Por Marcos A. M. Cruz
Colecionador
Editor do Whiplash! Rock e Heavy Metal
Normalmente na vida passa-se por três estágios bem definidos: a infância, quando a grosso modo somos inocentes, ingênuos, sem nenhuma preocupação maior a não ser satisfazer nossos instintos primários; a idade adulta, quando ampliamos de forma descomunal nosso campo de percepção, nos deparando com inúmeras coisas que sequer sonhávamos existir, mas, em contrapartida, os problemas e preocupações atingem níveis muito mais profundos (juntamente com nossa capacidade de entender e solucioná-los); e por último a velhice, que de modo geral, além de contar com todas as características da idade adulta, ainda vem acompanhada do temor da morte, problemas físicos, etc (estes infelizmente até hoje sem solução).
Normalmente na vida passa-se por três estágios bem definidos: a infância, quando a grosso modo somos inocentes, ingênuos, sem nenhuma preocupação maior a não ser satisfazer nossos instintos primários; a idade adulta, quando ampliamos de forma descomunal nosso campo de percepção, nos deparando com inúmeras coisas que sequer sonhávamos existir, mas, em contrapartida, os problemas e preocupações atingem níveis muito mais profundos (juntamente com nossa capacidade de entender e solucioná-los); e por último a velhice, que de modo geral, além de contar com todas as características da idade adulta, ainda vem acompanhada do temor da morte, problemas físicos, etc (estes infelizmente até hoje sem solução).
Quando se passa de uma fase à seguinte, há períodos de transição, no qual ainda não somos nem uma coisa nem outra. No caso específico da infância e idade adulta, há entre elas a adolescência, período no qual mantemos características de ambas simultaneamente; nesta época geralmente nos tornamos rebeldes e contestadores, ao mesmo tempo em que vamos absorvendo tudo que acontece ao nosso redor.
Pois bem, se considerarmos o rock como algo de certa forma orgânico (face tratar-se de uma manifestação artística, e como tal refletir nossas sensações), podemos estabelecer uma analogia com a existência humana, inclusive de forma cronológica! Afinal, nascido no início da década de cinquenta, nos primeiros anos vamos encontrar apenas características, digamos, “infantis” em sua expressão, pois inicialmente seu objetivo único era a diversão pura e simples, tal qual uma criança que literalmente vive para brincar.
Porém, com o passar do tempo, da mesma forma que uma pessoa vai crescendo e tomando contato com experiências diferentes e se vê despertando para o mundo que a cerca, o rock foi aos poucos incorporando elementos sérios em sua arte, além de absorver cada vez mais as vibrações correntes no mundo.
Aliado à isto há o fato da década de sessenta ter sido especial, pois naqueles anos ocorreram profundas mudanças, principalmente comportamentais, que mexeram com praticamente toda a população ocidental do planeta, notadamente os jovens, que naturalmente estão mais abertos a mudanças. E o rock, à época praticado de/e para a juventude, consequentemente foi uma das manifestações artísticas que mais refletiram este estado de espírito, onde todo e qualquer experimentalismo era válido em busca de uma alternativa ao que era considerado tradicional.
Até meados da década (quando o rock teria algo em torno de 13, 14 anos de idade) de modo geral não havia uma preocupação maior com a arte em si, pois seu objetivo era apenas o entretenimento; as letras raramente iam além do “rapaz ama garota” e suas variações, e a parte instrumental, com raras exceções, servia apenas como mero acompanhamento para alguém que estivesse cantando. Eis que por volta de 1965/1966 começaram a surgir alguns artistas que ansiavam romper esta barreira, ora discursando sobre temas mais profundos, ora imprimindo um pouco mais de virtuosismo, ou mesclando diversos elementos na parte musical.
Embora as mudanças de uma fase à outra não ocorram de forma brusca, geralmente há algum fato ou acontecimento que marca esta transição, pois o ser humano tem a necessidade de estabelecer determinadas datas ou acontecimentos para melhor situá-los; sendo assim, sempre há algo que fica marcado em nossas vidas como um marco da transição para a fase adulta: pode ser o primeiro beijo ou ato sexual, o primeiro porre, ou algo totalmente insignificante visto sob o prisma de quem está do lado de fora, mas que marca profundamente quem o vivenciou. Tanto que em algumas culturas existem certos ritos de passagem para a idade adulta; entre nós há o baile de debutantes para as meninas e o serviço militar para os meninos.
E o rock, naturalmente, também tem os seus marcos. Um dos maiores deles, que selou definitivamente esta passagem da infância para a fase adulta, foi o lançamento, no primeiro dia do mês de junho de 1967, de Sgt Pepper´s Lonely Hearts Club Band pelos Beatles.
A própria banda já vinha ensaiando uma ruptura com o padrão yeah yeah yeah desde Rubber Soul, de 1966, contudo foi nesse trabalho que o quarteto expandiu até o limite do imaginável o caráter experimentalista e ousado que marcou a produção artística deste período, graças a uma série de fatores. Em primeiro lugar, na época eles já eram os "Beatles", portanto qualquer coisa que fizessem teria venda certa e garantida; em segundo, dinheiro era o que não faltava, portanto qualquer loucura podia ser levada a cabo, além de que isto possibilitava acesso a todos os recursos técnicos disponíveis, e por outro lado possibilitava o acesso às drogas, principalmente as alucinógenas, que embora, obviamente, tenham como efeito colateral após algum tempo a total inapetência do usuário para qualquer tipo de atividade, no início ajudam a expandir a mente e desbloqueá-la de todos e quaisquer conceitos pré-estabelecidos; por fim, impossível negar a grande capacidade dos cabeludos de Liverpool de misturar tudo isto, reciclar e nos devolver em forma de música!
No início daquele mesmo ano os Beatles haviam lançado um compacto com “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever”, que em suas tinturas psicodélicas antecipavam um pouco do conteúdo do que estava por vir, pois foram gravadas nas mesmas sessões de Sgt Pepper’s, sessões estas que se iniciaram em dezembro de 1966 e terminaram em abril de 1967, totalizando mais de 700 horas de estúdio!
Já foram escritos vários livros sobre o álbum, portanto será impossível descrever em detalhes neste curto texto os meandros técnicos que o tornaram revolucionário. Mas vamos a alguns fatos: o disco foi um dos primeiros trabalhos conceituais da história do rock, ou seja, as canções se interligam e formam um único tema; a arte gráfica é um caso à parte: concebida por Peter Blake a partir de colagens sugeridas pelo Fab Four, reúne cerca de cinquenta personalidades diversas, além dos próprios Beatles em duas versões – numa em sua fase bons moços de terninhos representados por bonecos de cera oriundos do museu de Madame Trussaud, e noutra os quatro em pessoa metamorfoseados em membros da Banda do Sargento Pimenta; além disso, foi o primeiro LP a vir com as letras impressas na contracapa, e no encarte vinham alguns souvenirs, como uma insígnia e bigodes para que o ouvinte interagisse com a obra, se transformando também em mais um membro da fictícia banda.
O disco abre com “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, que serve como uma introdução à Banda do Sargento Pimenta; ao final, há a apresentação de um tal de Billy Shears, representado por Ringo, que entra cantando “A Little Help From My Friends”, faixa que acabou sendo banida das rádios inglesas à época pelo verso “I get high with a little help from my friends”, pois muitos viam nestes versos uma alusão às drogas (“ficar alto com uma mãozinha de meus amigos”).
Depois temos a polêmica “Lucy in the Sky with Diamonds”, que de acordo com Paul foi inspirada por alguns desenhos feitos por Julian, filho de John. Polêmicas à parte, o fato é que além de suas iniciais formarem o termo L.S.D., esta faixa se tornou um clássico do psicodelismo pela sua letra e arranjos surreais.
Prossegue com “Getting Better”, canção com clima e letra bastante otimistas. Depois vem “Fixing a Hole”, na qual Paul faz uma analogia com “o buraco na sua estrutura que impede sua mente de seguir em frente”, e segue com “She’s Leaving Home”, que relata de forma triste o conflito de gerações, pois conta a história de uma jovem que abandona a casa dos pais por sentir falta de atenção e carinho, ao que estes ficam perplexos pois "nós lhe demos tudo que o dinheiro pode comprar”. Para encerrar o lado A temos “Being for the Benefit of Mr Kite!”, canção que serve de contraponto à melancolia da anterior, devido à atmosfera meio circense recriada pela banda.
O lado B começa com “Within You, Without You”, composição de George Harrison que segue a linha de seus trabalhos da época, com influências indianas. Depois temos quatro faixas bem divertidas e descompromissadas: a primeira é “When I’m Sixty-Four”, no qual Paul canta as alegrias de ter 64 anos(!) de idade – de acordo com ele, esta canção foi feita em homenagem ao seu pai; a segunda é “Lovely Rita”, dedicada às moças que cuidavam do parquímetro (aparelho utilizado para controlar o tempo em que um carro permanecia estacionado nos Estados Unidos e Inglaterra naquela época). Após o canto de um galo temos a terceira faixa – “Good Morning, Good Morning”, canção animadíssima que serve de prenúncio à despedida da Banda do Sargento Pimenta em "Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)”.
O lado B começa com “Within You, Without You”, composição de George Harrison que segue a linha de seus trabalhos da época, com influências indianas. Depois temos quatro faixas bem divertidas e descompromissadas: a primeira é “When I’m Sixty-Four”, no qual Paul canta as alegrias de ter 64 anos(!) de idade – de acordo com ele, esta canção foi feita em homenagem ao seu pai; a segunda é “Lovely Rita”, dedicada às moças que cuidavam do parquímetro (aparelho utilizado para controlar o tempo em que um carro permanecia estacionado nos Estados Unidos e Inglaterra naquela época). Após o canto de um galo temos a terceira faixa – “Good Morning, Good Morning”, canção animadíssima que serve de prenúncio à despedida da Banda do Sargento Pimenta em "Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)”.
Mas, enquanto a banda vai se despedindo, começam os primeiros acordes de “A Day in the Life”, intrigante canção que forma um verdadeiro painel sonoro, ao mesmo tempo em que trata de problemas existenciais de uma forma totalmente inédita até então! Ao final dela temos um longo acorde (cerca de 40 segundos) produzido por três pianos, e em seguida um som emitido em 20 mil hertz – audível somente para cães(!).
Nas edições em vinil o sulco central do disco traz uma série de ruídos desconexos, gravados durante uma festa após as gravações de “A Day in the Life”, no qual havia uma orquestra contratada por George Martin, que ao invés de tocar algo mais ortodoxo se limitou a tocar uma série de notas graves e agudas conforme instruções do lendário produtor. Muitas pessoas se debruçaram sobre estes ruídos, tocando-os em diferentes rotações e de trás para frente, com o objetivo de descobrir algum significado oculto neles. Obviamente vários foram encontrados, desde alguém sussurrando “Paul is dead”, o que corroboraria a hipótese de sua morte, até “we’ll fuck you like Superman” e muitas outras coisas.
Descrito assim através de palavras é impossível se ter uma idéia da riqueza dos arranjos e da variedade das nuances obtidas, em grande parte, graças ao primoroso trabalho de produção de George Martin, aliado à dedicação de Geoff Emerick e Richard Lusch, engenheiros de gravação que conseguiram a proeza de registrar em parcos quatro canais vocais, instrumentos normais (baixo, guitarra, bateria, piano, órgão), outros atípicos para uma banda de rock (harpa, cravo, acordeão, cítara), ruídos de todas as espécies (galos cantando, despertador), além de uma orquestra de trinta músicos!
Embora tenham lançado outros grandes trabalhos após o Sgt Peppers, este foi o último que manteve uma certa unidade entre os músicos – notadamente John e Paul, pois logo após seus interesses começaram a tomar rumos bem distintos e os atritos atingiriam proporções imensas, culminando na separação da banda em 1970.
É difícil dissociar os Beatles de todas as revoluções ocorridas naquela época, pois sua influência não se resumiu apenas à música, mas também a atitudes e comportamentos, mesmo se não houvessem lançado este álbum ou encerrado as atividades em 1966. Com este disco então a coisa se torna covardia, pois com ele o rock foi elevado à categoria de arte e o mundo nunca mais foi o mesmo.
Faixas:
A1. Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band - 2:02
A2. With a Little Help From My Friends - 2:44
A3. Lucy in the Sky With Diamonds - 3:30
A4. Getting Better - 2:49
A5. Fixing a Hole - 2:38
A6. She's Leaving Home - 3:37
A7. Being for the Benefit of Mr Kite! - 2:39
Nas edições em vinil o sulco central do disco traz uma série de ruídos desconexos, gravados durante uma festa após as gravações de “A Day in the Life”, no qual havia uma orquestra contratada por George Martin, que ao invés de tocar algo mais ortodoxo se limitou a tocar uma série de notas graves e agudas conforme instruções do lendário produtor. Muitas pessoas se debruçaram sobre estes ruídos, tocando-os em diferentes rotações e de trás para frente, com o objetivo de descobrir algum significado oculto neles. Obviamente vários foram encontrados, desde alguém sussurrando “Paul is dead”, o que corroboraria a hipótese de sua morte, até “we’ll fuck you like Superman” e muitas outras coisas.
Descrito assim através de palavras é impossível se ter uma idéia da riqueza dos arranjos e da variedade das nuances obtidas, em grande parte, graças ao primoroso trabalho de produção de George Martin, aliado à dedicação de Geoff Emerick e Richard Lusch, engenheiros de gravação que conseguiram a proeza de registrar em parcos quatro canais vocais, instrumentos normais (baixo, guitarra, bateria, piano, órgão), outros atípicos para uma banda de rock (harpa, cravo, acordeão, cítara), ruídos de todas as espécies (galos cantando, despertador), além de uma orquestra de trinta músicos!
Embora tenham lançado outros grandes trabalhos após o Sgt Peppers, este foi o último que manteve uma certa unidade entre os músicos – notadamente John e Paul, pois logo após seus interesses começaram a tomar rumos bem distintos e os atritos atingiriam proporções imensas, culminando na separação da banda em 1970.
É difícil dissociar os Beatles de todas as revoluções ocorridas naquela época, pois sua influência não se resumiu apenas à música, mas também a atitudes e comportamentos, mesmo se não houvessem lançado este álbum ou encerrado as atividades em 1966. Com este disco então a coisa se torna covardia, pois com ele o rock foi elevado à categoria de arte e o mundo nunca mais foi o mesmo.
Faixas:
A1. Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band - 2:02
A2. With a Little Help From My Friends - 2:44
A3. Lucy in the Sky With Diamonds - 3:30
A4. Getting Better - 2:49
A5. Fixing a Hole - 2:38
A6. She's Leaving Home - 3:37
A7. Being for the Benefit of Mr Kite! - 2:39
B1. Within You Without You - 5:07
B2. When I'm Sixty-Four - 2:39
B3. Lovely Rita - 2:44
B4. Good Morning Good Morning - 2:43
B5. Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise) - 1:18
B6. A Day in the Life - 5:33
B2. When I'm Sixty-Four - 2:39
B3. Lovely Rita - 2:44
B4. Good Morning Good Morning - 2:43
B5. Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise) - 1:18
B6. A Day in the Life - 5:33
Eu que nunca tive identificação com os Beatles tive que 'tirar o chapéu' para esse álbum desde a primeira vez que o ouvi inteiro dez anos atrás, pois antes tinha ouvido-o muito esporadicamente.Nada como um momento mais tranqulo para poder relaxar e 'digerir' uma obra-prima, tenho que reconhecer...
ResponderExcluirOs Beatles são foda. Acabei de assistir todos os episódios da série "Anthology" em DVD, e ela não apenas é fundamental para quem quer entender a obra dos Beatles, mas sim também a história da música pop. Simplesmente obrgatótia e fantástica.
ResponderExcluirAh, e esse review do Socram é um dos melhores que eu já li quando o assunto é o "Sgt Pepper´s". A alusão às fases da vida foi muito feliz.