Vinil: no meio do caminho tinha um disco

Comprei um toca-discos novo. Um Pioneer PL 600 japonês. O dono era um estudante que morava nos Estados Unidos, voltou para Florianópolis e não o usa mais. Está estalando de novo. Uma delícia. Liguei o dito cujo no receiver do meu Gradiente System 96 e agora é só alegria. Queria um prato separado, independente, e como o toca-discos do Gradiente vem acoplado no móvel que sustenta todo o system, encontrei exatamente o que estava procurando. E, motivado por isso, a busca por LPs segue firme e forte. 

Sábado sempre foi o dia de comprar discos, e de uns tempos pra cá essa tradição se estabeleceu de vez. Depois da correria da semana, nada melhor que relaxar no sétimo dia buscando novos itens para rodar.

Aqui em Floripa existem alguns sebos interessantes. Um deles fica na Lagoa da Conceição. A Lagoa, pra quem não sabe, é o bairro mais boêmio, mais festivo e mais relax da ilha. Lá, as coisas são contrastantes. Enquanto de um lado tudo parece andar em câmera lenta e ao som sempre esfumaçado do reggae, do outro vemos turistas de todo o Brasil e do mundo afogando o stress e bebendo demais bem longe de seus lares.

Existe uma praça bem no centrinho da Lagoa. Nesta praça rola uma feirinha. E, atrás desta praça, há um sobrado de madeira. Neste sobrado fica o sebo que falei. Ele se chama BL Som, e, além dos discos, vende também instrumentos musicais e aparelhos de som antigos.

Sábado, saí de cada aí pelas 10 da manhã e fui pra lá. Cheguei, dei uma caminhada pelo lugar, fiquei viajando enquanto olhava o mar e seus horizontes. Isso abriu o apetite, que foi devidamente derrotado com um saboroso churrasco acompanhado de algumas cervejas geladas. Até que, à uma da tarde, a BL finalmente abriu. Subi lá e encontrei um dos donos, um senhor carioca que aparenta ter mais de 70 anos. Como sempre, ele estava ouvindo Paul Chambers, um dos grandes baixistas da história do jazz e que é a trilha oficial dos sábados por lá.


A loja fica no segundo piso do sobrado, e a entrada é pela lateral. Dentro da BL, há dois pontos recheados de vinis. Primeiro, você deve entrar dentro da loja, que é uma espécie de corredor estreito e comprido. Lá no fundo ficam duas grandes caixas de LPs. Esses são, teoricamente, os melhores discos da loja. Uma das caixas tem apenas artistas internacionais, enquanto a outra é dedicada à música brasileira. E ambas estão em ordem alfabética. Tem coisas ótimas ali dentro, o garimpo é sempre gratificante, com muitos vinis das primeiras prensagens nacionais, produzidas durante a década de 1970. Nestas caixas, os preços variam de R$ 30 até R$ 150 - o item mais caro é um The Last Waltz nacional, triplo, prensagem da época e em perfeito estado.

Depois de fuçar nestas duas caixas, mude o seu foco para um expositor que fica no lado de fora da loja. Como ela fica no segundo piso, há uma área livre no sobrado, e lá está um móvel com cinco áreas que mais parecem pequenas caixas, recheadas de vinis. Nesse local você irá encontrar LPs mais baratos do que aqueles que estão lá dentro. Os preços variam de R$ 5 a R$ 70 - o item mais caro era um Live After Death, o duplo ao vivo clássico do Iron Maiden, na edição nacional lançada durante a década de 1980.

Neste sábado, como já tinha pegado alguns itens das caixas de dentro em visitas anteriores, me concentrei nas caixas externas. E lá fiz um pequeno rancho. Levei para casa o duplo Rattle and Hum (1988) do U2, o sensacional Ringo (1973) (na edição brasileira de 1974, com direito ao lindo livro com ilustrações de Klaus Voormann), o segundo do Ed Motta (Um Contrato com Deus, de 1990), o único disco solo do baterista Alan White (Ramshackled, lançado em 1976, com participação de vários colegas do Yes e uma linda capa em alto relevo) e o Kick (1987) do INXS. De brinde, ganhei de presente a edição nacional do segundo álbum solo do baterista Billy Cobham, Crosswinds, lançado em 1974.



A tarde de sábado e o restante do final de semana foram regados à muita música, como vocês devem imaginar. Mas o que mais me chamou a atenção foi o reencontro com dois discos que eu não ouvia há muito tempo. O primeiro foi o Rattle and Hum, do U2. Que álbum fabuloso! Fechando a primeira década de sua carreira, a banda liderada por Bono e The Edge mergulhou na cultura norte-americana e saiu de lá com um trabalho que explora as mais variadas sonoridades nascidas nos Estados Unidos. Tem blues, tem soul, tem rock, tem funk. E tem momentos que me trouxeram de volta memórias que julgava esquecidas, principalmente ao ouvir novamente a arrepiante versão de “I Still Haven’t Found What I’m Looking For”.


Mas um outro disco me tocou ainda mais fundo e fez com que eu me lembrasse de experiências deliciosas. Kick, sexto álbum da banda australiana INXS, lançado em 19 de outubro de 1987. O disco que mudou a vida do grupo. Lembro exatamente quando comprei este LP pela primeira vez. Tinha um cara que viajava pelo interior do Rio Grande do Sul com uma Fiorino abarrotada de discos. Ele devia trabalhar em uma distribuidora, e chegava nas lojas das cidades com novidades. Em Espumoso, que sempre foi uma cidade pequena, ele chegava e a gente já sabia. Eu morava perto da única loja de discos que havia lá, então ao ver o carro já ia junto pra dentro dele escolher os LPs que eu queria. E foi assim que coloquei as mãos em Kick. Nunca tinha ouvido falar da banda, mas gostei da capa. Deve ter sido um dos primeiros álbuns pop que comprei na vida. Adorei e virei fã da banda. E o meu vinil original rodou tanto que chegou a quase furar, com direito a uma capa repleta de frases escritas em uma noite de bebedeira ao lado de companhias agradáveis.

Fazia, literalmente, décadas que não escutava as músicas de Kick. E como elas continuam incríveis! As doze faixas do álbum são um desfile de sucessos impressionante. Cinco delas (quase a metade) se transformaram em singles que tocaram (e venderam) até dizer chega: “New Sensation”, “Devil Inside”, “Need You Tonight”, “Never Tear Us Apart” e “Mistify”. Além delas, músicas excelentes como “Guns in the Sky”, “Mediate”, “Kick” e “Tiny Daggers”. Tudo isso em apenas um disco!

Com quase 26 anos de idade, Kick continua soando muito bem. Ele não envelheceu e não soa datado em nenhum momento. E a performance do falecido vocalista Michael Hutchence é sublime, cantando como nunca.

Kick mudou a carreira do INXS. Foi o ponto de virada na vida dos australianos, os transformando em uma banda de sucesso em todo o planeta. E mudou a minha vida também, ao mostrar que música de qualidade também existia fora do heavy metal, o que era uma surpresa para um garoto de 15 anos e que achava que apenas guitarras distorcidas faziam sentido.

Um chute na cabeça, e que continua ressoando até hoje.

Por Ricardo Seelig

Comentários

  1. Puts... Acabei de vender 2 rádios meu pra comprar um novo e um toca discos separado também...

    Essa matéria só instigo mais ainda pra pegar meu toca discos logo!!

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  2. Eu tenho um Philips GA212. Já gosto dele e ainda achei uma foto do Jimmy Page ouvindo música com um igualzinho, agora que não largo mais o aparelho...hehehe

    Meu receiver também é Gradiente, mas um Model 900.

    Do System 96 tenho o toca-discos e o toca-fitas. Logo vão para o conserto.

    Vou arrumar eles porque eram do meu tio e tenho lembranças desse aparelho da minha infância, principalmente quando ele escutava o Speak of the Devil e eu saia correndo com medo da capa. Nem sonhava que aquele disco ia rodar muito nas minhas mãos.

    Histórias, por isso amo vinil.

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  3. Eu tinha um Sony "tudo" em 1 também, aparelho velho de guerra esse viu...

    Mas a tecnologia e o espaço físico me fizeram abrir mão dele(e do outro que usava para ouvir mp3) e comprar um som mais simples, que toque só cd e um toca discos separado, esse aqui ó:

    http://www.kabum.com.br/produto/30291/ion-toca-discos-de-vinil-c-conversor-digital-usb-quickplayfl/?tag=toca%20discos

    Sabadão irei no sebo aqui na minha cidade ver o que consigo!!

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