Malcolm McLaren sabia que os pais da matéria estavam nos Estados Unidos. Foi lá que ele buscou inspiração para que o movimento punk acontecesse - de forma concentrada - na Inglaterra. O que seria do punk sem o despojamento dos New York Dolls, a demência dos Stooges, o anti-lirismo do Velvet Underground e a agressividade do MC5?
E não foram só estas - todas elas, bandas extintas anos antes do punk - as fundamentais. Nova York fervilhava de grupos que acabariam traçando os moldes do que viria depois do punk. Eram as bandas new wave de Nova York e, dessas, a mais importante, ao lado dos Talking Heads e dos Voidoids de Richard Hell, foi o Television.
A história deles começa com o grupo Neon Boys, fundado por Tom Verlaine (guitarra e vocais) e Richard Hell (baixo e vocais) em 1971. Richard Lloyd (guitarra) e Billy Ficca (bateria) completavam o grupo, que alguns anos depois mudaria de nome para Television. Hell saiu por volta de 1974, e Fred Smith, ex-baixista do Blondie, foi chamado para substitui-lo. Em 1974, o Television gravou um single e em 1977 eles assinaram com a Elektra para gravar Marquee Moon, o seu primeiro LP.
Em meio à avalanche punk em que a maioria das bandas fazia um som rápido e primário (Ramones, Dead Boys) ou flertava com o pop (Blondie, Marbles), o Television optava por uma linha musical mais elaborada, com melodias harmoniosas, convivendo com ruídos e faixas longas que, ao vivo, se transformavam em verdadeiras jam sessions.
O som do Television remete à uma gama de referências musicais que vão de Byrds a Neil Young, de Doors a Velvet Underground. Não que o grupo soasse como uma das bandas citadas. Ela parecia querer ser todas elas ao mesmo tempo, e um pouco mais.
A música de Marquee Moon é leve em seus ingredientes e pesada em sua atitude. Os instrumentistas não usam efeitos ou pedais. É rock puro, de uma fluidez impressionante. Verlaine e Lloyd formam uma das duplas de guitarristas de rock que mais deram certo. Ambos solam, se alternam em riffs, bases e harmonias. Ambas as guitarras - principalmente a de Verlaine - alcançam sonoridades que às vezes parecem com guinchos, grunhidos e gritos. Ficca e Smith formam uma cozinha "à francesa", leve, com toques jazzísticos, sem abusos.
As letras - todas de Verlaine - sugerem mais do que dizem, como na faixa de abertura "See No Evil" ("Eu entendo tudo / a destruição urge / ela parece tão perfeita / eu vejo /eu não vejo nenhum mal"). As texturas sonoras são molduras perfeitas para as letras, como na faixa seguinte, a balada "Venus", em que Verlaine cai direto nos braços da Vênus de Milo. Em "Friction" o destaque vai para o solo esquizofrênico de Verlaine, assim como na comprida "Marquee Moon" (que, aliás, tem um belíssimo falso gran finale).
O lado B começa com uma jóia, "Elevation" ("A última palavra / é a palavra perdida /por que você não a diz então?"), onde o junkie Lloyd faz um solo emocionante. "Guiding Light" (única co-parceria de Verlaine no disco - com Lloyd) é mais uma balada que demonstra a sensibilidade harmônica de Verlaine. Em "Prove It", a combinação de base sonora simples com o caleidoscópio de imagens evocadas por Verlaine é mais uma vez perfeita. Em "Tom Curtain", a última música do disco, outra magnífica combinação: a voz chorosa de Verlaine relembra os anos passados, enquanto sua guitarra estridente rola suas lágrimas mais amargas.
Nem o Television (que acabou em 1979) nem seus integrantes em carreira solo conseguiram fazer um disco à altura de Marquee Moon (que na edição nacional saiu com um ridículo carimbo de "punk rock" na capa). É este o disco que prova que eles eram, instrumentalmente, uma das bandas mais integradas da década de 1970, e não há músico ou não-músico - de qualquer gênero - que, ao ouvir o disco, não se convença disto.
(Texto escrito por Celso Pucci e Thomas Pappon, Bizz#022, maio de 1987)
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