Review: Iggy Pop - Free (2019)



Roqueiros de todas as idades já experimentaram ao menos um pouco do caos, destruição, irreverência inquieta e outros sabores fornecidos pelo cantor Iggy Pop nos últimos cinquenta anos, seja através de sua seminal banda de proto-punk The Stooges ou de sua extensa e diversificada carreira solo. Após uma bem-sucedida parceria com Josh Homme (Queens of the Stone Age) em Post Pop Depression (2016), Iggy resolveu se isolar do rock and roll e traduziu essa fuga através de um inesperado álbum meditativo, Free.

A suavidade nunca foi o forte do nosso querido e alucinado Iggy, mas aqui ele elevou o potencial jazzístico do fraco Préliminaires (2009) e finalmente encontrou o tom certo de minimalismo e serenidade. Sua voz grave e cansada se mostra tão anestesiante quanto a de um Nick Cave em seus momentos mais soturnos. E os arranjos trazem guitarrinhas econômicas, camadas eletrônicas meio new age e alguns curiosos naipes de metais. Já as letras abordam temas que vão do amor à mortalidade, seja de forma melancólica ou irreverente.

O trabalho é consistente o bastante em sua primeira metade. A ótima “Loves Missing” evoca a sonoridade repetitiva e noturna do Interpol (leia-se Joy Division), enquanto que a estrutura meio torta de “Sonali” nos lembra um daqueles bons momentos jazzísticos do Radiohead. Simplicidade e repetitividade também são acertos na divertidíssima “James Bond”, canção em que um vulnerável Iggy precisa da proteção de uma 007 feminina. “Dirty Sanchez” também traz letras engraçadas, através de uma marchinha que é suave e energética ao mesmo tempo.

Após o fusion flutuante e crescente da boa balada “Glow in the Dark” as coisas mudam de rumo, e aí temos o ato mais irregular do disco, com músicas praticamente recitadas e desprovidas de qualquer percussão. “Page” possui suas qualidades harmônicas, mas escorrega na cafonice. E a trilogia de poemas sombrios “We Are the People” (de Lou Reed), “Do Not Go Gentle Into That Good Night” (de Dylan Thomas) e “The Dawn” podem transformar a meditação do ouvinte em uma soneca certeira.

No fim, apesar de suas irregularidades, Free é um álbum gostoso de ouvir em seus 34 minutos de rock suave, jazz esquisito e baladas etéreas. Recomendo, em especial, uma audição atenta entre a noite e madrugada, após um árduo dia de trabalho. Esse é um trabalho que te convida ao retiro espiritual do Iggy Pop, onde podemos contemplar a vida mas sem esquecer de uma pequena dose de angústia sincera. O velhinho Iggy está cansado sim, mas ainda está vivo e livre.

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