Discos Fundamentais: Thin Lizzy - Jailbreak (1976)


Por Régis Tadeu
Colecionador e Jornalista
Matéria publicada originalmente na edição #155 da revista
Cover Guitarra

Em pouco mais de 36 minutos, apenas nove canções. Em cada uma delas retratos emocionais da jovem classe média operária do Reino Unido (mas que poderiam facilmente se enquadrar em qualquer cidade do mundo ocidental), nas quais agressividade, lirismo, candura e poesia expunham uma beleza inesperada, como uma rosa encontrada no meio do lixo. Assim é composto um dos mais extraordinários discos já lançados por um grupo de seres humanos.

Mas o Thin Lizzy era muito mais que uma banda de rock. Era uma espécie de antro de inteligência literária dentro de um universo que não necessariamente primava pela destreza poética - vide as fraquíssimas letras que emolduravam grandes clássicos do Deep Purple e do Led Zeppelin, só para citar os exemplos mais famosos da época. Ao contrário de seus pares, o grupo liderado pelo carismático e genial baixista/vocalista Phil Lynott praticava a união entre a urgência hard rock e a trova social e emocional de Bob Dylan e, porque não dizer, de um jovem chamado Bruce Springsteen. Com isso, o grupo atraía a atenção de todo mundo que enxergava no rock muito mais que simples canções para balançar a cabeça. O Thin Lizzy transformava tudo a seu redor, como se falasse de necessidades básicas para nossas emoções.

Ainda hoje é difícil não descrever este disco sem sentir um aperto no coração e algumas lágrimas nos olhos, principalmente para quem - como eu - era um adolescente nos anos 70, uma época em que ser jovem não era a moleza que é hoje. É difícil não sentir um arrepio na espinha ao ouvir a perfeita harmonia entre as guitarras de Brian Robertson e Scott Gorham - que estenderam as lições ministradas anos antes pelo Wishbone Ash -, ambas solando e se entrecortando com uma genialidade que terminou por ser denominada como twin lead guitars, influenciando toda uma geração de instrumentistas - não me esqueço da emoção de Steve Harris quando perguntei a ele, em uma entrevista, sobre a importância deste Jailbreak em sua vida.

A abertura com a faixa-título era um primor de eficiência na hora de derreter nossas orelhas com riffs inesquecíveis, solos espetaculares e uma atmosfera apocalíptica até então inédita nesse estilo, que servi para o lirismo estampado nos acordes e os harmônicos espertíssimos de "Angel From the Coast", que por sua vez antecediam a delicadeza de "Running Back" e "Romeo and the Lonely Girl". A primeira era pontuada por um piano Fender Rhodes e um sax ocasional, que ofereciam a cama perfeita para que Robertson e Gorham expusessem licks não menos que faiscantes, enquanto que a segunda poderia facilmente ter sido incluída com destaque em algum álbum clássico de Bruce Springsteen.

A influência de Bob Dylan nunca foi manifestada de forma tão perfeita e pesada como na antológica "The Boys Are Back in Town", com Gorham e Robertson disparando uma saraivada de licks em terças de uma maneira que levaria até mesmo Hitler às lágrimas. A atmosfera "trovadoresca" era mantida, apesar de revertida para sonoridades muito mais leves e sutis, na bela "Right or Fall", canção que certamente influenciou no surgimento do Dire Straits.

Se o explícito momento rock and roll estampado em "Cowboy Song" trazia uma típica - e improvável para os padrões irlandeses - paisagem desértica americana, a sequência final com "Emerald" dava ao disco uma dimensão que extrapolava os sentidos, com Gorham e Robertson duelando ferozmente, como que buscando a redenção daquilo que Lynott havia estampado em suas letras nas canções anteriores.

Mas o caldo não tardava a adquirir tonalidades densas e raivosas com os primeiros acordes da inacreditável "Warriors", um verdadeiro tratado "guitarrístico" sobre como tocar o instrumento com criatividade e bom gosto - repare como a dupla de guitarristas usou a lenta e gradual abertura do wah-wah em seus solos como se fosse um outro instrumento. Firme, forte e forjando no incosciente a necessidade imperiosa de desenhar um cenário de conflito bélico, a canção vaticinava a guinada apocalíptica que permearia o heavy metal anos mais tarde.

Qualquer guitarrista - ou instrumentista ou leigo - que ignorar a riqueza de Jailbreak deve estar preparado para as dores dos infortúnios que estarão por vir ...


Faixas:
A1 Jailbreak 4:04
A2 Angel From the Coast 3:06
A3 Running Back 3:16
A4 Romeo and the Lonely Girl 3:58
A5 Warriors 4:12

B1 The Boys Are Back in Town 4:30
B2 Fight or Fall 3:48
B3 Cowboy Song 5:18
B4 Emerald 4:04

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