O mais chocante em Bórgia é saber que grande parte do que é mostrado na HQ realmente aconteceu. Ainda que Alejandro Jodorowsky tenha admitido em entrevistas que ressaltou alguns pontos para tornar a narrativa mais interessante, ele partiu de fatos que ocorreram de verdade e transformaram os personagens de Bórgia em alguns dos nomes mais controversos da história da Igreja Católica.
Com roteiro de Jodorowsky e arte de Milo Manara, a série foi publicada originalmente em quatro volumes a partir de 2004, e saiu primeiramente no Brasil pela editora Conrad, também em quatro edições. Em 2023, a Pipoca & Nanquim reuniu todos os volumes em uma edição integral com 228 páginas, papel couchê e tradução de Fernando Paz, e que está atualmente esgotada.
A saga dos Bórgia já foi tema de livros, séries e filmes, porém a interpretação de Jodorowsky e Manara continua como uma das mais conhecidas e celebradas obras a respeito da família que marcou a história do Cristianismo, por motivos nada santos. A história se passa no século XV e começa quando o Papa Inocêncio VIII vive seus últimos momentos de vida. O ambicioso cardeal Rodrigo Bórgia quer assumir o posto como próximo Papa, e não poupa esforços para isso. A partir de então, mergulhamos em um turbilhão político e religioso acompanhando a ascensão de Bórgia ao topo do cristianismo, onde assume o nome de Alexandre VI em uma trajetória marcada por corrupção, nepotismo, violência e depravação.
A obra se tornou conhecida principalmente pelo alto teor erótico, mas vai muito além disso. O mais chocante é a comercialização da fé, como se fosse um produto, com a Igreja vendendo indulgências para os mais diversos crimes. O roteiro é muito ágil e prende o leitor com facilidade, enquanto a arte de Manara é magnífica, seja na recriação da Europa medieval ou na representação dos momentos mais violentos e sensuais.
A família Bórgia, encabeçada por Rodrigo/Alexandre VI, é complementada por César, Giovanni e Godofredo, além da sensual e quase mitológica Lucrécia, personagem central da trama ao lado pai. A forma como ela é retratada, seja na construção de uma figura com presença quase magnética quanto na beleza que Manara dedica à sua criação, é um dos pontos altos da obra. Sua presença parece sempre pular das páginas, evidenciando o poder de uma personagem que foi destaque também na vida real.Bórgia é uma HQ ótima e documenta um dos muitos momentos controversos da Igreja Católica. O ponto mais fraco, na minha opinião, é o final da trama, que se torna mais apressado em comparação ao restante da narrativa. A edição da Pipoca & Nanquim inclui um posfácio escrito pelo próprio Jodorowsky, além de longas biografias sobre os autores e uma bela galeria de ilustrações.
Vivemos uma grande variedade de títulos chegando ao mercado de quadrinhos todos os meses, e é preciso separar o joio do trigo, afinal é impossível ler e ter tudo. Invista no que vale a pena, e, nesse aspecto, Bórgia vale demais.
Leitura altamente recomendada.
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