Steve Harris fala sobre o British Lion e o futuro do Iron Maiden em longa entrevista para a RockHard
Um projeto paralelo de Steve Harris era a última coisa que os fãs do Iron Maiden poderiam esperar. Mas do que se trata British Lion?
Steve Harris: Alguém da RockHard! Recentemente eu vi sua revista no Brasil. Quantas vezes você já ouviu o British Lion? Umas cinco vezes?
Seria muito fácil para o fundador do Iron Maiden compor e gravar músicas no estilo de sua banda, porém, sem o seu parceiro Bruce Dickinson. Ou então canções inspiradas pelas influências musicais que ele tinha quando deu seus primeiros passos, especialmente do mundo do rock progressivo, como Jethro Tull e Genesis. Mas a verdade é que British Lion soa bem diferente. Imagine uma banda de hard rock pouco antes do início da década de 90, tentando se adaptar em meio a onda mais alternativa do grunge, mas sem se afastar de suas raízes musicais.
Algumas músicas até poderiam estar em um show do Iron Maiden. Os fãs da banda vão achar interessante, mas vão encontrar algo diferente. O músico que compôs algumas das melhores músicas do heavy metal está determinado a explorar algo realmente diferente.
Estamos em Bristow, Virgínia, perto da capital dos EUA, Washington. A turnê do Iron Maiden intitulada Maiden England está passando por diversas arenas americanas. No local do show, nos bastidores, em meio a passagem de som de Alice Cooper e a entrada dos espectadores da primeira fila, eis que aparece Steve Harris. Desde 1975, hoje com 56 anos de idade, uma presença constante por trás da maior banda de heavy metal de todos os tempos. Nossa conversa começa assim:
Steve Harris: Alguém da RockHard! Recentemente eu vi sua revista no Brasil. Quantas vezes você já ouviu o British Lion? Umas cinco vezes?
RockHard: Você nunca havia gravado um álbum solo.
Exatamente. Até agora, havia gravado apenas algumas músicas do Calm Before The Storm (2008), álbum da minha filha, Lauren.
Como você decidiu, após 36 anos, fazer algo diferente, fora do Iron Maiden?
O disco deveria ter saído bem antes, mas levamos um longo tempo para concluir. Meu tempo era bastante limitado por causa dos muitos compromissos com o Iron Maiden. Era quase impossível fazer algo paralelo. Por exemplo, estamos de volta em turnê e ela vai continuar por algum tempo. Mas mesmo quando não estou em turnê, há sempre muita coisa a ser feita da minha parte em nome do Maiden. Meus colegas do British Lion são muito pacientes.
O álbum se chama British Lion e será lançado com o seu nome. Mas, enquanto isso, você sempre chama todo o projeto de British Lion. É uma banda ou o projeto solo de Steve Harris?
Começou como um trabalho solo, mas agora somos uma banda, e isso me deixa mais confortável. Eu não acho que a música deva se resumir apenas ao baixo e a mim. Teríamos um resultado muito estranho (risos). É uma banda normal, embora eu esteja compondo as músicas. Atualmente todo o projeto funciona com o meu nome, mas com o passar do tempo teremos British Lion como um nome definitivo.
Para este projeto você trabalhou com músicos desconhecidos, mas a maioria são da sua idade, da sua mesma geração.
Eles se dão muito bem juntos e nos conhecemos a muito tempo. O Graham Leslie (guitarra) tem a minha idade, o David Hawkins (guitarra /teclados), mais ou menos 40, nosso baterista Simon Dawson, em algum lugar entre ... bom, eu não quero revelar sua verdadeira idade (risos), e o vocalista Ritchie Taylor tem 50, mas todos os dias ele corre 8 milhas, então parece que tem 40, mas canta como se tivesse 30. Ele está em excelente forma.
Havia muitas informações sobre as gravações de British Lion, e algumas músicas vazaram na internet com a informação de que eram da primeira demo, gravada em 1992. Também nessa época você produziu uma banda chamada British Lion.
Já se passou tanto tempo? Não pode ser verdade (risos). Mas nunca esqueça da internet. Na verdade, agora eu fico apavorado (risos). Eu achava antes que eram 10, 15 anos, mas 20? Nossa! Naquela época eu era o produtor, e algumas músicas foram registradas. Mas quase ninguém sabia. Tocaram apenas em alguns pequenos shows, particularmente em Portugal. Depois de algum tempo, a banda se separou, algo que não devia ter acontecido, porque muitas músicas eram ótimas. Seria uma vergonha permanecer na obscuridade.
Então, há alguns anos, a banda foi reformulada com você permanentemente na posição do baixo, e isso foi mantido em segredo. Algumas das músicas de vinte anos atrás, lá do começo, continuam no repertório, como "Eyes of the Young". O disco dá a impressão de que há músicas de diferentes períodos. Isso significa que elas foram todas compostas em anos diferentes, de forma ascendente?
Sempre trabalhamos as músicas separadamente, mas nós não estávamos no estúdio. Você está absolutamente certo sobre o fato de que algumas canções foram escritas há muitos anos. Algumas músicas são resultado da atual formação e não das antigas. Eu queria dar fôlego para a banda outra vez, então eu peguei o baixo como um membro permanente e assumi total responsabilidade pelo projeto, embora tenha levado muito tempo para obter tudo.
Qual a importância do nome British Lion? Pergunto por que sua música poderia ser facilmente descrita como global.
O nome é bem dinâmico. Eu lembro que desde a primeira vez que trabalhei com eles já queria manter no nome. Pensamos que você deve ter orgulho de sua herança. Mas deve fazer isso de forma positiva e não errar, como muitos fazem, usando a herança para reduzir aos outros. Eu vejo isso como no futebol, através de uma concorrência saudável e não como uma declaração política. A arte do disco é uma criação minha (Steve trabalhou como ilustrador na década de 1970, o logotipo do Iron Maiden foi criado por ele). Eu tinha tantas ideias para este projeto e eu não conseguia colocar em prática, agora finalmente eu posso (risos)!
Sim, por que?
Você é autodidata no baixo. Então, sempre irão creditar as características do Iron Maiden ao seu estilo, é uma marca registrada, como se não pudesse fazer mais nada.
Eu tentei algumas coisas novas neste álbum. Acima de tudo, o som é muito diferente do Maiden e da abordagem que eu tenho com a banda, não irá corresponder a qualquer coisa. Mas eu acho que as pessoas vão me reconhecer tocando, embora em um estilo diferente.
A música "Us Against the World", é, na minha opinião a que possui maiores semelhanças com as suas gravações com o Iron Maiden.
Então, exatamente. E "A World Without Heaven" tem alguns elementos do Maiden também.
Todo mundo automaticamente lembra da sua banda principal quando ouve guitarras duplas, apesar de você gostar muito dessa sonoridade bem antes da fundação do Iron Maiden.
Exatamente. Acho que o British Lion tem suas raízes no rock mainstream dos anos 70. "The Chosen Ones", dizem, lembra muitos elementos do UFO e se assemelha também ao The Who.
Estas canções serão tocadas ao vivo?
Com certeza, mas ainda estamos planejando como serão os shows. Até agora poucas pessoas ouviram falar da nossa música. Devemos esperar a reação das pessoas. Ninguém nos conhece ainda, os promotores não sabem o que dizer para as pessoas. Eu aconselharia a fechar clubes para 200 pessoas? Para 500? Eu devo ser realista.
Então, você está pronto, depois de todos esses anos com Iron Maiden, para começar do zero outra vez?
No começo, pode ser que apenas 20 pessoas paguem pelos ingressos (risos). Eu ficaria muito satisfeito se 200 fãs fossem a um show do British Lion. Francamente, seria fantástico. As pessoas a mais seriam um bônus.
Sobre tocar ao vivo, você não tem feito isso com outro vocalista que não seja Bruce Dickinson já faz um longo tempo.
O Ritchie é fantástico. Eu vi a banda ao vivo, e entre outras coisas temos tocado muitas vezes as músicas juntos, então eu não tenho preocupações. Ritchie tem muita confiança em si mesmo.
Você parece estar muito impressionado com Ritchie. Ele poderia ser uma boa opção se Bruce Dickinson decidir sair outra vez?
Hahaha! Não, a voz de Ritchie não combina com o Iron Maiden. Devemos separar as coisas, apesar dele ser um excelente vocalista.
E Blaze Bayley? Pareceu genial em sua época.
Sim, você está certo (Risos - de uma forma que mostra que ele quer terminar este assunto rapidamente)
Basicamente, "The Chosen Ones" e "A World Without Heaven" são bem longas. "Eyes of the Young" também não é pequena, embora seja provavelmente a música mais comercial. Mas tem algumas coisas que a tornam muito diferente dos temas clássicos do Iron Maiden. Eu não dou qualquer importância ou assumo quaisquer compromissos para ter um formato diferente.
Mesmo que alguns títulos de músicas possam ter uma direção diferente do Maiden, você escreveu as letras? No Maiden você é responsável pela maioria das letras.
Sim, naturalmente. O Ritchie escreve algumas letras, e escreve bastante. Eu e ele nos completamos muito bem. Então, surgem alguns temas que você não esperaria. Quando, por exemplo, eu escrevo para o Maiden eu não escrevo muitas vezes sobre o amor (risos). Mas há canções em British Lion assim, canções sobre religião e envelhecimento também.
Algumas canções ganham uma melancolia aparente e parecem ter sido escritas a partir da perspectiva de alguém que reconhece, em retrospecto, que teve muitas oportunidades em sua vida e as jogou no lixo.
Trata-se de ver as coisas de maneira diferente agora do que quando você era jovem. "Phantom of the Opera" eu escrevi quando tinha 19 anos e acho que eu não poderia escrever novamente nos dias de hoje, da mesma forma que eu não poderia escrever uma música como "When the Wild Wind Blows" quando eu tinha 19 anos de idade. Isto pode ser transferido para aspectos da vida inteira. Quando eu olho para algumas coisas que fiz no passado, percebo que tenho melhorado muito. Me reconheço, mas eu sou uma pessoa diferente agora. Eu acho que sou muito maior do que você, mas certamente teria feito coisas que, em retrospecto, você olharia com estranheza. Isso é perfeitamente normal.
A faixa "Judas", tem uma letra um pouco óbvia.
Muitas pessoas pensam que é uma canção de amor.
O que passou pela minha mente foi algo sobre divórcio.
Fala um pouco sobre religião, especialmente alguém que confia e, em seguida, deixa de acreditar.
Assim, o título não é tão metafórico. De fato, as letras são mais diretas do que as dos Maiden.
Com o British Lion existem diferentes abordagens. O Ritchie escreve abertamente e de maneira menos confusa do que eu. Eu expresso tais sentimentos de maneira intensa nas minhas músicas, às vezes tentando domá-los.
Como tinha feito em The X Factor, escreveu sobre a separação de sua esposa então.
Sim, você pensa em temas e os transforma em um roteiro. Neste caso, no entanto, devemos olhar mais profundamente para entender o conteúdo real. Geralmente eu acho que é importante que cada ouvinte tenha a sua própria interpretação de uma peça, mesmo que seja diferente do que a pessoa que escreveu quer dizer, como fez, por exemplo, no caso de "Judas".
"The Chosen Ones", musicalmente, soa mais otimista e positiva. Sobre o que fala a letra?
Você pode vê-la assim. Ela tem uma vibração Quadrophenia (The Who). Falando sobre as crianças brincando na rua e coisas assim. Comparado com a maioria das outras músicas, você está certo. Muitos delas são apenas "tristes". Eu não diria que sou o homem mais feliz do mundo (risos).
Sim, alguns lados B do Iron Maiden, já fizemos algumas coisas realmente divertidas, como o nosso manager (risos).
Havia um boato de que alguém queria o Iron Maiden fazendo um remix de “I’m Forever Blowing Bubbles”, o hino do seu time de futebol favorito, o West Ham United. Foi uma ideia um pouco boba para você?
Alguém teve essa ideia, mas seria inútil para o Iron Maiden fazer algo parecido com isso, então eu deixei para o Cockney Rejects.
No entanto, vocês foram convencidos a fazer uma versão de "Women in Uniform" do Skyhooks, que não era tão legal.
A versão foi um sucesso, mas eu não estava feliz com a produção.
Me lembro de comprar o single, apenas pela capa meio punk rock com Margaret Thatcher, mas eu achei a música boa (risos de ambos). Falando sobre o passado: você ainda acompanha alguma banda que você gostava quando era adolescente?
Continuo ouvindo minhas bandas favoritas. Eu sempre fui assim, embora seja mais difícil agora, na sua velhice (risos). Eu comecei a escrever música nos anos 70, e sou muito sortudo, pois cresci nesse período. A música era diversa e complicada e havia muitas coisas legais.
Se você dissesse 10 ou 20 anos atrás que gostava de Genesis e Jethro Tull, isto causaria grande surpresa para os fãs do Iron Maiden. Atualmente, contudo, há uma grande atenção voltada para a música retrô.
A verdade é que eu nunca me importei com o que as pessoas pensavam sobre o meu gosto musical, e com o passar dos anos eu realmente não dei qualquer importância para isso. Eu não tenho de provar nada. Eu não estou interessado em estar na moda. Eu tentei fazer o British Lion para contribuir com algo que está no estilo dos anos 70, e não só musicalmente, mas também com um pouco da ética e integridade desse período. Talvez a minha ideia seja simples, mas pelo menos eu queria fazer acontecer (risos). E com o Iron Maiden, as coisas não são diferentes.
Muitas das bandas que começaram com o Iron Maiden continuaram suas carreiras. Você, por exemplo, ouviu o novo álbum do Angel Witch?
Eles ainda existem? Não, eu não sei nada sobre este álbum! (risos) Ok, estou brincando! É claro que eu ouvi, já que muitas vezes tocamos no mesmo clube. Enfim, eu certamente vou comprar o seu novo álbum. Mas eu gosto de bandas mais novas. Eu amo o último álbum do Nightwish. Os fãs antigos podem não concordar comigo, mas eu acho que a nova vocalista é melhor que a anterior! É impressionante como a banda se transformou em algo completamente diferente. O Nightwish é muito maior agora, já era bom antes. Esse cara (Tuomas Holopainen) é um compositor extremamente talentoso. Está fenomenal agora!
Você deve gostar dos elementos mais progressivos dos discos com Anette Olzon.
Sim, sinfônico e progressivo. Mas, acima de tudo, eu amo a voz dela. Acho que já deveria ter começado a conversa entre os fãs (risos)!
O Nightwish com este line-up e este estilo agora é maior do que nunca. Isso significa que eles irão continuar a seguir este direcionamento musical.
Exatamente. E a outra menina era boa, mas ópera é demais para o meu gosto. O romance é mais humano, mais real.
Tenho toneladas de material em casa, mas não são músicas completas, somente peças separadas, mas é um volume incrível. Eu poderia gravar uns dez álbuns pelo menos! Eu não estou preocupado se minha criatividade vai acabar com o tempo. Tudo o que você precisa é de tempo para trabalhar e ter as condições para que isso aconteça. E eu não tenho muito tempo.
Você disse que há músicas antigas inacabadas em seu arquivo. Há rumores de que você tem algumas demos misteriosas com Paul Di'Anno que não foram aproveitadas.
Exatamente. E é por isso que não deu certo. Não era bom, não foi terminado. Então acabou, e ele saiu.
Você pensa em fazer algo com o material do Gypsy's Kiss e do Smiler? Suas bandas antes do Iron Maiden despertam o interesse de muitos fãs.
Eu tenho várias gravações ao vivo de ambas as formações, mas não acho que seja necessário que elas vejam a luz do dia.
É tão ruim assim?
Não, não (risos). Se você for pensar sobre isso, as músicas eram bem legais, mas a qualidade do som era muito pobre. E pensar no que nós usamos para as gravações. Do ponto de vista sintético, por outro lado, há alguns momentos muito importantes, como a versão original de “Innocent Exile”, do Iron Maiden.
Que era do Gypsy's Kiss, certo?
Exatamente. Não a canção inteira, mas o riff principal é o mesmo.
Gypsy's Kiss é uma expressão do dialeto Cockney e significa "xixi", certo?
Sim, é uma gíria Cockney (como são chamados os habitantes do East End de Londres). "To take the Gypsy's" significa que você vem dali, mas que vai mijar! Hahaha!
Por ocasião de sua atual turnê Maiden England, o Iron Maiden reeditará o lendário vídeo ao vivo de 1989 em DVD, como você fez com Live After Death?
Sim, vamos fazer. O DVD será lançado no primeiro semestre de 2013. Se tivermos tempo, poderá até mesmo ser lançado ainda este ano. No VHS, tínhamos apenas 90 minutos de tempo, por isso tivemos de deixar de fora o material extra. Como você sabe, eu tenho um monte de trabalho pela frente!
Não parece estar pensando em aposentadoria. Mas o que passou pela sua mente quando o Judas Priest anunciou que está se aposentando?
É triste. Eles são um pouco mais velhos que o Iron Maiden, mas é sempre difícil ouvir que uma banda que é tão grande está parando. Espero que eles mudem de opinião, porque isso seria o final de uma era. Você sabe, Richie Faulkner está tocando com eles, ele tocava na banda da minha filha. Espero que dê um impulso para continuar. É um compositor muito bom. Talvez consiga trazer mais união pra banda.
Espero que o Maiden tenha pelo menos mais um álbum para todos nós!
De qualquer maneira, eu não sei quanto tempo vai demorar, mas vamos lançar mais discos.
Estou muito feliz em ouvir isso.
Minha esposa tem uma opinião diferente (risos). Estima-se que tenhamos mais dez anos, mas eu vou tão longe quanto for possível.
(Texto escrito por Jan Jaedike)
Muito obrigado por essa matéria fantástica!!
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