Quando o Dream Theater lançou Awake, em outubro de 1994, o mundo da música era outro. O grunge ainda dominava as rádios, o metal tradicional vivia tempos difíceis e o progressivo, para muitos, era uma lembrança distante dos anos 1970. Dentro desse cenário, a banda norte-americana parecia fora de tempo — mas foi justamente esse descompasso que fez do terceiro disco do grupo uma obra tão singular.
Depois do sucesso inesperado de Images and Words (1992), impulsionado pelo hit “Pull Me Under”, o Dream Theater teve que lidar com a pressão da gravadora por um novo sucesso radiofônico. A resposta veio em forma de resistência artística: Awake é mais sombrio, denso e introspectivo, um mergulho profundo em dilemas existenciais e paisagens mentais turvas. É o álbum em que o Dream Theater troca o brilho neoclássico por uma tensão constante, refletindo o caos emocional de uma banda em transformação.
As guitarras de John Petrucci soam mais pesadas e secas, influenciadas por nomes como Metallica, Pantera e Alice in Chains. Kevin Moore, em sua despedida do grupo, adiciona camadas de teclado que mais sugerem do que preenchem — há uma melancolia quase opressiva em faixas como “Space-Dye Vest”, uma das mais emocionais de toda a discografia do grupo. Mike Portnoy explora ritmos complexos com naturalidade absurda, enquanto John Myung mantém tudo em equilíbrio com linhas de baixo precisas e elegantes.
O vocal de James LaBrie é outro destaque: mais contido, mais dramático, mais humano. Ele traduz o clima inquieto do disco em performances intensas como em “Caught in a Web”, “The Mirror” e “Lifting Shadows Off a Dream”. E se “6:00” abre o álbum com energia e virtuosismo, “Scarred” e “Innocence Faded” mostram uma banda que já dominava a arte de combinar peso, melodia e sofisticação técnica. E ainda há espaço para a monumental instrumental “Erotomania”, um dos maiores clássicos do grupo, vitrine para a musicalidade intensa proporcionada pela virtuosidade dos integrantes.
Awake foi recebido com certo estranhamento na época — e talvez por isso tenha envelhecido tão bem. É um trabalho que exige imersão, que não entrega tudo na primeira audição. Com o tempo, tornou-se um dos álbuns mais cultuados do Dream Theater e um ponto de virada para o metal progressivo dos anos 1990.
O álbum soa como o registro de uma banda em conflito criativo — e é justamente dessa fricção que nasce a sua grandeza. Awake mostra um Dream Theater mais humano, mais vulnerável e, paradoxalmente, mais poderoso. Um disco que desafia rótulos e permanece como uma das grandes obras-primas do metal progressivo moderno.
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