Os Armênios: Nem Kiss, nem Secos & Molhados!


Por Rodrigo de Andrade

Não é novidade. Faz tempos que se discute quem foi pioneiro no tal rock de maquiagem. Na era do glam rock, vários grupos apareciam cheios de batom e purpurina. Mas se a discussão é de quem chegou pintando todo o rosto, como uma máscara, aí a briga é grande.

Há toda uma história de que o Kiss teria copiado o Secos & Molhados. O grupo brasileiro, que fez um sucesso descomunal quando surgiu em 1973, teria sido assediado durante uma turnê pelo México. Um produtor americano viu a foto do grupo na Billboard e os visitou, sugerindo uma carreira internacional desde que deixassem seu folk-rock lisérgico um pouco mais pesado. João Ricardo e companhia recusaram, voltaram ao Brasil, e poucos meses depois o Kiss despontou.


Até pouco tempo, a versão plausível seria de que os americanos eram os plagiadores - inclusive com boatos de que o primeiro empresário deles teria sido o mesmo que procurou o Secos & Molhados. Ney Matogrosso, inclusive, já acusou Kiss em entrevistas.


Jornalistas e fãs chegaram a se debruçar sobre os fatos, traçando linhas cronológicas e fazendo estudos detalhados. Conclusão: o Kiss já pintava as tais máscaras no focinho antes da tour dos brasileiros pelo México. Não seria um caso de cópia.

Alguns mais ligados argumentavam inclusive que várias outras bandas já maquiavam máscaras muito antes dos dois grupos. Alice Cooper, os italianos Osanna, ou mesmo o malucão Arthur Brown (que comandava uma trupe meio Mothers of Invention na Inglaterra) já pintava o rosto em 1968 em espetáculos que são realmente precursores do rock teatral.

Porém, há um elemento obscuro que deixaria a história um pouco feia para o lado do Secos & Molhados. Existe um grupo underground que veio antes de todos esses mais conhecidos que realmente foi o precursor dessa história toda. Mais do que isso, a pintura deles era muito semelhante a que os brasileiros iriam fazer, mais de cinco anos depois.


O nome da banda era Dragonfly. Um quarteto holandês que lançou apenas dois compactos (peças realmente raríssimas entre os colecionadores de discos) que depois seriam compilados num EP. O grupo surgiu em 1965 com o nome de Beat Five. Logo mudariam para Groep 69 e Group 69 Sect. Em 1967, porém, adotariam definitivamente o nome de Dragonfly. Faziam parte do cenário provo de Amsterdã, uma cidade apontada como paraíso contracultural nos anos 60. Talvez inspirados pelos happenings do genial mago Robert Jasper Grootveld (que sempre se apresentava pintado), o Dragonfly impressionava o público ao fazer shows com a face pintada.

A trajetória do grupo foi um tanto efêmera. Chegaram a gravar uma apresentação na TV, que nunca foi veiculada. Em 1968, logo depois que as suas quatro faixas foram reunidas no EP Celestial Songs, o grupo se separou. Todos os integrantes formaram outras bandas. Dois deles até tentaram uma reunião em 1977, sem sucesso.

Existe até mesmo um vídeo promocional raríssimo que mostra eles se maquiando e circulando por Amsterdã:



As músicas nunca foram relançadas. Raros arquivos em MP3, extraídos diretamente dos compactos, revelam que a sonoridade era semelhante a de diversos grupos de garagem ácidos da época, com experimentações psicodélicas e guitarras com fuzz. Hoje, chama a atenção mesmo o fato das maquiagens serem realmente muito parecidas com as do Secos & Molhados, que sempre apontou o dedo inquisidor contra o Kiss.

Enfim, devo concordar com meu velho amigo bêbado Jatobão Caiçaras: que importa quem inventou o rock com maquiagem? Se preocupem com o som e parem de viadagem!

Comentários

  1. O grupo brasileiro, que fez um sucesso descomunal quando surgiu em 1973, teria sido assediado durante uma turnê pelo México.

    Correção: 1972

    Conclusão: o Kiss já pintava as tais máscaras no focinho antes da tour dos brasileiros pelo México.

    O Kiss se chamava Wicked Lester entre 72 e 73, mudou para Kiss e assumiu as máscaras em 1973. Depois do S&M.

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  2. Arthur Brown é sensacional, um genio precursor, lançou albums sensaionais como o Faster than the Speed of Light. Infelizmente ficou marcado como "o doido q canta Fire", " um cantor de um sucesso só". Pena.

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  3. Duvido, mas duvido msm que as pinturas do S&M tenham sido inspiradas por alguma outra banda, especialmente, uma obscura desse porte. Vale lembrar a imensíssima dificuldade desse tipo de material chegar até o Brasil, e quando chegava era só os mais antenados dos antenados que as descobriam. Não acho que nenhum dos músicos do S&M era rato de loja de disco a esse ponto. É uma coincidência e nem acho tão parecido assim um com o outro.
    O Ney Matogrosso disse que o fato de começarem a se pintar veio do teatro (ele atuava antes de cantar) e uma vez logo depois de uma peça iria ter um show e ele foi pintado msm (como atuava na peça em questão). Aí viu que a coisa impressionou o público e eles seguiram assim.
    Mas o texto é bacana, gostei!
    Abraço!
    Ronaldo

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  4. Resumindo:

    A chance do KISS ter sido influenciado pelo S&M é a mesma do S&M ter sido influenciado por esta banda.

    Mas o pior é o sr. Ney Matogrosso, apesar de todas as evidencias, continar acreditando que o KISS os copiou, e continuar expondo isso sempre que o assunto vem a tona.

    Recomendo a leitura do artigo abaixo, onde tudo fica extremamente claro, principalmente em relacao as datas.

    http://emiliopacheco.blogspot.com/2006/03/secos-molhados-e-kiss-fim-de-polmica.html

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  5. belo texto e bela lembrança. Esse textodo Emilio tb é sensacional!

    Quando conversei como Ney ele me falou que na verdade ele nunca quis saber sobre o Kiss. Ele falava o que fora dito para ele. Eu até falei que o Kiss não era uma copia do S & M, mas como ele não curte muito falar sobre o S & M, a conversa parou por ali e mudamos de rota, falando sobre o show que ele fizera aquela noite.

    Creio q o Ney nao é o culpado na historia, mas sim os que ficam mexendo na porcaria para ver ela feder.

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