Quadrinhos: Ultimate Homem-Aranha, de Jonathan Hickman e Marco Checchetto (2024, Panini)


O conceito do eterno presente é usado desde sempre no universo dos super-heróis, e é facilmente explicável. Vamos pegar o caso do Homem-Aranha: criado nos anos 1960, o personagem mais popular da Marvel não envelheceu praticamente nada desde então. Dá pra dizer que Peter Parker tem vinte e poucos anos há quase sessenta anos. E isso acontece porque personagens como o Homem-Aranha se transformaram em grandes marcas da cultura pop e são cuidadas e tratadas como tal por suas licenciantes. Dá pra aplicar esse raciocínio ao Batman, ao Superman, aos X-Men, ao Hulk e a qualquer outro super-herói que você imaginar.

Isto, no entanto, não é seguindo por Jonathan Hickman em Ultimate Homem-Aranha. Aqui, conhecemos um Peter Parker com 35 anos, casado com Mary Jane e pai de dois filhos, Richard e May. E é justamente na idade adulta que Peter é picado pela aranha radioativa que muda totalmente a sua vida.

O projeto Ultimate, na verdade, foi criado pela Marvel nos anos 2000 como uma tentativa de atrair novos leitores, e foi um sucesso. No caso do Homem-Aranha, a série original, escrita por Brian Michael Bendis, iniciou com Peter Parker, mas após a morte do personagem o manto foi passado para o garoto Miles Morales, que se transformou em um dos personagens mais populares criados pela Marvel nas últimas décadas. Este universo, chamado de Terra 1610, foi extinto na mega saga Guerras Secretas de 2015, também escrita por Hickman, porém alguns de seus personagens foram trazidos para o Universo 616, que é onde as histórias da Marvel se desenvolvem. Um papo meio nerd, eu sei, mas necessário para contextualizar tudo.

O novo Ultimate Homem-Aranha é fruto dessa nova inciativa. Este volume traz as seis primeiras edições da história reunidas em encadernado de 160 páginas, todas escritas por Jonathan Hickman e com arte de Marco Checchetto e David Messina. Uma breve introdução situa o leitor antes da leitura, e então mergulhamos nesse Homem-Aranha pai de família.

O encadernado original publicado nos Estados Unidos tem o título de Married with Children, uma alusão à famosa série de TV dos anos 1980 que aqui no Brasil teve o título traduzido para Um Amor de Família. E a referência faz todo sentido, já que o ponto forte da trama, ainda que ela entregue bastante ação, está na relação de Peter Parker com sua família. Hickman constrói diálogos muito bons e que contrastam com a média do que encontramos nos quadrinhos de super-heróis. A relação de Peter com a sua filha May é um dos pontos altos. O roteirista explora o universo de personagens clássicos do universo do aracnídeo, porém inserindo ajustes que fazem todo o sentido em uma realidade onde Peter descobre os seus poderes já adulto e não quando adolescente. Assim, Ben Parker e Gwen Stacy, que perderam a vida na história do Homem-Aranha tradicional, aqui estão vivos. Isso, aliado interpretações diferentes de figuras como J. Jonah Jameson, o mal-humorado editor do Clarim Diário, dá um ar de frescor bem-vindo para a trama. Ben e Jonah, aliás, são os responsáveis por outro ponto alto do roteiro com seus diálogos sensacionais.

A arte de Checchetto é ótima, com um traço muito próprio e que dá uma identidade singular para a história. As ilustrações pulam das páginas, e ele usa muito bem a variação de diagramação, com quadros variando de tamanho. Uma pena que, das seis edições, duas não contem com sua arte, mas sim com a de David Messina, que é um bom artista, mas essa mudança dá uma quebra que não funciona muito bem.

Não sei para onde essa história irá se desenvolver, mas este primeiro volume é muito legal. É muito bom ver uma interpretação tão bem escrita do Homem-Aranha. Jonathan Hickman é um excepcional roteirista, e quando a editora dá liberdade para que ele desenvolva suas ideias, os resultados são invariavelmente ótimos.

Só espero que Ultimate Homem-Aranha, que começou muito bem, não tenha o mesmo destino da Era Krakoa dos X-Men, trabalho anterior de Hickman na Marvel, onde ele revolucionou totalmente os X-Men mas, contra todas as expectativas, teve seu trabalho praticamente invalidade pela própria Marvel, que após o final da saga decidiu retomar o status tradicional dos mutantes.


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