Discos Fundamentais: Miles Davis - On the Corner (1972)


Por Ricardo Seelig
Colecionador

Após dar o pontapé inicial do movimento fusion com os álbuns In A Silent Way (1969) e Bitches Brew, (1970), Miles Davis passou dois anos e meio testando novas sonoridades, adaptando seu som a novos estilos e caindo ainda mais de cabeça em novos ritmos e sons totalmente diferentes ao jazz. Suas perfomances ao vivo entre 1970-1972 eram verdadeiros laboratórios sonoros, onde Miles, muito bem acompanhado, inclusive contando com dois músicos brasileiros em sua banda, Airto Moreira e Hermeto Pascoal, criava verdadeiros petardos sonoros com essas misturas e experimentos.

Miles colocou o apelido de Albino Crazy em Hermeto, e gravou duas faixas de sua autoria, "Igrejinha" - rebatizada como "Little Church" - e "Nem Um Talvez" do ao vivo Live-Evil, de 1971.

Ao entrar em estúdio em junho de 1972, muito influenciado pela black music de Sly and The Family Stone, Funkadellic, Stevie Wonder e Isaac Hayes, Miles decidiu fugir da temática experimentalista de seu antecessor, Bitches Brew, e explorou uma sonoridade altamente dançante, negra e de alto impacto. Chamou (como sempre) um time impecável de músicos, entre eles Herbie Hancock, que também estava trilhando um caminho parecido ao unir o jazz à música negra (união essa que geraria outro marco do fusion, o álbum Head Hunters, lançado em 1973) e, após rápidas jam sessions, pariu um de seus melhores trabalhos, On the Corner.

Já na primeira música, a faixa-título, percebemos a intenção de Miles em imprimir ao jazz um caráter altamente rítmico. Nessa canção, altas doses de batidas africanas se misturam a solos de teclados, saxofones e trompete, criando a sensação de estarmos presenciando um ritual africano ou uma sessão de magia, tamanha a força musical que emana dos sulcos. 

Já "Black Satin" tem um ritmo altamente dançante, nitidamente inspirado em nomes como Sly Stone e Funkadelic, destacando-se aqui o ótimo baixo de Michael Henderson e as pitadas da guitarra de John McLaughlin. A ótima "One and One" nos brinda com uma primorosa performance de Jack Dejohnette na bateria e James Mtume na percussão, servindo base para os ótimos solos de Miles. 

"Helen Butte" e "Mr Freedom X", uma alusão ao líder negro Malcom X e ao grupo político Panteras Negras, realçam o caráter de Miles de explorar sonoridades negras em seu trabalho. Aqui, o funk, o blues, a música africana e o soul se alternam de forma eficiente e empolgante em mais de vinte minutos de duração.

Esse disco, ao ser lançado, foi impiedosamente massacrado pela crítica, que acusou Miles Davis de denegrir o jazz e na verdade ter feito um álbum apenas para ganhar dinheiro. Miles ignorou os comentários negativos e foi ainda mais extremo em suas misturas musicais, até se retirar temporariamente do cenário artístico em 1976.

On the Corner é mais um trabalho obrigatório desse gênio chamado Miles Dewey Davis III, um dos maiores músicos do século XX.


Faixas:
A1. On the Corner - 2:58
A2. New York Girl - 1:32
A3. Thinkin' One Thing and Doin' Another - 6:42
A4. Vote for Miles - 8:45
A5. Black Satin - 5:16

B1. One and One - 6:09
B2. Helen Butte - 16:06
B3. Mr. Freedom X - 7:13

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