Quadrinhos: Um Inimigo do Povo, de Javi Rey (2023, QS Comics)


Um Inimigo do Povo
nasceu como peça de teatro escrita pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen em 1882, e trata-se de uma crítica a como a política e o poder econômico são capazes de convencer – e vencer – praticamente qualquer opinião contrária. Não à toa, uma das mais famosas frases da humanidade é “todo homem tem seu preço”. Ibsen prova isso.

Encenada inúmeras vezes ao longo das décadas e transformada em livro, Um Inimigo do Povo foi adaptada para os quadrinhos pelo belga Javi Rey em 2022, e um ano depois essa adaptação foi publicada no Brasil pela QS Comics em um belo álbum de 148 páginas em capa dura e tradução de Alessandra Bonrruquer.

Não conhecia a obra original de Ibsen, portanto meu contato com a história se deu pelas mãos de Rey. Em primeiro lugar, é preciso elogiar as belas ilustrações e a colorização da HQ. O estilo de arte de Javi é bem singular, com uma identidade bastante própria e que faz com que o quadrinho possua uma atmosfera só dele. Isso, somado às cores inspiradas e que exploram desde opções mais realistas até páginas mais livres deste compromisso, principalmente as que têm o magenta como tom predominante, faz com que o material tenha um resultado estético muito bonito.

Já em relação ao roteiro, vemos a história de dois irmãos, o Dr. Thomas e o Prefeito Peter, que juntos criaram um balneário de águas termais em uma pequena ilha, e o empreendimento rapidamente se tornou não apenas o principal impulsionador da carreira política de Peter como a grande fonte de renda do lugarejo. Até que Thomas descobre que decisões equivocadas tomadas para viabilizar o balneário cobraram o seu preço, com as águas pretensamente curativas se revelando a causa de diversas doenças. A revelação dessa informação dá início a uma guerra de narrativas entre os dois irmãos, em uma disputa não muito distante das que vemos praticamente todos os dias na política brasileira, norte-americana, europeia e de praticamente todos os países ao redor do globo. Ibsen e Rey não são nada sutis em mostrar como, no fim das contas, o que importa é sempre o interesse pessoal e nunca o bem comum, e isso é demonstrado através de personagens que vão tendo suas crenças supostamente inabaláveis sendo derrubadas conforme a história se desenvolve.

Mesmo tendo sido encenada pela primeira vez há mais de 140 anos, Um Inimigo do Povo continua sendo uma das críticas políticas mais contundentes já publicadas, e a adaptação em quadrinhos não só mantém a força do texto original de Henrik Ibsen como amplifica o seu alcance através do trabalho primoroso e inspirado de Javi Rey.

Tem gente que acredita que não se deve misturar política com quadrinhos, música e qualquer outra manifestação cultural. Isso é um grande erro, pois a própria necessidade que autores, ilustradores, músicos e artistas possuem de expressar suas emoções é motivada pelas experiências que cada um deles vive. E a vida, por mais que alguns insistam em dizer que não, está repleta de aspectos políticos, dos mais cotidianos aos mais complexos.

Excelente, atual e necessária leitura.


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