Review: Iron Maiden – A Real Live One (1993)


O Iron Maiden capitalizou bastante com a saída de Bruce Dickinson em 1993. Se era para perder o seu vocalista, que isso ao menos fizesse a banda encher os cofres. Além dos shows da turnê de despedida, o giro rendeu nada menos que três álbuns ao vivo: A Real Live One, A Real Dead One e Live at Donington. O primeiro foi o mais interessante deles e saiu em março de 1993 com um tracklist formado por canções que ainda não haviam ganhado versões ao vivo oficiais e vieram dos álbuns lançados após Live After Death (1985).

A Real Live One captura a energia e a intensidade das performances ao vivo do Iron Maiden durante a turnê de Fear of the Dark (1992), com 11 faixas gravadas em 9 cidades europeias diferentes – Helsinki, capital da Finlândia, comparece com três canções. Um dos aspectos mais importantes de A Real Live One, ao lado da decisão de focar em canções vindas dos álbuns recentes, foi a capacidade de transportar o ouvinte diretamente para um show do grupo. A produção, assinada pelo próprio baixista Steve Harris, contrasta com o som cristalino de Live After Death e carrega um pouco mais no peso e na crueza dos instrumentos, transmitindo uma forte sensação de autenticidade. E, ainda que esse seja um ponto bastante discutível em seu meio-irmão A Real Dead One, que possui uma sonoridade pouco melhor do que a de um bootleg, aqui Steve soube medir melhor as coisas e conseguiu entregar um álbum que capturou a atmosfera eletrizante dos shows e destacou a participação massiva do público.

O tracklist traz clássicos como “Can I Play with Madness” e “Fear of the Dark” dividindo espaço com faixas que jamais figurariam novamente em lançamentos ao vivo da banda (com exceção de Live at Donington, registrado durante a mesma turnê), mas igualmente poderosas, como “Be Quick or Be Dead”, “From Here to Eternity”, “Wasting Love”, “Tailgunner” e “Bring Your Daughter ... To the Slaughter”, o que por si só já faz do disco um registro único na longa discografia da banda.

Os destaques vão para a versão antológica de “Fear of the Dark”, gravada em Helsinki, e aqui registrada durante as suas primeiras execuções ao vivo. Um dos maiores clássicos do Iron Maiden, hoje a canção soa um tanto batida mas na época mostrava o seu imenso poder de cativar o público, e a performance ao vivo é ainda mais intensa, com a multidão cantando em uníssono. Em “Wasting Love” ouvimos a banda em algo singular em sua discografia, executando uma balada emocionante com uma letra tocante e uma melodia cativante. A versão ao vivo realça a emoção da música, com Bruce Dickinson entregando uma performance vocal impecável. “The Evil That Men Do” entrega doses generosas de melodia em uma performance que transborda de energia, e a canção, em si, exemplifica com precisão o que é a sonoridade do Iron Maiden. A banda experimenta um clima mais contemplativo na linda e subestimada “Afraid to Shoot Strangers”, outra com participação impressionante do público. Já “Bring Your Daughter ... To the Slaughter”, que surgiu primeiro na carreira solo de Bruce Dickinson, é uma espécie de hard rock com influência setentista e um refrão com poder para levantar mortos-vivos. O destaque final vai para “Heaven Can Wait”, um dos pontos altos de Somewhere in Time, que se solidificaria nos setlists dos shows nos anos seguintes, com direito à participação de convidados cantando os “ooo-oooo” juntos no palco.

A gravação de A Real Live One coincidiu com a saída de Bruce Dickinson, que ficaria fora do grupo entre 1994 e 1999, período em que o Maiden o substituiu por Blaze Bayley e gravou os controversos The X Factor (1995) e Virtual XI (1998). O cantor queria  explorar outras sonoridades e se dedicar à sua carreira solo, e mesmo tendo gravado durante este tempo trabalhos excelentes como Accident of Birth (1997) e The Chemical Wedding (1998), não conseguiu consolidá-la comercialmente. Com a banda enfrentando também uma baixa de popularidade, o retorno se tornou inevitável e foi oficializado em fevereiro de 1999.

Mesmo décadas após seu lançamento, A Real Live One continua sendo um dos álbuns ao vivo mais aclamados do Iron Maiden. Ele foi relançado em 1998 em uma edição dupla conjunta com A Real Dead One, rebatizada como A Real Live Dead One. Apesar de amado pelos fãs, não ganhou nova edição desde então, mesmo com a banda tendo relançado sua discografia, incluindo os ao vivo Live After Death e Rock in Rio (2001) em edições remasterizadas a partir de 2019.

Um álbum único que eternizou uma fase singular e conturbada do Iron Maiden, mas que, mesmo assim, sobreviveu ao teste do tempo e proporciona uma audição poderosa mesmo passados mais de trinta anos de seu lançamento.

O tempo pode passar, mas o poder da música do Iron Maiden continua atemporal.

 

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