Sepultura: crítica de The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart (2013)

Este momento teria que chegar. E finalmente chegou. Com The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart, seu novo disco, o Sepultura cria um ponto de ruptura perfeito. Aquele momento em que as viúvas dos Cavalera enfim vão abandonar o grupo. Aqui, eles nunca estiveram tão distantes de Max e Iggor, goste você disso ou não. Ainda bem, aliás. Quem gosta desta formação do grupo vai ser brindado com um presentaço, um disco memorável. Já quem não consegue se acostumar, lamento, vai ficar cada vez mais difícil, caso a carreira da banda se baseie neste disco daqui pra frente. Com um quilométrico título inspirado em uma frase do lendário filme Metropolis (1927), de Fritz Lang, somos brindados com uma bolacha sombria, obscura, sinistra. Mas muito pesada. Porrada pura. Isso, obviamente, sem deixar de lado a vontade de inovar, de experimentar, de mesclar novas sonoridades. Aqui tem o Sepultura de Chaos A.D.. Mas também tem o Sepultura de Roots. E muito mais.

O disco anterior, Kairos, era o Sepultura provando que ainda podia soar Sepultura. Era uma celebração ao passado, talvez uma tentativa velada (e bem-sucedida) de calar a boca dos reclamões de plantão. Já The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart é o Sepultura provando que pode ser mais do que o Sepultura do presente. Depois de uma breve introdução instrumental dissonante, que nada mais é do que a mistura de todas as músicas do disco tocando ao mesmo tempo, o espetáculo começa de fato com "Trauma of War", uma escolha mais do que apropriada para abrir a obra. Rápida e brutal, ela já mostra a que veio o novo baterista, o jovem e talentoso Eloy Casagrande, que detona o seu kit sem dó nem piedade. O talento do rapaz pode ser claramente sentido ainda no verdadeiro terremoto sonoro de pedais duplos de "Manipulation of Tragedy" e no "duelo" de batera com o lendário Dave Lombardo (ex-Slayer), cuja participação se dá como um interlúdio de luxo em "Obsessed". Batismo de fogo para Eloy. Se alguém tinha qualquer dúvida sobre a escolha de Eloy para erguer as baquetas que um dia foram de Iggor, elas se encerram no resumo destas três faixas.

"The Age of the Atheist", discutindo a dificuldade que as pessoas de hoje têm para acreditar em qualquer coisa, é tipicamente Sepultura, 100% de acordo com o DNA clássico da banda. Mas tem mais, muito mais. Apesar do peso, "Impending Doom" é um daqueles momentos em que a banda arrisca mais nos grooves, oferecendo uma levada slow-tempo, de afinação mais baixa e grave, enquanto a letra discute as heranças que uma geração vai deixando para a outra em um mundo que muda cada vez mais rápido. Já "The Bliss of Ignorants", uma espécie de herdeira direta de "Roots", apresenta o Sepultura novamente sem medo de explorar a sua herança brasileira, com uma percussão tribal típica da nossa sonoridade e aplicada com precisão por ninguém menos do que Fred Ortiz, baterista original dos Beastie Boys e que vem tocando com Derrick em seu projeto eletrônico Maximum Hedrum. Ao explorar esta faceta, com total influência do produtor Ross Robinson (o mesmo de Roots, leia-se), fica claro porque a banda escolheu "Da Lama ao Caos" como uma opção de cover, cantada em português pelo próprio Andreas, que deixa as guitarras já pesadas de Lúcio Maia, da Nação Zumbi, ainda mais corpulentas e venenosas.

Os dois grandes momentos do disco, no entanto, são aqueles conceitualmente mais provocativos. Na climática "The Vatican", a banda entrega aquela que talvez seja a sua música mais macabra e maligna, enveredando pelo death metal enquanto conta a história de sangue, corrupção e sexo que moldou o Vaticano. E em "Grief", o Sepultura presta sua homenagem aos mais de 200 mortos no terrível incidente da boate Kiss, no começo do ano, que chocou e parou o país. A guitarra calma e cristalina que permeia a canção é algo que parece que Kisser nunca experimentou na vida, ao mesmo tempo em que Green entoa uma voz de coral quase religiosa, sem urros, sem guturais. E quando a violência de fato começa, quando o peso metálico entra em cena, ele tem o gosto de um grito de dor, ele transmite uma sensação de sofrimento, de angústia, de uma alma torturada. É de arrepiar.

Sem sombra de dúvidas, estamos diante do melhor álbum da banda desde que Derrick Green assumiu o posto de vocalista. E isso não é pouco. É muito, na verdade. Porque estamos diante do que deve ser o nascimento de um novo Sepultura. Um Sepultura que finalmente parece se libertar das cobranças de um passado glorioso para encarar os desafios de um futuro potencialmente tão glorioso quanto. Basta querer.

Nota 9

Tracklist:
1. Trauma of War
2. The Vatican
3. Impending Doom
4. Manipulation of Tragedy
5. Tsunami
6. The Bliss of Ignorants
7. Grief
8. The Age of the Atheist
9. Obsessed (com participação de Dave Lombardo)   
10. Da Lama ao Caos (Cover de Chico Science & Nação Zumbi)

Por Thiago Cardim

Comentários

  1. Achei o novo cd do Sepultura muito bom, perfeito review.
    Achei perfeito também seu comentário a respeito do Kairos, é bem isso mesmo, uma tentativa de volta ao passado, mas uma critica NÃO velada e sim muito dura com seus criticos, basta ler as letras do cd.
    Eu prefiro Kairos e Dante XXI mas esse novo fica em 3º lugar da era Derrick.

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  2. Um dos meus preferidos desse ano, simplesmente. Foi um tapa na minha cara, pois, mesmo eu ainda respeitando o Sepultura, sempre dei preferência à fase clássica. Mas esse disco é bom demais para ser deixado em segundo plano.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Acho que foi a melhor resenha que li até agora sobre o álbum, é exatamente a visão que eu tenho!

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  5. Eu gostei muito do Kairos, pra mim já é clássico da "Era Derrick".

    Esse novo eu escutei algumas vezes e ainda estou digerindo.

    A princípio, o instrumental está impecável, mas o vocal ainda soa estranho pra mim, acho que o Derrick cantou em tons muito altos na maioria desse álbum.

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Sou fan incondicional do Sepultura, tanto da fase do Max como do Derick. Este último albúm é bom mas não é 100% perfeito, o Eloy deu um novo gás para a banda, mas pareceu q o Andreas e o Paulo não conseguiram acompanha-lo. Os solos do Kairos foram melhores do q este último album. E não entendi qual foi a intensão de "abafar" a voz do Derick, com uma uma voz mais limpa o cd seria um dos melhores do ano.
    Como este é o primeiro album com esta nova formação vamos ver a evolução no próximo!!!!!!

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  8. Tá um pouco difícil de entender...diz que a banda se afastou definitivamente da época dos cavalera. Mas,logo depois afirma que o ábum tem muito de roots, chaos AD e que o DNA da banda está lá.

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  9. Tenho me decepcionando com o universo do sepultura, soulfly e cavalera conspiracy que tô percebendo que estou meio que enrolando com esse album. Bem, pelo menos a unanimidade do negativo foi quebrada com essa resenha.

    Agora, preguição de ouvir e ter decepção. Sinistro isso.

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  10. Os albuns do Sepultura com o Derick é tudo igual, ouviu um, ouviu todos. Não consigo ouvir nenhum inteiro.

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  11. Gostei muito do disco, traz uma salutar influência death metal que remete aos trabalhos deles do fim da década de 80 e início da de 90, e tem muito do que foi apresentado no Chaos A.D. e Roots também, combinado à sonoridade da era Derrick, mas com um clima mais sombrio. Só não gostei dos efeitos no vocal. Mas é o melhor disco sem o Max, disparado.

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  12. muito boa a resenha! Agora estou ansioso para ouvir o Álbum e ver como ele se sai na coluna veredicto do Site !

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  13. "Os albuns do Sepultura com o Derick é tudo igual, ouviu um, ouviu todos. Não consigo ouvir nenhum inteiro."

    Eu não diria que é tudo igual. O Nation é diferente desse recente, p.ex.
    Mas que tem MUITA coisa muito parecida, ah isso tem. É um tal de ouvir uma música e não saber se ela é do A-lex ou do Dante ou do Roorback, etc....

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