Discos Fundamentais: Elis Regina e Tom Jobim - Elis & Tom (1974)


Por Luiz Felipe Carneiro
Jornalista
Esquina da Música

Carros, apartamentos, viagens? Nada disso. Em 1974, Elis Regina estava comemorando dez anos na gravadora Philips. Por causa da data redonda, a gravadora queria presentear Elis com o que ela quisesse. A cantora, como não é boba nem nada, acabou optando por gravar um disco com o maestro Antônio Carlos Jobim - aliás, uma ideia original do produtor André Midani -, compositor que Elis mais gravou em toda a sua carreira, seguido de perto pela dupla João Bosco e Aldir Blanc. Sábia decisão, que acabou gerando um dos grandes discos da carreira de Elis, de Tom e de toda a música popular brasileira.

Um parêntese interessante aqui: em 1964 (exatos dez anos antes da gravação deste disco), Elis fez testes para estrelar o musical
Pobre Menina Rica, de Vinícius de Moraes e Carlos Lyra, na boate Au Bom Gourmet, no Rio de Janeiro. Tom Jobim acabou descartando a cantora - optando por Nara Leão -, dizendo que Elis ainda estava "cheirando a churrasco". Fecha parêntese.

Em seu livro
Música, Ídolos e Poder: do Vinil ao Download, André Midani fala um pouco sobre a concepção do álbum. "Elis ia celebrar dez anos de carreira em 1974, aniversário que merecia de todos nós a maior atenção. Menescal e Armando Pittigliani, em particular, queriam produzir um disco espetacular, memorável! Porém... Qual? Essa era a questão. (...) Voltando aos dez anos de carreira de Elis, em consenso com Roberto Oliveira - administrador da carreira de Elis Regina - Menescal, Armando e eu pensamos que Tom Jobim seria o parceiro ideal para a celebração. O maior compositor do Brasil em dueto com a maior cantora do Brasil."

Aceito o convite, Elis e seu marido Cesar Camargo Mariano viajaram para a Califórnia, e quando lá chegaram já estava instalado um clima tenso no ar. Tom Jobim não concordava com o fato de Cesar ficar responsável pelos arranjos, além de implicar com o seu piano elétrico. Tom chegou até mesmo a ligar para os maestros Claus Orgeman e Dave Grusin, que não puderam participar do projeto, por falta de tempo.

Conformado com a situação, o disco começou a ser gravado, com Elis colocando voz praticamente ao vivo nas canções, e Tom tocando piano em algumas faixas e violão em "Chovendo na Roseira". O maestro Bill Hitchcock também participou do LP, regendo uma orquestra de cordas em cinco de suas 14 faixas. O acompanhamento ficou por conta dos músicos que acompanhavam Elis naquele ano: Hélio Delmiro (guitarra), Luizão Maia (baixo), Paulo Braga (bateria) e Oscar Castro Neves (violão), além do próprio Cesar Camargo Mariano (piano elétrico e, eventualmente, piano acústico).

"Águas de Março", a primeira faixa do álbum - produzido por Aloysio de Oliveira e gravado nos estúdios MGM de Los Angeles em fevereiro e março de 1974 - talvez seja o dueto mais famoso da história da MPB. A canção já havia sido gravada anteriormente por Elis, mas o dueto com Tom consegue ser mais fantástico. Os dois casaram as suas vozes de uma maneira perfeita e espontânea, apesar do clima não muito favorável durante as gravações. Outros duetos de Tom e Elis também fazem parte do álbum. "Corcovado", além da voz, conta com o piano de Tom Jobim. As cordas regidas por Bill Hitchcock e o arranjo econômico de Cesar Camargo Mariano, com ênfase na voz da cantora gaúcha, fazem desta faixa outro grande momento do disco.

O famoso "Soneto de Separação", de Vinícius de Moraes, também é outro destaque. As vozes dramáticas de Elis Regina e Tom Jobim, somadas ao piano único do maestro, fazem da gravação uma das mais tristes do repertório de Elis. A última faixa do disco também é mais um dueto; mais do que isso, "Inútil Paisagem" é um encerramento perfeito. Apenas as vozes dos dois e o piano de Tom. Simples, econômico e magnífico.

Mas nem só de duetos vive
Elis & Tom. Se as músicas que têm a participação de Tom soam mais dramáticas, as faixas que contam apenas com Elis e sua banda são mais descontraídas e alegres. A impressão que fica é a de que, sem Tom ao seu lado, a cantora relaxou e se soltou mais. "Só Tinha de Ser com Você", "Triste", "Brigas, Nunca Mais" e "Fotografia" são bons exemplos. Todas estas quatro faixas são mais puxadas para a bossa nova, sem o peso das cordas de Bill Hitchcock. A bateria sincopada e a batida característica de violão se sobressaem, e a sonoridade fica bem mais leve.

Em outras faixas, como "Modinha" (com uma interpretação sensacional de Elis), "Retrato em Branco e Preto" e "Por Toda a Minha Vida", Tom participa com o seu piano. O resultado, como pode ser notado, é muito mais tenso e completamente diferente das quatro em que ele ficou de fora. Em "Chovendo na Roseira", Tom Jobim não só tocou piano, como também participou com o seu violão.

Em 2004 foi lançada a versão deste álbum em DVD-áudio, com uma mixagem em seis canais (5.1) supervisionada por Cesar Camargo Mariano a partir dos masters originais de oito canais. Além de todas as faixas do LP original, o DVD traz alguns diálogos entre Tom e Elis, além de uma versão alternativa mais rápida de "Fotografia" e a inédita (na voz dos dois) "Bonita".

Na contracapa do LP, Elis Regina escreveu o seguinte texto: "
Nos meus dez anos de gravadora ganhei de presente um encontro com Tom. Foram momentos vividos por duas pessoas muito tensas, que só conseguem se descontrair através da música. Ficou a saudade de um passado recente, em que as cores eram outras e as pessoas mais felizes."

Trinta e seis anos depois, uma coisa é certa: não foi só Elis que ganhou esse presente.


Faixas:
1 Águas de Março
2 Pois é
3 Só Tinha de ser com Você
4 Modinha
5 Triste
6 Corcovado
7 O que Tinha de Ser
8 Retrato em Branco e Preto
9 Brigas, Nunca Mais
10 Por Toda a Minha Vida
11 Fotografia
12 Soneto da Separação
13 Chovendo na Roseira
14 Inútil Paisagem

Comentários

  1. A melhor e mais bonita cantora do país ao lado de um dos mestres da bossa nova. Excelente disco. Boa lembrança!

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  2. Esse é fundamental msm!
    Abraços!
    Ronaldo

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  3. Esse texto do gatefold é muito sincero, né? Acho isso de uma honestidade impressionante, dadas as formalidades de um encontro como esse.
    Acho que o álbum perdeu um pouco do culto nas últimas décadas, muito pela falta de unidade entre as músicas com e sem Jobim. Mas pouca coisa é tão linda quanto o arranjo de chovendo na roseira aqui.

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