Lois Lane vs. fake news


É comum apontar como principal diferença entre os universos DC e Marvel o distanciamento da realidade percebido de forma mais evidente na DC Comics e em níveis menores na Marvel, com a primeira retratando deuses e a segunda mostrando personagens mais próximos dos leitores – não por acaso, as histórias da DC se passam em cidades fictícias como Gotham e Metropolis, enquanto as da Marvel são vividas em Nova York e outras metrópoles do mundo real.

Mas isso não quer dizer que a DC não retrata a realidade em suas HQs, muito pelo contrário. Um dos maiores exemplos é Gotham DPGC, série escrita pela dupla de roteiristas Greg Rucka e Ed Brubaker focada nos policiais de Gotham e em como eles fazem o seu trabalho vivendo na mesma cidade do Batman e que é habitada por uma das mais conhecidas galerias de vilões dos quadrinhos. Um dos autores da série, Greg Rucka, voltou a um tema semelhante em Lois Lane: Inimiga do Povo, mas agora abordando sobre outro tema recorrente da atualidade: o jornalismo.

Publicada nos Estados Unidos em doze volumes mensais entre setembro de 2019 e agosto de 2020 e reunida em um encadernado de capa dura com 296 páginas lançado no Brasil no final de 2020, Lois Lane: Inimiga do Povo traz Rucka retomando histórias urbanas e investigativas, e é uma HQ bastante recomendada para quem gostou da leitura de Gotham DPGC. O roteiro mostra Lois Lane mergulhando em uma grande investigação sobre propinas e corrupção no governo norte-americano, abordando inclusive temas como os campos de contenção de imigrantes implementados pelo então presidente Donald Trump, que separaram pais e filhos - muitas vezes crianças pequenas - que buscavam na América a tão sonhada liberdade que não encontravam em suas terras natais.


O grande trunfo da série é se distanciar de uma HQ típica de super-heróis ao ter como personagem central a própria Lois Lane, que, apesar de ser esposa do Superman e ter um filho que assume o posto do pai, não quer a ajuda da sua super poderosa família para fazer o seu trabalho. O super poder de Lois é o jornalismo, profissão que foi atacada – e segue sendo, ainda que em menor grau – nos governos recentes tanto nos Estados Unidos quanto aqui no Brasil, com recorrentes campanhas contra todo e qualquer profissional que ousasse ir contra os então mandatários desses países. As táticas mostradas por Rucka na HQ são as mesmas que vimos na vida real: assassinatos de reputações, ataques ao mensageiro e não à mensagem, proliferação de fake news, o efeito manada das redes sociais e outras estratégias que todos conhecemos bem.

A arte de Mike Perkins é similar ao estilo que Michael Lark desenvolveu em Gotham DPGC, com os tons amarelos sendo substituídos pelo azul e magenta. Essa narrativa visual dá um ar de veracidade para o quadrinho, distanciando-o da fantasia onipresente nas histórias de super-heróis.



O único problema de Lois Lane: Inimiga do Povo é a súbita transformação de uma trama urbana e fortemente apegada à realidade em uma história que, sem aviso, se joga em um universo imaginativo que não condiz com tudo que estava sendo construído até então. Isso acontece na segunda metade da trama, quando mergulhamos, sem um contexto previamente construído, em conceitos como multiverso e suas derivações, algo que soa claramente como uma interferência editorial para conversar com o que estava acontecendo nas histórias do Superman – escritas por Brian Michael Bendis no período. No entanto, apesar deste deslocamento do que estava sendo contado, Rucka consegue retomar o controle da história e apresenta um fechamento muito bem feito, e coerente, de toda a trama.

Pouco comentada, Lois Lane: Inimiga do Povo é uma ótima HQ que aborda as transformações e os desafios que o jornalismo precisou enfrentar nos anos recentes, e faz isso através de um texto muito bem escrito – os diálogos presentes nas páginas 100 e 101 são a maior prova disso – e uma narrativa gráfica condizente com o que está sendo contado. Se você quer ver a DC Comics falando sobre algo mais próximo da realidade, está aqui uma das leituras mais recomendadas.

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