Emicida - Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa (2015)


Após a boa recepção ao seu álbum de estreia, O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), Emicida retorna inspirado em seu segundo disco, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. O rapper soa mais maduro e com uma musicalidade ainda mais ampla, explorando uma gama maior de influências e inserindo em seu caldeirão sonoro novos ingredientes. As letras mantém a onipresente crítica social, na maior parte das vezes de uma maneira agressiva e bastante direta. Em uma comparação rápida com a obra do chapa Criolo, o outro principal nome do atual hip-hop brasileiro, o discurso de Emicida soa mais raivoso e menos irônico e ácido do que o do autor de Convoque Seu Buda, em um contraste que soa complementar ao mostrar as possibilidades de caminhos distintos para transmitir uma mensagem semelhante.


Emicida surpreende ao iniciar Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa não com um possível single, mas com uma canção calma e contemplativa, onde olha para o passado e homenageia Dona Jacira, sua mãe. Intitulada “Mãe”, a faixa é de uma beleza tocante, principalmente o trecho final, onde a própria mãe do artista recorda as memórias e sentimentos de quando menino nasceu. Uma das mais belas composições de Emicida, é um início de arrepiar para um disco que só cresce em seu decorrer.

Não conseguindo errar, Emicida mantém a qualidade no alto em um desfile consistente de faixas. “8" derrama groove e embala uma letra inspirada, enquanto “Casa" utiliza vozes infantis em um refrão que arrepia até a alma. Os pequenos interlúdios, como as belas “Amoras" e “Sodade”, funcionam como paradas estratégias que apresentam novos capítulos do álbum. 

Bebendo na fonte eterna de Jorge Ben, “Mufete" é uma das melhores do disco, com um embalo que é puro samba rock. “Baiana" vem a seguir e traz uma desnecessária participação de Caetano Veloso, que pouco aparece na canção. Vanessa da Mata bate ponto na meiga “Passarinhos”, talvez a canção menos inspirada do trabalho, ao lado de “Baiana”. 

A parte final do play conta com uma desfile de composições de fortíssimo questionamento social, retratando a ebulição que vivemos no Brasil, cada vez mais dividido, cada vez mais perdido em discussões políticas que apenas disfarçam a troca do seis por meia dúzia. A pesada “Boa Esperança” é puro brilhantismo, seguida pelo indignado discurso do escritor pernambucano Marcelino Freire em “Trabalhadores do Brasil”, que retrata o cotidiano dos negros a partir de diversas perspectivas. Uma introdução perfeita para a longa “Mandume”, a principal faixa do Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, onde Emicida divide os vocais com Drika Barbosa, Amiri, Rico Dasalam, Muzzike e Raphão Alaafin em mais de oito minutos que funcionam como um manifesto inteligente e repleto de autenticidade que retrata o preconceito racial de uma maneira ao mesmo tempo inspirada e triste, tornando impossível não questionar, afinal, porque um país como o Brasil, que tem a miscigenação incrustada de maneira profunda em sua história, não consegue olhar para o próprio umbigo e entregar oportunidades iguais para todos os seus filhos.

O samba rock retorna à ordem do dia em “Salve Black”, que encerra o disco com alto astral e transbordando a esperança e o sonho de viver em um país melhor, cada vez mais.

Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa é um disco mais maduro e consistente que O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui, que já era muito bom. Em seu novo álbum, Emicida solidifica a sua posição no atual cenário brasileiro, funcionando como catalisador dos anseios, sonhos e questionamentos de uma enorme parcela da população brasileira. A crescente popularidade do músico só torna ainda mais forte os porquês levantados pelo rapper, levando as suas perguntas a um número ainda maior de pessoas - ainda bem, por sinal.

Um disco necessário, e que retrata com grande destreza o momento que vivemos. 

Até agora, o grande álbum brasileiro de 2015.

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