O Colecionador: o espelho de uma geração que guarda histórias na estante e se esquece de viver as suas (2025, Editora Hipotética)
Há quadrinhos que nascem para entreter, e há quadrinhos que nascem para encarar o leitor no espelho. O Colecionador pertence ao segundo grupo. Escrita por Djeison Hoerlle, com arte de Dieferson Trindade e cores de Juliano Dalbem, a HQ publicada pela Editora Hipotética mergulha fundo na mente de quem vive cercado de histórias, objetos e memórias — e começa a se perguntar por que ainda precisa de tudo isso.
O protagonista é Érico, dono de um sebo em Porto Alegre, que passa os dias entre pilhas de gibis, clientes excêntricos e o peso do próprio passado. Ele é um sujeito comum, mas visto de um ângulo que poucos têm coragem de explorar: o de quem percebe que suas paixões talvez tenham virado cárcere. A HQ combina humor ácido, melancolia e crítica ao mercado de quadrinhos, traçando um retrato tanto pessoal quanto coletivo do universo dos colecionadores e do cenário de quadrinhos em todo o Brasil, em tempos em que gibitubers são mais famosos que autores e que o acabamento gráfico tem mais importância do que a história.
Hoerlle acerta ao construir uma narrativa de ritmo íntimo e cadenciado. Há algo do Nick Hornby de Alta Fidelidade na forma como Érico observa o mundo e organiza a vida como se fosse uma prateleira, mas também um toque de Daniel Clowes e do melhor quadrinho de autor brasileiro contemporâneo, aquele que se arrisca a falar de solidão, luto e propósito.
A arte de Dieferson Trindade acompanha essa densidade com traço expressivo, detalhado e humanizado. As cores de Juliano Dalbem reforçam o contraste entre o calor do cotidiano e o frio das lembranças, criando uma atmosfera quase cinematográfica. O resultado é uma HQ de estética madura e coerente, que combina introspecção e observação social.
O Colecionador funciona como reflexão sobre o próprio ato de colecionar, questionando onde termina o amor por algo e onde começa o apego. É um comentário direto sobre a cultura do colecionismo, sobre o ciclo de compra e descarte que move o mercado — e, por extensão, sobre o modo como preenchemos vazios com objetos.
Mais do que um retrato do fã de quadrinhos, O Colecionador é um espelho do leitor moderno: aquele que acumula, classifica e preserva histórias na tentativa de dar sentido à sua. Um trabalho sensível, corajoso e necessário, e um dos quadrinhos brasileiros mais relevantes lançados em 2025.


Ótima dica, vou colocar na minha lista!
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