Quadrinhos: Ministério, de Francisco Solano López e Ricardo Barreiro (2023, Comix Zone)


O boom de editoras especializadas em quadrinhos que o mercado brasileiro tem vivenciado nos últimos anos vem proporcionando a publicação de uma enorme variedade de títulos, muitos deles não apenas inéditos por aqui como até mesmo impensáveis de serem lançados no Brasil há alguns anos.

Ministério é um desses casos. Escrita por Ricardo Barreiro (Cidade, Parque Chas, Avrack), ilustrada por Francisco Solano López (O Eternauta, Evaristo) e publicada originalmente na Argentina entre os anos de 1986 e 1987 nas páginas da revista Fierro, a história foi reunida de forma integral pela Comix Zone em uma edição de capa dura, formato 21x28,5 e 96 páginas em papel offset de alta gramatura. A tradução é de Jana Bianchi, e a edição brasileira traz na capa uma ilustração do também argentino Oscar Chichoni.

O que temos em Ministério é uma das maiores críticas sócio-políticas dos quadrinhos, contada através de uma distopia em que os últimos sobreviventes da Terra vivem em um imenso arranha-céu de 5 mil andares e 15 quilômetros de altura. Essa sociedade hermética possui uma clara divisão entre elite e trabalhadores, com os burocratas milionários vivendo nos andares superiores e a massa trabalhadora se espremendo nos inferiores. Essa divisão é supervisionada por uma força policial truculenta e que, de tempos em tempos, sequestra belas e jovens mulheres para satisfazerem os desejos mais doentios dos membros da Hierarquia, a elite que dita as regras no Ministério.


A trama se desenvolve a partir de uma das iniciativas desse Serviço de Segurança, não por acaso conhecido como SS e trajando uniformes inspirados no serviço secreto de Adolf Hitler, que ao sequestrar um grupo de garotas provoca a raiva de um jovem, que inicia uma rebelião. De modo geral, Ministério é uma grande metáfora sobre a luta de quem é explorado por governos autoritários, e conversa de forma direta com as ditaduras militares que infestaram a América Latina durante as décadas de 1970 e 1980. O país natal dos autores, a Argentina, viveu um dos mais violentos e sanguinários regimes do período, e Ministério é fruto direto disso. É interessante perceber que, mesmo o Brasil também vivenciando uma ditadura militar na mesma época, a produção de quadrinhos em nosso país não refletiu isso, pelo menos não de forma tão variada e incisiva quanto o que os quadrinistas argentinos fizeram.

Ministério é uma história pesada e que apresenta vários momentos chocantes e de revirar o estômago. O roteiro de Barreiro é, de modo geral, econômico, utilizando de alguns pulos temporais ou explicações mais diretas para explicar pontos que não são mostrados na arte. Já as ilustrações de Solano López mostram porque o argentino foi um dos grandes artistas de seu tempo.

Mais um belo lançamento da Comix Zone, que tem se destacado por construir um catálogo de títulos que, ao mesmo tempo em que investe em títulos de fantasia, não abre mão de trazer diversos quadrinhos com forte apelo político e social. Afinal, é lendo que a gente cresce, evolui e aprende a não repetir os erros do passado.


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