de três faces com laminação de brilho e encarte de vinte páginas com todas as letras.
O grande mérito da Crypta é fazer death metal para um público que vai além do death metal. O som da banda, apesar de extremo, possui a rara capacidade de conquistar também fãs que não necessariamente consomem o gênero. O próprio crescimento do quarteto mundo afora é reflexo disso. Então elas são acessíveis? Não, muito pelo contrário. Shades of Sorrow mantém as principais qualidades do disco de estreia – o primor instrumental, a locomotiva percussiva, as melodias onipresentes e a paixão evidente – e dá um passo à frente, explorando ainda mais influências antes apenas sutis, como o clima black metal presente em diversos momentos.
O trabalho de composição, creditado à toda a banda, é exemplar, com as canções variando entre rapidez e groove, além de breakdowns marcantes, sempre com uma dinâmica saudável e orgânica, que contrasta com a mecanicidade recorrente na maioria das bandas de metal extremo. O resultado é um álbum ainda mais forte, técnico e criativo que o anterior, além de trazer um clima mais sombrio e denso nas composições.
Individualmente, Fernanda Lira equilibra melhor os timbres de sua voz, trazendo mais momentos graves nos vocais, ainda que a pegada mais aguda siga protagonista – a música de abertura, “Dark Clouds”, exemplifica bem isso. Seu baixo soa mais na cara do que em Echoes of the Soul, e o melhor exemplo está em “Poisonous Apathy”. Tainá Bergamaschi e Jéssica di Falchi fazem um trabalho merecedor de todos os elogios, com riffs fortes, melodias cativantes, harmonias inspiradas e complementares, e solos que variam entre a inspiração em metal clássico já apresentada no primeiro álbum e outros onde a técnica absurda de ambas se mostra de forma evidente. Tainá e Jéssica formam uma dupla única, com uma sinergia intrínseca, e o que ambas fazem nesse disco é excelente em todos os sentidos. Ambas são grandes revelações em seus instrumentos, e se colocam como referências entre instrumentistas. E Luana Dametto, que havia sido o grande destaque da estreia, mais uma vez mostra porque é uma das melhores bateristas da atualidade, com linhas criativas e variadas durante todo o play.
Entre as músicas, destaque para o peso, velocidade e agressividade de “Dark Clouds” (na linha do hino “Starvation”), o arregaço rítmico e as guitarras incríveis de “The Outsider”, “Strongohold” (uma das melhores músicas da carreira da banda, com harmonias e solos de guitarra mais uma vez sensacionais e uma aproximação clara com o black metal), “The Other Side of Anger” (onde a maturidade musical do quarteto fica evidente), a espetacular “Trail of Traitors” (outra das melhores canções que a banda já gravou) e a fortíssima “Lord of Ruins”, que encerra o álbum com melodias de guitarra que não saem da cabeça tão cedo. Vale mencionar que o álbum conta com três pequenas faixas instrumentais compostas e executadas pelo pianista Pablo Greg – uma introdução, um interlúdio e o fechamento -, que ajudam a dar uma espécie de carga cinematográfica e dramática ao disco, além de funcionarem como respiros durante a audição.
Shades of Sorrow não só soa ainda melhor que Echoes of the Soul, como mostra a Crypta com uma formação mais eficiente e afiada. A chegada de Jéssica di Falchi fez muito bem à banda, que gravou um disco sem pontos fracos, redondo do início ao fim.
Pode não ser o death metal mais inovador e nem o mais técnico que você já ouviu, mas certamente é um dos mais cativantes que você terá contato. Fortíssimo candidato a melhor álbum de 2023.
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